Paraná

MUNDO DO TRABALHO

Artigo | Sindicalistas com Lula (e Alckmin)

Sou de uma geração que cresceu ouvindo os lamentos revoltosos dos educadores de São Paulo contra o ex-governador

Campinas (SP) |
Os acenos de reformas e mudanças feitos por Lula são igualmente importantes, mas só serão garantidos com lutas - Foto: SindUTE MG

Sob o lema “Empregos, direitos, democracia e vida”, foi realizada, no início deste mês, a terceira edição da Conferência da Classe Trabalhadora (Conclat), organizado por nove das 13 centrais sindicais brasileiras, objetivando debater e aprovar um programa unitário de desenvolvimento socioeconômico e geração de emprego e renda para os candidatos das eleições de outubro deste ano.

O contexto atual reserva semelhanças e particularidades com relação à primeira edição da Conclat, ocorrida em 1981 em Praia Grande (SP), quando o país passava por uma forte recessão econômica, altas taxas de desemprego e ofensiva do governo militar contra movimentos sociais — e em particular contra o sindicalismo, que ganhava fôlego e aumentava o número de paralisações e greves, bem como sua incidência sobre a sociedade, diante das tensões pela reabertura democrática.

Agora, em meio ao aprofundamento da crise econômica internacional, imbricada aos efeitos da pandemia da Covid-19, sob o governo neoliberal e neofascista de Jair Bolsonaro (PL) e Mourão (Republicanos), esta Conclat não apenas evidencia os problemas enfrentados pelos trabalhadores e trabalhadoras, como demonstra disposição na construção de unidade nas lutas pela permanência e avanço dos direitos sociais e trabalhistas por parte das principais centrais sindicais brasileiras.

O programa lançado na Conclat é assinado pela Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical, Intersindical - Central da Classe Trabalhadora, Intersindical - Instrumento da Classe Trabalhadora, Nova Central Sindical de Trabalhadores, Pública Central do Servidor e União Geral dos Trabalhadores (UGT), e foi entregue na última sexta-feira, 14 de abril, a Lula (PT) e Alckmin (PSB), candidatos a presidente e vice-presidente na chapa que hoje lidera a disputa eleitoral, num ato político que reuniu sindicalistas e parlamentares.

Foi o primeiro discurso público de Alckmin desde a sua confirmação enquanto candidato a vice-presidente na chapa encabeçada por Lula. O breve e insosso discurso do ex-governador tucano de São Paulo, de apenas quatro minutos, começou saudando o ex-presidente Lula, a presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) Gleisi Hoffmann e as lideranças sindicais presentes: “Reúnem-se as principais centrais sindicais de todo o país, um exemplo que remete a nossa história. Em todos os momentos em que o Brasil esteve em risco, o Brasil se uniu, não se apequenou”. Alckmin citou exemplos de lutadores como Vladimir Herzog e Dom Paulo Evaristo Arns, e políticos como Leonel Brizola, Ulisses Guimarães, Franco Montoro, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas, discursando contra o governo Bolsonaro e o seu projeto de miséria e morte: “Venho somar meu esforço (…) em benefício do Brasil. A luta de vocês, a luta sindical, deu ao Brasil o maior líder popular deste país: Lula! Viva Lula, viva os trabalhadores do Brasil”.

Mais do que tê-lo como o candidato a vice-presidente aceito por amplos setores da esquerda — de forma direta ou indireta, via silêncio —, causa certo assombro ver Alckmin discursar em uma suposta defesa da classe trabalhadora. Sou de uma geração que cresceu ouvindo os lamentos revoltosos dos profissionais da educação de São Paulo contra o ex-governador tucano; que ocupou escolas em defesa do ensino público de qualidade, contra a reorganização escolar e o roubo de merenda. Uma geração que ingressou na luta em defesa dos direitos da classe trabalhadora necessariamente se opondo ao projeto que Alckmin sempre representou em sua carreira política.

É evidente que a maior questão que envolve a chapa Lula-Alckmin não deve ser o nome do vice, mas o projeto que direcionará os rumos de um possível governo. Todavia, é impossível pensar que o projeto de governo — ou a falta dele — não se relaciona com as coalizões escolhidas por Lula e o PT.

Num discurso de 40 minutos, Lula disse que “nunca antes na história do Brasil todas as centrais sindicais estiveram juntas para apoiar uma candidatura a presidente da República”. O ex-presidente citou os golpes na América Latina e o golpe de 2016 contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), falou da sua prisão e a retirada da sua candidatura no processo eleitoral de 2018, dos ataques aos movimentos sociais e sindical e dos retrocessos nos direitos sociais, trabalhistas e na qualidade de vida da classe trabalhadora: “Vocês [centrais sindicais] não apresentaram uma pauta de reivindicação. O que vocês apresentaram aqui é quase um programa de governo, quase um programa de reconstrução deste país. É preciso sentar e conversar não apenas com os sindicalistas, mas com todos os setores da sociedade, para que a gente possa construir um programa de reconstrução deste país. E eu quero dizer que é plenamente possível termos um país mais justo, mais solidário (…). É plenamente possível fazer com que o povo possa usufruir das coisas que ele produz. E é plenamente possível Lula e Alckmin fazerem uma chapa para reconquistar os direitos do povo trabalhador deste país”.

No diálogo com os sindicalistas, retomando o passado e projetando seus anseios para o futuro, Lula falou da necessidade de um governo que zele pela soberania do Brasil, que se comprometa com a superação da miséria e que melhore a qualidade de vida, trabalho e condições salariais. “Devo muito ao movimento sindical [quanto] aos acertos que tivemos (…). E lá em Brasília, muitas vezes discordando, muitas vezes não tendo convergência, a gente conseguiu estabelecer um tipo de governo que gerou, em 13 anos, 22 milhões de empregos com carteira de trabalho profissional assinada”.

Lula sinalizou compromissos com a reforma tributária — “levando em conta que quem ganha mais, paga mais” —, com a geração de emprego e renda — “que serão nossa obsessão” —, e com mudanças na legislação trabalhista — “nós não queremos o que era antes, nós queremos melhorar. Queremos adaptar uma nova legislação trabalhista à realidade atual”.

Embora criticada, a reforma da previdência, aprovada pelo governo golpista de Michel Temer (MDB), ficou de escanteio no discurso. A própria reforma trabalhista apareceu bem ao fim, com críticas ao trabalho intermitente e medidas relacionadas às alterações na legislação sindical: “Não queremos voltar a 1943, mas fazer um acordo em função da realidade dos trabalhadores de 2013. Meu compromisso e do Alckmin com vocês [movimento sindical] é que, chegando ao governo, vocês serão chamados para discutir [a reforma trabalhista]”.

Lula acenou que mudanças relacionadas à legislação trabalhista, social e sindical serão colocadas em mesas de negociação — “que podem ser coordenadas pelo presidente e pelo vice-presidente” — para que todos possam sair ganhando. “Eles [empresários] tem que se preparar, porque se hoje estão felizes porque têm um governo que não conversa com sindicalistas, mulheres, negros e indígenas, terão um governo que vai conversar com todo mundo e que encontra solução através da capacidade de negociação”.

A iniciativa das centrais sindicais de reorganizar a Conclat e dela sair com um documento unitário é importantíssima. É uma forma de politização de um processo eleitoral que está refém da ausência de um debate programático. Todavia, esta iniciativa não deve ser apenas um evento histórico e um discurso temporalmente limitado, mas a sinalização — e acredito que seja este o principal desafio — de uma postura permanente do movimento sindical frente à campanha e possível vitória eleitoral da chapa Lula-Alckmin para o governo federal.

Os acenos de reformas e mudanças feitos por Lula são igualmente importantes, mas só serão garantidos com lutas que devem ser, inclusive, articuladas no sentido de avançar com aquilo que é anunciado nos palanques e nas prometidas mesas de negociação — indo além, portanto, da política do possível. É o povo mobilizado que conseguirá garantir e avançar com a reversão das reformas trabalhista e previdenciária, com as medidas de geração de emprego e renda, com as transformações nas políticas tributárias, de industrialização, de qualidade de vida etc.

Mais do que manter a unidade pela materialização das propostas da terceira Conclat, o movimento sindical também deverá refletir sobre o seu próprio destino, seja no que tange à relação com o possível governo Lula-Alckmin em caso de vitória, seja na resistência frente ao neoliberalismo e ao neofascismo, presente nas entranhas da sociedade. Além disso, também deverá refletir sobre a sua própria atuação, amarrada à estrutura sindical.

No tópico 16 do programa da Conclat, as centrais sindicais propõem a “promoção da reestruturação sindical visando a democratização do sistema de relações de trabalho” no setor público e privado, urbano e rural. Embora falem da autonomia sindical, não mencionam o fim da estrutura sindical. O próprio Lula não propõe nada para além da crítica, se detendo ao debate orçamentário ao sugerir que seja assegurada legalmente que as finanças dos sindicatos “sejam decididas em assembleias livres”, convocadas pelas próprias entidades representativas.

Alckmin acerta ao dizer que Lula é a maior liderança política do país, fruto do novo sindicalismo brasileiro. Mas o vínculo de Lula com o sindicalismo — e tanto Alckmin e Lula, quanto todos nós sabemos — não tornará este mandato necessariamente comprometido, em sua totalidade, com a classe trabalhadora. Teremos o desafio de não deixar esta imposta coalizão virar a concessão dos nossos direitos.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Pedro Carrano