Paraná

CONFLITO FUNDIÁRIO

A história de oito famílias que não querem ser despejadas por uma associação de moradores

Famílias da rua Olga de Araújo Espíndola, no bairro Novo Mundo, estão em guerra contra associação que pede seu despejo

Curitiba (PR) |
A assembleia mais recente não foi realizada na comunidade ou em eventual sede da associação - Pedro Carrano

Simone tem cinco filhos e poucas perspectivas de futuro. Se tiver que sair da atual residência construída, onde vive desde o início dos anos 2000, na rua Olga de Araújo Espíndola, no bairro Novo Mundo, afirma que não tem como viver noutro lugar. E é a mesma história de Jhonir, de Luciana, de Nilson, um remanescente de famílias que agora se posiciona contra a ordem de reintegração de posse.

Em ofício datado de 21 de março, o Juiz da 12ª Vara Cível de Curitiba/PR, Marcelo Ferreira, solicita reforço policial à Coordenadoria Especial de Mediação dos Conflitos da Terra (Coorterra/PMPR) de assessoramento às ações e operações da Polícia Militar do Paraná, sinalizando pressa na execução da reintegração. Por outro lado, o próprio Coorterra havia solicitado presença da Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Paraná.

Esses moradores de certa forma relatam uma situação que assombraria o escritor checo Franz Kafka. Alguns são pressionados a deixar a casa onde vivem, porque seu lote teria sido vendido a outra família pela associação de moradores - que, por sua vez, não reconhece o fato e acusa o grupo de moradores de não pagamento de prestações da casa.

O conflito se intensificou neste ano entre os dois agrupamentos. “Há noites em que ninguém dorme, ficamos no celular um falando com outro, não sabemos: se para um motorista de aplicativo, se é algum risco para nós”, conta Simone.

Ao todo, então, essas oito famílias vivem a incerteza em um residencial de cerca de 50 pessoas. A atual associação de moradores tem o mesmo nome da rua. A Associação Olga de Araújo Espíndola tem mais de uma década e foi criada no meio do processo judicial de reintegração de posse movido pela Ecora S/A - Empresa de Construção e Recuperação de Ativos, que teve sua falência declarada, para então negociar a situação da área com a massa falida.

Os moradores com risco de passar pela reintegração de posse afirmam à reportagem que uma pessoa teria sido tirada de casa e hoje paga aluguel. Outro terreno vazio, com imóvel simplesmente destruído, é de um antigo proprietário cuja mãe faleceu e hoje ele mora na rua. Acusam que há, ainda, em assembleia recente, a qual a reportagem do Brasil de Fato Paraná recebeu um vídeo, moradores que estão à espera do terreno, porém não moram hoje na vila.

A assembleia mais recente não foi realizada na comunidade ou em eventual sede da associação, mas em frente à faculdade Santa Cruz, que fica ali perto, porém colocando em dúvidas como foi feita a convocatória da assembleia e respeito ao quórum. No entanto, a associação de moradores justificou à reportagem que não haveria necessidade de uma sede própria e de realizar assembleia na própria comunidade onde as pessoas moram.


"Precisamos de todos juntos na negociação para chegar numa solução”, conclama o juiz Augusto Guterres / Pedro Carrano

Ausência de mediação neste momento
 
Neste episódio, a Comissão de Soluções Fundiárias não foi autorizada pelo juiz para realizar audiências, diante do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as particularidades do caso.

Antes dessa decisão, porém, a comissão chegou a realizar visita técnica na região, onde teve contato com as famílias, com ambos os lados e com a situação de conflito.

O juiz integrante da Comissão, José Augusto Guterres, neste sentido afirma que espera pelo recurso para que eventualmente possa retomar a mediação.

“No relatório da visita, eu coloquei que via muita chance de acordo, vejo um cenário favorável, espero que a gente possa voltar a mediar pelo Cejusc Fundiário. (…) Pretendia chamar todo mundo, inclusive a massa falida e quem tiver disposição para poder estar junto. Para assim se verificar a possibilidade de pagar, ou conseguir algum programa habitacional. Precisamos de todos juntos na negociação para chegar numa solução”, conclama Guterres.

A Defensoria Pública do Estado, por sua vez, na figura de João Victor Longhi, tem apresentado recursos. O relatório da Nufurb, inclusive aponta possíveis irregularidades no processo da associação, no que se refere à representatividade dos moradores e aquisição de imóveis.


Defensoria Pública do Estado, Ministério Público e Comissão de Conflitos Fundiários têm buscado caminhos para famílias não serem despejadas / divulgação com realce de trechos

 

A associação de moradores, por meio da compra da área, foi sub-rogada nos direitos sobre os lotes que ainda estão ali. E – fato incomum – é a associação que, agora, está pedindo a reintegração de posse, substituindo a Ecora.

Na opinião da advogada popular Bárbara Esteche, da campanha Despejo Zero, “O Núcleo Itinerante das Questões Fundiárias e Urbanísticas (NUFURB) e o Ministério Público vêm denunciando, no processo, irregularidades da Associação e na negociação. Seria importante que os referidos órgãos públicos tomassem medidas administrativas em face dos desvios que eventualmente foram constatados”, aponta

Outro lado: associação de moradores acusa

A associação de moradores Olga Espíndola, por sua vez, responsabiliza as oito famílias por eventuais atrasos e problemas no processo de regularização fundiária. Afirma que as famílias nunca teriam pago prestações, o que tornaria onerosa a suposta dívida com o que chama de "credores".

Indagada sobre possibilidade de mediação e negociação com os moradores sobre o preço das prestações, Marcia Bueno, empreendedora social e vice-presidente da associação, afirma: "Quantas vezes essas famílias tiveram essa possibilidade (de negociação)? Como fizeram? Achando que não precisavam pagar? A situação se estende há mais de quinze anos, o desespero era tão grande, que estávamos todos em reintegração de posse", afirma.

A associação enxerga pouca chance para mediação, em que pese a sinalização positiva da Comissão de Conflitos Fundiários. "Foi tudo negociado com as mais de 70 famílias. Esses seres acham que vão viver sem pagar. Nós temos dívidas e esses moradores não pagam luz, nem água, nem por suas casas", critica.

Por fim, questionada também pela reportagem, Bueno não rechaça o fato de que a associação não tem controle sobre o cadastramento das famílias no processo de regularização da área, o que abre espaço para venda de terrenos no local. "As famílias fazem o que quiser na posse delas", comenta. E completa: "Estamos há mais de vinte anos nesse processo, o grupo (famílias com pedido de reintegração) nunca assinou uma ata. (...)", critica a vice-presidente.

 

Edição: Lucas Botelho