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Luta popular

Perfil | Dona Junia: a verdade com a verdade

Em tempos de crise, mulher negra liderança da vila Joanita, em Curitiba, oferece lição de educação popular

Curitiba (PR) |
“Estou passando aqui para deixar um legado: tem que estudar, entender de licitação, ser um formador na comunidade”, defende Dona Junia - Foto: Giorgia Prates

Uma antiga chácara de mato alto foi sendo desbravada pelos moradores. Construíram toda a estrutura: água, luz e itens de urbanização, até a inconstante e breve aparição do poder público. Em 1992, a posse da área foi cedida para alguns moradores por Joanita Rosa da Silva, fundadora que acabou batizando a comunidade, a Vila Joanita, no bairro Tarumã, em Curitiba. A narrativa comum em tantas áreas de Curitiba, tem a diferença que a Joanita se inscreveu no clube das comunidades que se mobilizam e agem pelos seus direitos.

Uma das responsáveis por esse difícil título é Junia da Costa Carneiro, 57 anos, oito netos e cinco filhos. Dona Junia, como é conhecida, é a presidenta da associação de moradores, desde 2014, em uma direção, como diz, composta por mulheres. Ela nasceu no Maranhão, de avós indígenas e negros, o que desde cedo lhe enraizou na luta pela terra e contra a exploração. Mais tarde, morou em Brasília, onde se inspirou no exemplo de Benedita da Silva, deputada federal negra e ex-governadora do Rio de Janeiro, até aportar numa Curitiba que também exigia lutas.

A liderança conversa com a reportagem, entre o cuidado com netos e bisnetos, enquanto organiza a correspondência que chega apenas em sua casa para a comunidade de 300 famílias. Envolve-se também com as questões do colégio estadual Paulo Leminski e, no meio de tantas tarefas, ainda proseia com a calma, segurança e firmeza.

No período de Copa do Mundo, em 2014, foi quando as lutas se intensificaram. Foi ali que sua militância cresceu, com o apoio do Núcleo Periférico e do atual vereador Renato Freitas (PT), uma vez que o presidente da associação, à época, não se envolveu nas brigas por regularização fundiária. “Os técnicos da Cohab não se comunicam com o povo, o povo quer saber se vai ficar ou sair do local. Não temos uma secretaria municipal de habitação, é o morador quem valoriza o local”, afirma, ressaltando a atual ausência do poder público sobre o tema da moradia, que para ela é central na região, assim como o asfalto e a drenagem contra enchentes.


Dona Junia, como é conhecida, é a presidenta da associação de moradores desde 2014 / Foto: Giorgia Prates

Responsabilidade e envolvimento

Na condição de liderança popular em um momento de difícil mobilização, devido à crise econômica, falta de trabalho e também à cultura de não participação, pode parecer que Junia carrega nos ombros toda a carga da comunidade. Mas a realidade está longe disso. Ela incentiva as iniciativas dos moradores, mesmo aquelas com as quais não concorda, desde que haja organização e responsabilidade com o que se está propondo.

“Quando alguém sugere a vinda de um vereador, eu pergunto: ‘O que vocês querem de um vereador? Como vão se preparar?’. Se há um coletivo de moradores, o vereador se comporta de outra maneira. ‘Há um projeto? Quem é o engenheiro?’ Temos que falar verdade com verdade”, ensina.

Ela avalia que a parceria com os movimentos populares, caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), fortalece a caminhada da associação. Mas advoga por mais integração entre as próprias associações de moradores, muitas das quais hoje debaixo da asa do prefeito Rafael Greca (DEM).

Outra questão é a pressão sobre a Câmara Municipal. A associação deve acompanhar as pautas e, literalmente, ocupar a casa, que ainda não é do povo – como Junia fez, ao lado de outras personalidades negras, homenageadas no Dia da Consciência Negra pelos mandatos de Renato Freitas, Carol Dartora (PT) e Herivelto Oliveira (Cidadania). “Estou passando aqui para deixar um legado: tem que estudar, entender de licitação, ser um formador na comunidade”, defende.

Nota da Companhia de Habitação sobre a Vila Joanita  

“A área conta com restrições ambientais - a maior parte das famílias encontra-se na faixa não-edificável imprópria para habitação. Existe a previsão para o reassentamento de boa parte das famílias para a realização de uma obra de drenagem e contenção de cheias a ser implantada pela Secretaria Municipal de Obras Públicas (SMOP).” 

Edição: Frédi Vasconcelos e Lia Bianchini