Paraná

MORADIA POPULAR

Audiência Pública questiona aterro sanitário da Essencis e defende direito de área Tiradentes 2

Ocupação sofre com falta de políticas públicas, acesso à cidade e exclusão encoberta com discurso ambiental

Curitiba (PR) |
Entidades sociais e ambientais questionam a permanência por tempo indefinido do aterro da Essencis - Pedro Carrano

Audiência Pública realizada hoje (16) na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), proposta pelo mandato do deputado estadual Renato Freitas (PT), reuniu moradores, parlamentares e especialistas em urbanismo para debater o impacto do aterro sanitário na Cidade Industrial de Curitiba (CIC) e, ao mesmo tempo, afirmar o direito da ocupação Tiradentes 2 e comunidades próximas viverem, com qualidade, na região.

Nas semanas recentes, as cerca de 70 famílias da Tiradentes 2, organizadas pelo Movimento Popular por Moradia (MPM) convivem com o risco de execução da ação de reintegração de posse. O momento é de tentativa de negociações com a empresa, medidas pela Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Paraná.

O aterro sanitário é de propriedade da empresa Essencis Soluções Ambientais SA, pertencente ao grupo Solví, que atua em 250 cidades brasileiras e controla o maior depósito de lixo do país, na região metropolitana de São Paulo.

Entidades sociais e ambientais questionam a permanência por tempo indefinido do aterro da Essencis, instalado na Cidade Industrial de Curitiba (CIC) desde 1997, recebendo lixo industrial e hospitalar, próximo de áreas de manancial, da represa do Passaúna, da Casa de Custódia de Curitiba, entre outros pontos. Localiza-se também na frente de uma estação de tratamento de águas da Sanepar. E muito próxima da Área de Preservação Ambiental (APA) e da represa do Passaúna.

Um dos tons da audiência pública foi justamente localizar que o aterro da Essencis situa-se também vizinho a várias comunidades, no bairro São Miguel, na CIC, algumas delas recentes e outras de décadas, caso das vilas Tiradentes, Dona Cida, 29 de Março, Nova Primavera, Corbélia, Primeiro de Maio, moradias Camargo, Sabará, vila Nova Conquista e Esperança.

“Hoje, passados 26 anos, é evidente a qualquer pessoa que não seja completamente cínica que o aterro sanitário da Essencis exerce um profundo impacto socioambiental negativo na vizinhança em que está instalado, na CIC inteira e em Curitiba como um todo”, afirma documento do Movimento Popular por Moradia (MPM).

Também esteve presente o deputado Professor Lemos (PT), quem ao final, entre os encaminhamentos, apontou a necessidade de intervenção junto ao governo Ratinho Jr pela manutenção das famílias no local e negociação com a empresa.

Uma das propostas é que haja negociação da Essencis/Solví com o movimento. Dia 19 de maio (sexta), uma audiência está convocada para a sede dos moradores da Tiradentes 2, com participação da Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR). Espera-se que a empresa sente para negociar com movimento e famílias.

Ambientalismo não pode ser pretexto para exclusão social

Entre as falas de abertura da audiência, a professora adjunta e pesquisadora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), doutora Maria Carolina Maziviero, aborda como o tema ambiental tem sido usado de forma higienista, o que limita ainda mais o direito à cidade, gerando divisões “Entre os que tentam proteger a natureza e os que lutam por demandas sociais no território”. Para ela, o discurso da biossegurança, apoiado em riscos ecológicos, vem na realidade encobrindo situações de desigualdade social. O que a especialista classifica como racismo ambiental. “O direito à cidade é direito ao acesso aos recursos ambientais, direito à vida e a pertencer a esta cidade”, aponta.

Aline Bilek, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias (CAOP) da criança, do adolescente e da educação, proteção ao meio ambiente e de habitação e urbanismo, ligado ao Ministério Público, posicionou-se ao lado do direito das famílias e contra despejos forçados. “O trabalho do MP é garantir que os direitos dos ocupantes e da comunidade sejam preservados, junto com a comissão de conflitos fundiários urbanos, para lutar junto com vocês. Mas ainda me causa espécie darem um prazo para vocês desocuparem voluntariamente. Atinge a alma da gente”, lamenta.

Aterro que se expande

Já Mariana Auler, advogada do Instituto Democracia Popular (IDP) e pesquisadora do Centro de Estudos em Planejamento e Políticas Públicas Urbanas (CEPPUR), reforça que a Cidade Industrial de Curitiba (CIC) deve ser vista como área de moradia popular, com moradias instaladas na região desde os anos 80, em vista da chamada ocupação do Sabará. Há equipamentos públicos na região. Não apenas destinação para a indústria.

E, além disso, a especialista chama a atenção de como o aterro da Essencis expandiu a partir da sua área original. “Vários estudos ambientais precisam ser feitos, para o aterro não incomodar a vida das pessoas. Principalmente, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima). O que acontece? O EIA-Rima de 1997, para a área do imóvel da massa falida da Stirps, foi feito sem os estudos necessários. Em 2014, há uma ação civil pública correndo questionando isso. Aterraram três corpos hídricos e três nascentes. Todo aterro tem que ter um prazo de periodicidade. Estamos numa janela de oportunidade para pensar a situação da Essencis”, aponta Auler.

Chrysantho Sholl Figueiredo, dirigente do Movimento Popular por Moradia (MPM), afirma que as negociações entre Stirps/Essencis com a área Tiradentes 1 já foram difíceis, o que mostra a intolerância do poder público com a situação das famílias.

Jair Pereira, o Gaúcho, um dos moradores e líderes da Tiradentes 2, afirma que os trabalhadores instalados ali beneficiam e cuidam do espaço e do meio-ambiente, por meio, por exemplo, do uso de fossas sanitárias. Para ele, há disposição das famílias em ficar e adquirir os lotes no local. “Uma audiência desta é relevante porque o que estamos buscando é o nosso direito à moradia e que não está sendo respeitado, por isso estamos aqui clamando para sermos atendidos. A empresa já devia ter encerrado as atividades desde 2015 e ainda está operando normalmente, e é isso que estamos querendo entender”.

Parlamentares posicionam-se em defesa das famílias

Estiveram presentes na audiência pública, ao lado do presidente da Comissão da Igualdade Racial, deputado Renato Freitas (PT), o presidente da Comissão de Direitos Humanos e da Cidadania, deputado Professor Lemos (PT), a presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Juventude, deputada Ana Julia (PT), os deputados Dr. Antenor (PT) e Goura (PDT)

Freitas reforçou que, sem o direito à moradia, todos os outros direitos dos trabalhadores estão comprometidos. “Nossa tarefa é muito grande em um país como o nosso, o problema da moradia é tão fundamental que, sem ele, você não atende todos os outros serviços públicos”, apontou. O próprio Freitas que, filho de paraibana imigrante, ao lado de dois irmãos, passou a infância em áreas de ocupação. “Temos obrigação de enfrentar aqueles que ousam mexer nas famílias. Temos que resistir”, afirmou, convocando a resistência. 

“O que precisa agora é de vontade política, é regularizar, das moradias populares e das ocupações. Mas o governo Lula só vai entregar o que queremos se houver pressão nas ruas. Os movimentos populares têm que pressionar pelos direitos do povo. Tenho certeza que o movimento de moradia vai pressionar”, disse a deputada Ana Júlia Ribeiro (PT).

“A dor de cada um é a dor de todos. A reforma urbana foi minimizada pelos planos diretores”, avalia o deputado de Guarapuava, Dr Antenor (PT).


Uma das propostas é que haja negociação da Essencis/Solví com o movimento / Pedro Carrano

 

 

Edição: Lia Bianchini