Paraná

TRANSPORTE E PODER

Artigo. O Transporte Coletivo de Curitiba: origens e evolução

A atividade econômica do transporte coletivo de Curitiba foi regulamentada mantendo a operação sem licitação

Curitiba (PR) |
Os empresários do transporte coletivo financiaram campanhas eleitorais e com isso mantiveram sempre uma maioria nas bancadas de vereadores - Giorgia Prates

O transporte coletivo de Curitiba teve início no final do século 19, quando os bondes sobre trilhos puxados a mulas e faziam o trajeto da Rua Barão do Rio Branco no centro, em direção ao Bacacheri e o Batel, de propriedade da empresa Ferro Carril Curitibana, sendo vendida pouco tempo depois para o italiano Santiago Cole, que recebeu a concessão da Prefeitura Municipal de Curitiba para explorar o transporte coletivo por 90 anos.

Havia duas classes de passageiros: a 1ª Classe, com tarifa mais cara, não permitia pessoas descalças; a 2ª Classe, para os mais pobres. Era um serviço desorganizado, misturava transporte de passageiros com carga, concorria com as carroças de transporte de cargas e gerava muitos conflitos.

Mesmo com todos os problemas existentes, era um sistema de transporte de passageiros com lucro, transportando, em 1910, 700 mil passageiros por ano. Nesse ano a empresa foi comprada pela Companhia Inglesa South Brazilian Railwais, Estrada de Ferro Sul Brasileira, envolvida nos conflitos da Guerra do Contestado, na divisa do Paraná com Santa Catarina, e  transportava madeira da região para a Europa.

Essa empresa também passou a explorar a iluminação pública de Curitiba e eletrificou o sistema de bondes e acabou devolvendo a concessão para a Prefeitura Municipal de Curitiba, que criou a Companhia de Força e Luz para explorar o transporte coletivo e a iluminação pública da cidade. Para modernizar o sistema de transporte foram importados bondes elétricos da França, o que refletiu, em 1913, no aumento do número de passageiros transportados, que passou para 1.910.000 passageiros ano.

Transformaram todos os bondes puxados a mulas em bondes de segunda classe para os mais pobres usarem. Os bondes elétricos ampliaram a sua extensão passando a operar as linhas dos bairros Portão, Batel, Cemitério Municipal, Prado, Matadouro, Juvevê e Bacacheri. A Companhia de Força e Luz, que operava essas linhas, passou a introduzir também os ônibus, com a implantação de quinze jardineiras.

Nessa época não havia nenhuma regulamentação para concessão e operação do sistema de transporte coletivo. Essa falta de regulamentação facilitou o surgimento dos operadores autônomos de carros e ônibus, os  clandestinos. Os bondes elétricos eram os preferidos dos usuários, tendo transportado, em 1938, o total de 10 milhões de passageiros e 2,6 milhões foram transportados por ônibus.

Em 1942, os bondes elétricos transportaram 12 milhões de passageiros, os ônibus com 10 linhas transportaram 2,8 milhões de passageiros. O sistema de bondes elétricos entra em crise pela ineficiência das pequenas usinas em fornecerem a eletricidade, porém a conjuntura do período entre guerras (1939-1945) leva a Companhia de Força e Luz a vender a preço vil a empresa de bondes para a Companhia Curitibana de Transporte Coletivo, gerando uma onda de protestos da população, dos estudantes, que preferiam os bondes elétricos, porque eram mais baratos que os ônibus e lotações. Tais protestos não tiveram êxito e a prefeitura autorizou a desativação dos bondes em 1952 em benefício das empresas de ônibus.

O aumento da população de Curitiba e um sistema de transporte público sem regulamentação, permite a expansão dos  operadores autônomos que dão origem às empresas de famílias da elite curitibana, que exploram até hoje o transporte coletivo de Curitiba. O crescimento dessas empresas se inicia em 1949 e progressivamente vão substituindo o sistema de bondes, eliminando assim do mercado formas alternativas de mobilidade urbana. Nessa época surge o empresário Alfredo Gulin e seus irmãos, focados nos negócios do transporte coletivo e que se expande para outras atividade econômicas até hoje, que dá origem ao Grupo Noster, uma holding que controla vários negócios da família, envolvendo o transporte coletivo, construção civil, revenda de veículos, incorporadora de imóveis.

Nos anos 1980, a segunda geração da família assume os negócios e começa a se expandir  em diferentes grupos empresariais. Entre esses grupos destaca-se o Grupo Resistence dos herdeiros de Alfredo Gulin, envolvendo empresas de ônibus, fazendas, construtora, incorporadora e consórcios.

A expansão do Grupo nos negócios do transporte coletivo de Curitiba se realizou a partir do mandato do prefeito Ney Braga, em 1954. Nessa época, a atividade econômica do transporte coletivo de Curitiba foi regulamentada mantendo a operação sem licitação, apenas por concessão. Uma ação entre amigos, que comprova a força política do transporte coletivo na dominação do poder político em várias gestões frente à prefeitura municipal de Curitiba até os dias atuais. Esse poder se estende à Câmara Municipal de Curitiba até hoje.  

O empresário do Grupo DGW, que atua em várias atividades econômicas, Donato Gulin foi eleito três vezes (1973-1976, 1077-1980, 1981-1983), e assumiu a presidência  da Câmara por três períodos e  muito ligado ao Prefeito Jaime Lerner e aos seus sucessores políticos. Até hoje, existe a ligação com o atual Prefeito Rafael Greca, e a  demonstração dessa ligação  com os Gulins se revelou em um dos primeiros atos de sua gestão que foi aquele jantar com Donato Gulin no Country Club de Curitiba no início do seu mandato em  2017.

Outros empresários do transporte coletivo tornaram se vereadores, tais como Erondi Silvério (1958-1963), Osmar Bertoldi, vereador por três mandatos (de 1993 a 2005) também estavam ligados aos prefeitos municipais  da época. Mesmo sem mandatos, permaneceram mandando na CMC por meio de seus sucessores eleitos com seus apoios. Os empresários do transporte coletivo financiaram campanhas eleitorais e com isso mantiveram sempre uma maioria nas bancadas de vereadores. Em 1994, veio à tona, por uma matéria publicada na Veja Paraná, uma denúncia de “caixinha” para eleger vereadores por meio de envelopes com dinheiro, cujas entregas foram fotografadas em frente ao sindicato patronal do transporte coletivo no Alto da Glória, em Curitiba.

Essa hegemonia sobre o poder público municipal, Prefeitura e Câmara, ficou exposta nas recentes medidas emergenciais no período da pandemia, enviadas pelo prefeito Rafael Greca a CMC, totalizando R$320 milhões de reais de doação às empresas do transporte coletivo em forma de subsídios entre 2020 e 2022, com aprovação da maioria da bancada majoritária do prefeito composta por 28 vereadores, sendo 10 votos contrários da bancada de oposição, sem nenhuma contrapartida dos empresários que beneficiasse os milhares de trabalhadores que usam diariamente o transporte coletivo. Pior ainda, houve um aumento de 22% na tarifa do transporte coletivo de Curitiba no início de 2022, passando de R$ 4,50 para R$ 5,50., sendo a inflação do período de 7% ao ano.

Esse poder absoluto dos empresários de transporte coletivo de Curitiba e Região Metropolitana sobre o poder público municipal foi construído e consolidado pelo controle das instituições públicas ao longo de várias décadas.

Edição: Pedro Carrano