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Trabalhadora da educação, mulher negra, mãe solo, Tia Celina quer a comunidade pressionando a Câmara de Araucária

Para ela, é cada vez mais necessário que os equipamentos públicos deem estrutura para as mães trabalhadoras

Curitiba (PR) |
“Hoje entendo o pessoal de Araucária, antes então me doía quando ninguém me respondia no ônibus”, recorda. - Divulgação

Celina do Carmo da Silva Wotcoski, 58 anos, conhecida como “Tia Celina”, é um apelido recebido carinhosamente a partir da vivência como trabalhadora de escola pública, na relação que, ela explica, sempre buscou fortalecer o seu lado mais comunitário. E é o que agora esta educadora e militante gostaria de levar à Câmara Municipal de Araucária.

Celina é merendeira da escola e, hoje, a primeira agente 1 à frente de uma secretaria na direção da APP – sindicato estadual de professores e trabalhadores de escola. No caso, ela é Secretária de Promoção de Igualdade Racial e Combate ao Racismo da entidade sindical.

Nascida na cidade da Lapa (PR), mãe de três filhos, sua trajetória de trabalhadora e mulher negra tem um traço marcante na vida comunitária. Do chão da comunidade ela nunca saiu. Celina trabalhou como empregada doméstica, boia fria e até em fábrica de fogos de artifício.

No ano de 1989 colocou os pés pela primeira vez no chão da educação como voluntária, na instituição filantrópica “Casa da Criança José Lacerda”, como forma de pagamento para manter os filhos na instituição. Passou também por atuação como conselheira tutelar, o que significa que a relação entre o cuidado dos filhos dos trabalhadores e educação sempre esteve presente. Além da luta para conseguir estrutura para as trabalhadoras da área - lição que, sabemos, foi dos grandes aprendizados da Revolução Russa: como garantir estrutura e remuneração para as trabalhadoras do cuidado e da educação?

“A história de minha vida é abrangente. Sou nascida e criada na Lapa, segunda filha de quatro irmãos, a mais velha das mulheres”, narra. Sua vida foi marcada por muitos enfrentamentos iniciais. “Muita dificuldade, minha mãe, mãe solo, sempre batalhando para a gente sobreviver, não tinha perspectiva de vida, vivíamos o hoje”, narra.

Celina também é cria da chamada vila Brusca, atual bairro São Lucas, “Única favela na cidade da Lapa”, “Onde viviam todos abaixo da linha da pobreza. Passava o trem e construímos nossos barracos lá”. A luta por moradia a levou a hoje viver num loteamento com construído a partir do Minha Casa Minha Vida, em residencial chamado “Nosso chão”.

Mais tarde, vencidas tantas batalhas iniciais, Celina resolveu completar o ensino médio, depois da morte precoce do pai de seus filhos. “Acredito na Educação, que transforma a vida da gente, voltei a estudar, consegui me formar junto com minha filha. Em seguida, prestei vestibular na UFPR em Gestão Pública”, conta.

Por uma ação comunitária

No ano de 2004, Tia Celina mudou-se para Araucária, onde atuou em escolas e vive até hoje na vila Jardim Fonte Nova, trabalhando diretamente com a comunidade escolar do colégio Professora Marlize da Luz Brand. “Quero dar ao próximo sempre em termos de ação, para mudar a comunidade onde estou inserida”, aponta.

Tia Celina percebe que é cada vez mais necessário que os equipamentos públicos deem estrutura para as mulheres trabalhadoras – aquelas que que saem cedo para trabalhar, “E muitas vezes o que ela ganha, tem que pagar a metade para alguém levar o filho no cmei”, aponta.

Confessa que, de início, como numa canção de Caetano – “é que quando cheguei por aqui, nada entendi”, estranhou os rostos fechados nos ônibus de Araucária. Trabalhadores cansados. Pessoas dormindo na condição. Hoje, conta que dimensiona a cidade como cidade dormitório, e compreende a dificuldade das mães periféricas, que passam o dia fora de casa e se deparam com a falta de condições de atendimento nos bairros. “Hoje entendo o pessoal de Araucária, antes então me doía quando ninguém me respondia no ônibus”, recorda.

Projeto popular

Com isso, nitidamente, seu programa e projeto para a cidade é voltado para pautas que toquem na vida dessas mulheres, mães negras, operárias e lideranças populares, da quebrada. “Mães solo, que estão nos bairros, onde tem que se virar. O projeto quero para todas as pessoas da cidade, mas temos que ter um olhar e empatia para elaborar um projeto. Quero a possibilidade de fazer política que alcance este público, não basta ter um cmei que atenda meio período, por exemplo”, protesta.

Tia Celina está ciente que enfrenta uma cidade com grande parque industrial e, ao mesmo tempo, repleta de desigualdades. A atual gestão de Hissan Hussein Dehaini, além de inúmeras acusações, é marcada pela organização de uma guarda municipal extremamente violenta, uma postura repressiva com os servidores municipais.

Neste sentido, a trabalhadora de escola sinaliza necessidade de proximidade com os sindicatos Sifar e Sismmar, que resistiram no último período. “Certamente, temos que ter um olhar horizontal, para que a gente possa enxergar todos os pontos em que a gente precisa diferenciar do que está posto”, afirma.

Numa imagem final nesta conversa, Celina aponta que sua tarefa é sentir “a temperatura da comunidade”. E, de certa forma, levá-la para um espaço que hoje é antipopular.

 


“Acredito na Educação, que transforma a vida da gente, voltei a estudar, consegui me formar junto com minha filha. Em seguida, prestei vestibular na UFPR em Gestão Pública”, conta. / Divulgação

Edição: Mayala Fernandes