Paraná

Caso Renato Freitas

“Se Curitiba quer se livrar de Renato, que o faça pelo voto e não no tapetão”, defende jurista

Júri simulado, no Rio de Janeiro, debateu pedido de cassação do vereador Renato Freitas (PT)

Curitiba (PR) |
Evento no Centro Cultural da Justiça Federal contou com juristas na acusação e defesa - Foto: Reprodução Instagram

Nesta quinta-feira (9), no Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF), no Rio de Janeiro, foi realizado um Júri Simulado sobre o pedido de cassação do vereador Renato Freitas (PT), acusado de quebra de decoro parlamentar após participar de ato antirracista que culminou na entrada dos manifestantes na Igreja do Rosário, em Curitiba.

O julgamento foi uma iniciativa da  desembargadora do Tribunal Regional Federal (TRF-2) e diretora do CCJF, Simone Schreiber. O objetivo do evento, segundo a desembargadora, foi “provocar um debate nacional e reunir jurados de ideologias diferentes para discutirem o caso.”

Ao iniciar o evento, Frei David, diretor executivo da Educafro, que também esteve na organização do evento, disse que o caso não é exceção e, por isso, o júri seria um norte não só para a Câmara de Curitiba, mas para outras entidades.

“Infelizmente vou partilhar com vocês uma notícia ruim: mais de 150 parlamentares afros estão, nesse momento, no Brasil, sendo perseguidos por sua cor. Por isso, esse momento é histórico e exemplar para o país. Direita e esquerda estão juntas para debater o assunto”, disse.

Presente no júri, Renato Freitas fez uso da palavra reiterando que o processo é mais uma das perseguições movidas por racismo que vem sofrendo na cidade de Curitiba.

“Junto comigo, aqui no banco dos réus, estão todos aqueles que tem no retrato falado o medo. Essa não é a primeira vez, já sofri violência das forças de segurança, já disseram que minha carteira da OAB era falsa e vereadores da bancada evangélica já pediram a perda do meu mandato quando eu chamei de charlatanismo a defesa que faziam do uso de ivermectina para a covid”, lembrou.

Defesa aponta racismo no caso, acusação nega   

O júri simulado foi presidido por Ivone Ferreira Caetano, a primeira juíza e desembargadora negra do estado do Rio de Janeiro.

Atuaram na defesa de Freitas os advogados Renato Ferreira, Saul Tourinho e Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, e o coordenador do júri, desembargador William Douglas. Pela acusação, estavam o advogado Paulo Cremoneze, o deputado Federal Helio Bolsonaro (PL), a professora de Direito Penal Ludmila Lins Grilo e o diretor do jornal Brasil Sem Medo, Bernardo Kuster. Também esteve na organização do evento o presidente da Associação Brasileira de Juristas Conservadores (Abrajuc), João Daniel.

Os juristas de acusação foram unânimes em afastar a questão racial do caso. Para a acusação, o que estava sendo julgado era a invasão da igreja, não a questão racial.

“O julgamento aqui está julgando o ato praticado e não a pessoa do vereador Renato Freitas. Dito isso, a cor do vereador não está em discussão aqui. E, sim, a invasão na igreja”, iniciou a professora Ludmila Lins. Para ela, houve crime, já que o próprio réu acusa a igreja de promover racismo contra os negros. “Há, sim, uma manifestação provocada pelo ressentimento contra a igreja'', defendeu.

Já para o advogado Paulo Cremoneze, o que aconteceu foi perturbação de culto. “O próprio sacerdote diz ao microfone que teria que encerrar a missa, já que havia uma manifestação ali na frente. Isso é cristalino no interrogatório do réu quando passa sua mensagem de inconformismo com a igreja”, disse o advogado.

Em sua fala, Kakay argumentou que a questão racial é a causa que move todo o processo contra Freitas. “Vivemos um momento em que um presidente da República diz que os negros precisam ser pesados por arroba. Discordo totalmente quando a acusação diz que estariam aqui julgando qualquer pessoa de qualquer cor. Isso não aconteceria, porque só um vereador negro estaria em julgamento”, disse.

Kakay lembrou que o padre e o bispo da Arquidiocese de Curitiba procuraram o vereador para dizer estarem ao seu lado, apoiando-o.

O advogado criminalista Renato Ferreira disse que há uma tentativa de invisibilizar o racismo no julgamento. “Não é possível configurar como invasão quando o local tem o povo como proprietário. Então, o crime que Renato está supostamente sendo  julgado é a negação de que o racismo seja politizado. Quando pessoas como Renato ousam desafiar o status quo, o que se faz é silenciar a denúncia de racismo. Quando ousam, são criminalizados”, argumentou.

Tentativa de tirar vereador no “tapetão"

Conhecido por ser um jurista conservador e de direita, o coordenador do evento, desembargador William Douglas, doutor em Direito Constitucional e professor, defendeu o mandato de Renato Freitas.

“Essa cassação inclui a perda de direitos políticos por 10 anos. Ou seja, querem tirar Renato do jogo político, é banimento da vida pública. Eu, baseado na Constituição e em Jesus Cristo, sou contra o banimento, sou pelo direito de errar e começar de novo. Se Curitiba quer se livrar de Renato, que o faça pelo voto e não no tapetão”, afirmou.

Ao final do julgamento, a juíza Ivone Ferreira Caetano reiterou que o objetivo era subsidiar os vereadores de Curitiba com reflexões, assim como analisar, de forma exemplar, o caso. Por isso, não houve sentença.

“Esse evento foi exemplar, direita e esquerda sob o mesmo teto debatendo ideias. É um norte para o que devemos fazer no Brasil”, disse. “E, agora, me despojo da função da magistratura para dizer que não sou de direita e nem de esquerda, sou mulher negra e brasileira e quero o bem do meu povo. Esse povo que é constituído por mais de 56% de negros, segundo o IBGE. E a regra nesse país é invisibilizar essa maioria”, finalizou. 

Edição: Lia Bianchini