Paraná

Paraná em liquidação

Em meio à Copa, Ratinho Junior quer vender bens e terceirizar o Estado

Venda da Copel, terceirização de presídios, mudanças na Biblioteca Pública e RTVE são votadas em regime de urgência

Curitiba (PR) |
Proposta de privatização da Copel foi aprovada em 1º turno nesta quarta (23), sob protesto da população - Foto: Gibran Mendes

O governador Ratinho Junior (PSD) não esperou nem tomar posse no segundo mandato e, no clima Copa do Mundo e fim de ano, mandou um pacote de medidas para a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), em regime de urgência, que permite, entre outras coisas, vender ações da Copel e terceirizar a gestão de presídios.

Além disso, tentou retirar o Colégio Estadual do Paraná do chamado regime especial, que garante melhor alocação de recursos para que a escola se mantenha, quer retirar a Biblioteca Pública do regime de autarquia, com orçamento próprio, alocando-a na nova Secretaria de Cultura, e quer tirar a Rádio e Televisão Educativa do Paraná do mesmo regime. As propostas de Ratinho receberam forte resposta de diversos seguimentos da sociedade civil organizada.

Tratoraço na Copel

Criada nos anos 50 pelo governador Bento Munhoz da Rocha Neto, a Copel virou um dos principais alvos do pacote de Ratinho Jr. O governador tenta se desfazer de ações em que o estado do Paraná tem controle, promovendo uma oferta pública (venda), transformando a estatal de energia em companhia de capital disperso, sem um acionista majoritário, na prática, privatizando.

A última tentativa de entregar a Copel para o capital privado foi em 2001, pelo então governador Jaime Lerner, mas graças a fortes mobilizações sociais que culminaram na histórica ocupação da Assembleia Legislativa, a empresa não foi vendida.

Nesta quarta-feira (23), sob protestos da oposição no plenário da Alep, e vaias das galerias do parlamento paranaense, a proposta foi aprovada por 38 votos a 14, em primeiro turno. 

De acordo com a administração de Ratinho Jr a ideia é “captar recursos para investimentos”, e afirma que e “a valorização de suas ações remanescentes detidas na Copel deverá derivar da potencial geração de valor aos acionistas, inclusive, em virtude de eventual capitalização da companhia e aceleração de seu plano de negócios”.

Para a oposição, apesar das negativas do governo, a proposta é uma clara tentativa de vender a Copel. Arilson Chiorato, líder da oposição e deputado estadual do PT-PR, anunciou que o governo responderá pelo ato na Justiça.

“Nós, da oposição, protocolamos pedido de suspensão da tramitação aqui dentro da Casa, porque não houve debate com a sociedade, não está em conformidade com o Plano Plurianual, e está ausente no plano de governo do governador eleito. Vamos protocolar uma ação popular em defesa do serviço público e tomar outras medidas jurídicas no Tribunal de Justiça”, disse.

Arilson ainda denuncia que, com a tentativa do governo de vender ações na Bolsa, há forte movimento de especulação. “Na sexta (18) já havia muita movimentação de compras a mais do que o normal de ações da Copel, e na segunda (21) de manhã o preço disparou. Alguém está ganhando dinheiro com informações privilegiadas.”

O líder do governo na ALEP, Marcel Micheletto (PP-PR) nega que haja uma tentativa de venda. “Privatizar é você entregar ela toda para um novo proprietário, novo dono. É vender tudo. Nós não estamos vendendo toda a Copel. Estamos vendendo algumas ações porque nós temos concessão, porque nós temos concessão da usina de Foz de Areia, que no ano que vem se encerra, e nós precisamos ter estratégia”, afirmou em entrevista ao G1.

A questão é, então, de semântica, ao abrir mão das ações de controle, mesmo não vendendo tudo, na prática a Copel terá novos donos.

Tarifa mais cara

Para o ex-governador e ex-senador Roberto Requião, o projeto do governo visa aumentar o lucro da empresa para os acionistas e encarecer a tarifa.

“A Copel privatizada vai cobrar sempre a tarifa mais alta possível. O Ratinho quer botar R$ 3 bilhões na mão com a venda para gastar, mas este é o valor de um ano de lucro da empresa, e querem submetê-la ao mercado e aos acionistas, prejudicando nossas próprias indústrias, que terão que pagar as tarifas mais caras para dar lucro aos acionistas.”

Colégio Estadual

Além da venda da Copel, o governo do Paraná ainda tenta, com os projetos, alterar autarquias ligadas à educação e cultura e terceirizar a gestão dos presídios.

Na educação, o governador tentou retirar o Colégio Estadual do Paraná(CEP)  do regime especial, que garante que a escola tenha mais recursos para se manter, já que o prédio localizado no centro de Curitiba é tombado pelo patrimônio histórico, e possui uma estrutura diferenciada, com laboratórios de Astronomia, Física, Química, pista de atletismo, piscinas, e ginásio.

Com a proposta, o CEP ficaria sob inteira responsabilidade orçamentária da Secretaria de Educação, o que levaria à perda de recursos. A proposta movimentou estudantes da escola, que organizados pelo Grêmio Estudantil (GECEP) protestaram em frente à Alep.

“Com o regime especial, o colégio recebe verba extra que permite a contratação de professores e funcionários para as aulas extracurriculares, como os esportes, os cursos da escolinha de artes, DANCEP, Reforço, CELEM e diversos setores que mantêm o colégio funcionando. O CEP é uma exceção, mas deveria ser a regra das escolas públicas, precisamos ser a referência, não destruídos”, afirmou o grêmio em manifesto divulgado em suas redes sociais. Os estudantes conseguiram, por enquanto, que o governo retirasse a proposta da reforma administrativa.

Biblioteca em risco

Com a proposta de Ratinho Jr, a Biblioteca Pública do Paraná mudaria seu status de autarquia, com regime próprio orçamentário, e se vincularia à Secretaria de Cultura.

Funcionários da biblioteca chegaram a se reunir, na tarde da terça-feira (22), em manifestação contra os planos do governo. A biblioteca chegou a ficar poucas horas de portas fechadas, com atendimentos e acessos reduzidos.

Em entrevista ao Brasil de Fato Paraná, o diretor da BPP, Luiz Felipe Leprevost, e a assessora técnica Vilma Nascimento disseram que a partir de uma reunião, nessa mesma tarde, com a presença de representantes do governo, foi esclarecido que o ir para dentro da Secretaria de Cultura não fará com que a BPP perca sua autonomia, recursos financeiros, mudanças no atendimento à população ou no quadro de funcionários. A questão é até onde isso é verdade.

RTVE

Já no caso da Rádio e Televisão Educativa (RTVE), a emissora poderá ser extinta enquanto autarquia, e transformar-se em um Serviço Social Autônomo ligado à Secretaria de Comunicação. A proposta avançou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) juntamente com outros pontos da reforma de Ratinho.

Para o Sindicato dos Jornalistas do Paraná (Sindijor), a extinção da Educativa como autarquia deixa a empresa sob risco de perder o caráter público e de promoção da cultura.

“A entidade adverte também para a maior vinculação a estruturas institucionais, que consequentemente acabam por utilizar a emissora como ferramenta para atender aos interesses do governo. O SindijorPR também lamenta a decisão de extinguir um veículo de comunicação de cunho cultural e educativo e alternativo frente a empresas comerciais”, cita em nota.

Terceirização dos presídios

O projeto de Ratinho ainda quer revogar o artigo 5º da Lei n° 17.046/2012. O que significa? Aumentar as terceirizações no sistema penitenciário.

O governo justifica que “a proposta visa um modelo de gestão mais eficiente com a terceirização no âmbito do Sistema Penitenciário, permanecendo com o Estado a segurança dos estabelecimentos penais”, ou seja, o estado iria ter apenas a responsabilidade da gestão direta das unidades prisionais, e as despesas com pessoal ficaria com empresas privadas.

Para a presidente do Sindicato dos Policiais Penais do Paraná (Sindarspen), Valéria Leite, a proposta do governo é ilegal. “A Lei Federal n° 11.079 de 2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada, proíbe que ocorra em atividade de caráter jurisdicional, ou que envolva exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas de Estado. Portanto, é indelegável a atividade fim do Policial Penal, impedindo contratar mão de obra terceirizada com função análoga, como vem acontecendo no Paraná, através do contrato emergencial com a Empresa New Life, com os chamados 'Monitores de Ressocialização Prisional', que vêm exercendo todas as atribuições de um policial efetivo”, explica. 

Edição: Frédi Vasconcelos e Lia Bianchini