Paraná

MORADIA POPULAR

Nova ocupação na CIC corre risco de despejo em área sem uso e que absorve dinheiro público

Local é alugado à prefeitura. Se contabilizado o valor de três anos e meio, os cofres públicos já gastaram R$ 800 mil

Curitiba (PR) |
Barracão sem uso há três anos e meio e com valor gasto de R$ 800 mil coloca a questão: e quanto ao direito das mais de 40 famílias? - Pedro Carrano

Nova ocupação corre o risco de despejo forçado em Curitiba. Trata-se de um barracão industrial que, até dezembro de 2018, estava abandonado, localizado na rua Rua Engenheiro Ariel Villar Tacla, 500, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC). A ocupação foi batizada pelos ocupantes, desde fevereiro deste ano, de Fortaleza.

A gestão do município reivindica o local, na condição de locatária do espaço pertencente à Comercial Exportadora Husseini Ltda, pelo valor mensal aproximado de R$ 19 mil.

O objetivo, de acordo com a gestão, seria montar uma central de comercialização de polietileno tereftalato (PET), em parceria com o programa Ecocidadão, que atende a trabalhadores carrinheiros.

A prefeitura reconhece que, entre dois chamamentos para empresas usarem o espaço, o primeiro não apresentou interessados e o segundo processo licitatório está em andamento, ainda que a prorrogação do contrato de locação esteja prestes a finalizar.

Dinheiro público?

Se contabilizado o valor de três anos e meio sem uso, os cofres públicos repassaram perto de R$ 800 mil para um local até então sem uso e agora ocupado devido à necessidade de famílias.

Nos processos, o município sugere que as famílias teriam prejudicado o patrimônio público com a ocupação. Porém, nota-se que a área é privada.

Agora, desde o dia 27 de outubro, as famílias estão ameaçadas de mais um despejo forçado, tendo o prazo de dez dias para desocupação do imóvel. A juíza Patricia de Almeida Gomes Bergonse, da 5ª Vara Cível, responsável pela decisão, indica na liminar, se necessário, ordem de arrombamento e reforço policial.

Perfil das famílias

O local abriga, desde o dia 5 de fevereiro, 42 famílias, num total de 160 pessoas, sendo que 60 são crianças. Os moradores, que conformaram uma Associação, apontam que a maioria está desempregada e há também autônomos ou mesmo o apelidado “empreendorismo por necessidade”, como ironiza um dos moradores.

O relatório técnico, anexado à liminar de reintegração de posse e assinado pela Cohab, aponta que a maioria dos ocupantes recebe cerca de R$ 1100 e que apenas cinco famílias estavam inscritas na fila da Cohab antes da entrada na ocupação. Número que subiu após a visita do órgão público. Porém, em conversa da reportagem com os moradores, eles estão desacreditados da espera na longa fila por moradia.

“Esse povo que está aqui precisa de moradia. Como temos problema no estado e no país, precisamos. Mas os órgãos deixam a desejar e não nos dão respaldo disso. Então estamos brigando por uma questão social que não se resolve”, protesta o morador Daniel Rodrigues de Oliveira.

Direito à realocação

Juristas populares traçam uma estratégia de defesa das famílias. Em linhas gerais, a situação abrange os seguintes problemas: a relação entre o imóvel privado e a gestão municipal.

Há também problemas de zoneamento na região, voltada à indústria, o que exigirá um programa de realocação das famílias. Tal medida é estipulada em âmbito nacional no marco da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, mecanismo com o qual o Judiciário indicou não haver despejos de ocupações feitas no grave período de crise sanitária.

“Mandamos um ofício recente para o Ministro Barroso (STF). Tentamos que houvesse atenção ao direito de moradia das famílias e acompanhamento social na questão de, eventualmente tendo ordem de despejo, que houvesse alguma forma de realocação e um programa de moradia emergencial. Queremos agora pedir uma reunião e enviar mais um ofício para saber aonde as famílias vão poder ficar”, afirma Thaís Diniz, assessora da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Paraná.

Povo Sem Medo

Já é a segunda ameaça de despejo que ocorre na capital em menos de duas semanas. Por decisão da 24ª Vara Civil de Curitiba, as 580 famílias ocupantes da área Povo Sem Medo, no bairro Campo de Santana, devem deixar a área. O prazo do dia 27 já expirou.

O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) recorreu ao ministro Barroso, do STF, porém ele manteve a determinação de reintegração de posse. O ministro indeferiu um pedido liminar do movimento, que alegava descumprimento do preceito fundamental que impede despejos até 31 de outubro no país.

Nesta semana, moradores da ocupação Povo sem Medo estiveram em frente a Construtora Piemonte, proprietária do terreno, em protesto.

Juristas populares, consultados pela reportagem, por um lado apontam que, tanto a Povo Sem Medo, quanto a Fortaleza, são áreas recentes, anteriores às definições do STF. Por outro lado, há sempre a preocupação de que, passada o prazo do dia 31 de outubro, todas as áreas de ocupação do período da pandemia sofram pressão de proprietários, prefeitura e governo do estado.  

Cohab não responde

A reportagem do Brasil de Fato Paraná enviou para a assessoria de imprensa da Cohab perguntas referentes a se haverá um programa de realocação no caso de despejo das áreas Povo Sem Medo e Fortaleza. E perguntamos também sobre qual finalidade no gasto de R$ 800 mil no barracão privado na Cidade Industrial de Curitiba (CIC). Porém, até o fechamento da edição, não obtivemos resposta.

Edição: Frédi Vasconcelos