Paraná

Luta indígena

Nhandereko: o modo de vida que deve mudar a Floresta Estadual Metropolitana em Piraquara

"Nos propomos a isso: a revitalização dos rios e ao reflorestamento do local com plantas nativas", diz Eloy Jacintho

Curitiba (PR) |
Com a retomada dessas terras, tem-se em vista também a recuperação de saberes ancestrais - Foto: Giorgia Prates

Na tarde dessa quarta feira (22), as famílias dos povos Kaingang e Guarani Nhandewa, que estavam acampadas a dois meses na Floresta Estadual de Piraquara (PR), conseguiram a autorização do Estado para permanecer no local. Segundo Eloy Jacintho, liderança indígena no Paraná, a floresta estava abandonada pelo Estado. Ele explica que o projeto de retomada não se limita a ocupar o espaço para a moradia de famílias indígenas: o nhandereko, que é o modo de vida indígena, tem o cuidado com o meio ambiente e, por isso, a revitalização das nascentes e o reflorestamento devem ser empreendidos na Floresta Metropolitana.

Segundo Eloy, “a retomada pretende trazer uma finalidade para essa floresta, que é a preservação pelo nhandereko, o modo de vida indígena de preservar, de cuidar, de pensar nas futuras gerações.”

Por conta do abandono, a Floresta Estadual de Piraquara hoje é ponto queima de lixo e rota para fuga do presídio no bairro próximo, segundo os moradores da região. Eloy também aponta que o rio que corta a floresta tem sido usado de despejo para o esgoto do município, e que o local, revestido de eucaliptos, está com o solo degradado.

"Os Kaingang reflorestaram com araucárias toda a terra deles, e nos propomos a isso, a revitalização dos rios e ao reflorestamento do local com plantas nativas; [...] Os moradores contam que podiam vir aqui muito antigamente, quando aqui ainda se tinham espaços coletivos, como o campo de futebol. Vinham para passear com suas famílias, e até mesmo nadar no rio", diz Eloy.


Finalidade da retomara é "a preservação pelo nhandereko, o modo de vida indígena de preservar, de cuidar, de pensar nas futuras gerações.” / Foto: Giorgia Prates

Com o reflorestamento de espécies nativas, é natural que as nascentes se recuperem, pois é a transpiração da mata que torna o ciclo d’água possível. Eloy garante que a repetição do mesmo processo em outros locais pode levar a uma melhora na seca que assola o Paraná e tem provocado a crise hídrica em Curitiba e região metropolitana.

Outro projeto para a floresta é um centro de formação sobre história e direito indígena. Os Kaingang e os Guarani foram alguns dos primeiros povos habitantes de que se tem conhecimento no estado do Paraná. No século XIX, foram expulsos de suas terras por Dom João VI, que pretendia abrir caminhos para o Porto de Paranaguá. Com o centro de formação, esses povos terão a oportunidade de contar a versão decolonial (que desconstrói a narrativa colonizadora) da história.

“Quando você fala no descobrimento, não existe descobrimento, quando você fala em aldeia, que aldeia? Eu me reconheço em um território Guarani, que transcende os espaços geográficos criados pós colonização. O que é índio? Eu não sou índio, sou Guarani Nhandewa”, explica Eloy.


Reflorestamento de espécies nativas e centro de formação estão nos projetos da retomada / Foto: Giorgia Prates

Até mesmo o conceito de aldeia não partiu dos povos originários, esse agrupamento criado pelo branco serviu para controlar a expansão indígena. Por isso que a diferenciação entre retomada de território e retomada de aldeia é tão importante. A retomada de território transcende os espaços delimitados pelo branco e os ideais de aldeia criados por ele. A noção de cacique, entre outras, é revista por essas famílias, que se propõem a novas formas de organização e liderança.

Sobretudo, com a retomada dessas terras, tem-se em vista também a recuperação de saberes ancestrais, a partir do retorno às línguas nativas, dos cantos sagrados e demais práticas culturais originárias. Só assim esses povos, que vêm sofrendo séculos de extermínio, podem assegurar a sobrevivência de sua história e de seus saberes.

Edição: Lia Bianchini