Paraná

MEMÓRIA E VERDADE

Opinião I Organização Consulta Popular sobre os 60 anos da ditadura: "Não esquecer, nem perdoar, contra os golpistas, resistir e lutar!"

Em documento, organização convoca que "A juventude utilize o marco do (des)aniversário do golpe militar para relembrar"

São Paulo (SP) |
Os crimes da ditadura se estendem até os dias de hoje, nas ações do neofascismo, na violência da Polícia Militar - Arquivo Nacional

A organização Consulta Popular, surgida em 1997 a partir de movimentos sociais que pautam um Projeto Popular para o Brasil, produz um documento, voltado à organização da Juventude do Projeto Popular, pautando a necessidade de manter a memória dos 60 anos do golpe militar, ao mesmo tempo combatendo os crimes atuais do neofascismo.

Confira o documento completo abaixo:


"No ano que o golpe militar de 1964 completa 60 anos, é fundamental recordar os motivos que fizeram com que este período marcasse profundamente a história do povo brasileiro e compreender quais os legados que nos relegaram.
Resgatando os elementos da nossa história, é importante compreender que mesmo com o fim do regime militar, em 1985, há resquícios desse período que se mantém até hoje. Os últimos anos foram marcados por abusos generalizados contra os direitos humanos, alastrando uma cultura de violências, principalmente estatais, estruturando uma sociedade marcada pela impunidade que persiste até hoje.

As condições de vida da classe trabalhadora pioraram nesse período com implementações de políticas econômicas que beneficiam a burguesia e as grandes empresas do país, tais disparidades reproduzidas atualmente, evidenciam as expressões da questão social que estão latentes, como o racismo, pobreza, desemprego, acesso precário à saúde, etc.

Muitas leis autoritárias foram promulgadas durante a ditadura militar para reprimir as mobilizações e limitar a liberdade de expressão, como foi o exemplo do AI-5 que fechou o congresso e as assembleias legislativas, impossibilitou a realização de reuniões políticas, instaurou um processo mais duro de censura às mídias e imprensa. Também a Lei Suplicy de Lacerda, que instituiu organizações estudantis controladas pelo regime nas universidades para substituir as organizações do movimento estudantil.

A ditadura militar foi conduzida por um policiamento repressivo pelas Forças Armadas, essa lógica de militarização permanece em muitas áreas, como a segurança pública e a educação, com a inclusão dessa prática nas escolas. Temos até hoje uma presente atuação das polícias militares com um caráter truculento e que todos os dias assassinam jovens nas periferias do nosso país, como é o caso da operação escudo na Baixada Santista (SP), que já chegou a 38 mortos, sendo o segundo maior massacre da história. Outra marca desse período é o fortalecimento das escolas cívico-militares em diversas regiões do Brasil – principalmente a partir do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), criado durante o período do governo de Bolsonaro – que constrói para dentro do ambiente escolar um autoritarismo conservador influenciado diretamente por importantes setores das forças armadas.

Atualmente, do ponto de vista da conjuntura nacional, compreendemos que vivemos em período de defensiva estratégica, decorrente da profunda derrota que sofremos em 2016, que abriu um período em que a classe trabalhadora perdeu diversos direitos sociais e trabalhistas, dificultando o processo de resistência e organização popular, relegando às organizações que se propõe transformar o mundo o rebaixamento de seus horizontes.

Já no contexto internacional, avaliamos que essa movimentação foi articulada e respaldada pelo imperialismo, que tinha como interesse reforçar seu controle na América Latina e implementar um novo programa neoliberal, considerando a necessidade de manutenção das suas taxas de lucro que haviam sofrido um baque, a partir da crise econômica.

O golpe articulado no Brasil teve como base social os setores médios, que são historicamente a base social do neofascismo, ideologia de extrema direita que tem como objetivo tomar o poder para instituir uma ditadura. Nesse processo, Bolsonaro se fortaleceu enquanto representante desse setor, com um discurso ideológico de extrema direita, contrapondo-se à política “tradicional”, o que respondeu à crise política que vivíamos, consequência do período de afastamento da esquerda hegemônica das bases populares.

O processo eleitoral de 2018, que levou Bolsonaro à presidência da República, e consequentemente fortaleceu o movimento neofascista, certamente contribuiu para reacender os ideais da ditadura no seio do povo, pois a ditadura militar representou elementos centrais do seu projeto de país, antidemocrático e antipopular. Isso se manifestou durante o governo, seja em declarações do ex-presidente e seus apoiadores defendendo os militares da ditadura como seus heróis, seja em declarações que reivindicavam o fechamento do STF, com claras intenções de diminuição das margens democráticas.

Entre os diversos crimes do campo neofascismo, representado por Bolsonaro, destacamos o aumento da violência nas periferias do país, com um crescimento da truculência da polícia militar que assassinou diversos jovens e militantes. Além disso, tivemos um aumento da fome, do desemprego, combinada com uma grave crise econômica que colocou o povo em uma condição de vida lamentável. Não podemos esquecer também das milhares de vítimas da Covid-19 que morreram por conta desse projeto que negligenciou a necessidade de tomada de medidas mais efetivas como a compra e distribuição das vacinas.

Esse projeto neofascista, anti-povo e antidemocrático se fortaleceu ideologicamente, culminando no lamentável episódio do 8 de janeiro, onde dezenas de brasileiros tentaram invadir o Congresso Nacional na tentativa de implementar um novo golpe no país. Isso demonstrou o crescimento do neofascismo enquanto força social expressiva, que ultrapassa os limites do governo, e que ao longo desse período, foi se enraizando inclusive nas classes populares, e se consolidou como uma força com disposição e organização de avançar no seu projeto com perspectiva a tomada do poder do estado. A eleição de Lula em 2022 impôs uma importante derrota tática ao neofascismo, nos dando melhores condições de organizar a classe trabalhadora para resistir, entretanto, as recentes manifestações de 25 de fevereiro demonstram que seguem vivos, fortes e mobilizados.

O nosso país ainda está em processo de confrontar e lidar com os crimes cometidos durante a ditadura militar, principalmente pela não responsabilização total para os perpetradores de violações dos direitos humanos. Além disso, a memória desse tempo também é reprimida, fortalecendo a narrativa de esquecimento e reconciliação, esses são apenas alguns exemplos dos resquícios da ditadura militar que ainda persistem no cenário atual. Enquanto o nosso país segue com dificuldades em consolidar uma democracia mais robusta, visto a permanência e força de movimento neofascista, é importante reconhecer e confrontar esses legados autoritários para evitar que volte a acontecer.

Observando esses períodos desafiadores na história do Brasil, que se repetem com suas características singulares, é evidente que o papel da juventude foi crucial na resistência e na defesa dos direitos. Seja nos momentos revolucionários das experiências triunfantes, seja durante os períodos de refluxo, a juventude se organizou para lutar. A atuação da juventude foi evidente na ALN, que confrontou a ditadura militar no Brasil, assim como participou ativamente na oposição às ações golpistas do ex-presidente Bolsonaro.

A participação em qualquer um desses períodos ocorreu por meio da capacidade de ação coordenada da juventude de diferentes setores, tanto dentro quanto fora das universidades, mas com o objetivo comum de defender os interesses de determinada classe, a classe trabalhadora. No período mais recente, a juventude resistiu aos anos do governo Bolsonaro com avanço do neofascismo, enquanto a classe trabalhadora como um todo segue lutando pela sua sobrevivência, e deve manter seu papel sob o governo de Lula, assegurando que nossas demandas não se restrinjam à perspectiva institucional, fortalecendo a lutas nas ruas, a organização nas bases e a disputa ideológica. Para isso, as pautas como a revogação da Reforma do Ensino Médio, a construção de um Plano Nacional de Educação que correspondam às necessidades da classe trabalhadora são fundamentais para a construção de um projeto para a vida da juventude. Além disso, é necessário repensar a política de segurança pública para que a juventude possa viver e garantir acesso ao mercado de trabalho para que se melhorem as condições de vida.

A juventude é intensamente disputada em diversos espaços ideologicamente, especialmente diante do agravamento das condições de vida, tornando-se cada vez mais difícil combater o individualismo para a construção de uma saída coletiva. A ideologia do empreendedorismo impacta diretamente esse setor, e portanto disputar esse espaço, fortalecendo a ideia de que avançamos coletivamente em nossas conquistas, é fundamental. Além disso, vivemos em um período em que o reformismo também disputa ideologicamente esse setor, apresentando a disputa eleitoral e o conformismo como os únicos caminhos, e é, portanto, nossa responsabilidade apresentar que apenas a tomada revolucionária do poder pode transformar nossa realidade.

É fundamental que a juventude utilize o marco do (des)aniversário do golpe militar para relembrar que a luta continua. Nosso papel é não esquecer os crimes do passado e do presente, e não perdoar aqueles que destruíram os direitos do nosso povo, negligenciaram milhões de brasileiros durante a pandemia e tentaram realizar um golpe de estado. Exigimos que Bolsonaro e os demais representantes do movimento neofascista sejam responsabilizados, julgados e condenados por todos os crimes por eles cometidos. Não podemos nos esquecer que o movimento neofascista foi responsável por centenas de milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas durante a pandemia, além de muitas outras milhares de mortes causadas pela conivência do governo bolsonarista com a fome, a violência policial, o racismo, o machismo e a LGBTfobia, além dos diversos casos de corrupção, medidas neoliberais que retiraram direitos do povo e ações golpistas que tiveram o apoio e o financiamento de setores civis e militares.

Inocentar o neofascismo de seus crimes lhes dará condições para avançarem sobre as vidas do povo brasileiro com seu projeto golpista e fascista, não podemos deixar isso acontecer! Não esquecer, nem perdoar, contra os golpistas, resistir e lutar!"

Edição: Pedro Carrano