Paraná

ANÁLISE

OPINIÃO. Sob o olhar vigilante do empresário Feder: explorar, vigiar e punir

A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos)

Ponta Grossa (PR) |
Governador Carlos Massa Ratinho Junior e Secretário de Estado da Educação e Esportes Renato Feder. - Geraldo Bubniak/AEN

Os professores que atuam na educação básica do estado do Paraná, estão sob constantes ataques, desde o governo Beto Richa. Há mais de dois anos, Ratinho Jr. assumiu o governo do Paraná. Os ataques aos professores, assim como seu antecessor, fazem parte da rotina do governo, com a adição de novos ingredientes: o deboche, a vigilância e a punição. Com a pandemia, esses ataques se intensificaram.

Em 2021, a Secretaria da Educação e do Esporte (Seed/PR), sob comando do empresário Renato Feder, exige que os professores façam 40 minutos de meet, na plataforma Google Classroom, ininterruptos. Caso não cumpram esse tempo, recebem falta e, se não conseguirem provar que trabalharam, e tiverem a falta lançada, o salário é descontado. Isso tudo, mesmo em casos que independem dos professores, como queda de conexão da internet, queda de energia, problemas técnicos no computador, sobrecarga no uso de dados numa mesma residência (várias pessoas em trabalho ou ensino remoto).

A SEED/PR, sob comando de Feder, não considera que, além de fazer o meet, os professores precisam preparar suas aulas, organizar atividades para serem impressas e entregues aos alunos, corrigir as atividades, recolher dados de atividades realizadas pelos estudantes na plataforma Google Classroom (Aula Paraná), localizar dados, como nota e frequência no B.I. e fazer os devidos lançamentos de todos esses dados no sistema de Registro Online da SEED/PR.

Os professores também atendem os estudantes e pais via e-mail, WhatsApp, e outras redes sociais. Na maioria dos casos, as mensagens não tem hora para chegar. Tudo isso, somado às reuniões realizadas pelos colégios para orientações e acompanhamentos. Um trabalho extremamente exaustivo, que demanda o dobro da carga horária dos professores, sem nenhum reconhecimento ou consideração por parte da SEED/PR.

As condições para justificar tais faltas é desgastante, mesmo o professor tendo feito seu trabalho. Ao professor não basta trabalhar. Não basta os estudantes terem acompanhado a aula. Não basta a direção da escola saber que o professor trabalhou. Não basta que o sistema registre o tempo de aula, registre as postagens dos professores e os vários atendimentos e interações com os estudantes. Não basta que as pedagogas das escolas tenham participado da aula, como “observadoras”. Ele precisa provar que trabalhou. Mesmo realizando todas essas tarefas e necessitando uma carga horária muito maior do que é contratado, os professores são constantemente ameaçados de receberem faltas no sistema de registro desenvolvido e controlado pela SEED/PR.

Diante desses absurdos, um pouco de conteúdo filosófico sempre ajuda na reflexão e, quiçá, na organização de ações de denúncia e resistência aos constantes atos autoritários, vigilantes, de controle e punição dos professores/as do Paraná. E servem, também, para reforçar a importância da filosofia em tempos sombrios como os que vivemos, bem como para lembrar ao Secretário de Educação, Renato Feder e ao governador do Paraná, Ratinho Jr., que, mesmo com a diminuição de 50% da carga horária de filosofia, de forma arbitrária, ela ainda tem muito a contribuir com a formação dos estudantes e dos professores/as. Não é de hoje que os poderosos temem a filosofia. É assim desde Sócrates.

Entre as várias possibilidades de análise e reflexão dos atos do Governo do Estado e da SEED/PR, apresentamos a contribuição de alguns pensadores.

Uma primeira menção pode ser feita à clássica linha de montagem. Charles Chaplin, no filme Tempos Modernos, destaca a rotina de exploração dos trabalhadores, nos Estados Unidos, nos anos 1930. Nesse sentido, Karl Marx traz inúmeras contribuições para aprofundar os estudos e análises da exploração dos trabalhadores, e, nesse caso, os professores no estado do Paraná, que estão com sobrecarga de trabalho, ameaças, punições, estão há 6 anos sem reajuste da inflação, com promoções e progressões congeladas, com diminuição das horas atividade, com o aumento da contribuição previdenciária, com as mudanças nas regras da aposentadoria, dentre outras.

No caso específico dos professores/as de Filosofia, Sociologia e Arte, em 2021, tiveram que assumir 30 turmas de ensino médio para fecharem sua carga horária de trabalho de 40horas/aula. Num cálculo rápido, considerando que cada turma de ensino médio tem torno de 40 alunos, o professor terá em média, 1.200 estudantes em suas aulas semanalmente, ou seja, 1.200 pessoas para conhecer, 1.200 provas, 1.200 trabalhos e 1.200 atividades para corrigir.

A linha de montagem do filme de Charles Chaplin nos remete também ao Taylorismo, Fordismo e o Toyotismo e, por sua vez, à forma como a SEED/PR vem impondo as condições de trabalho aos professores para fabricar, com rapidez e com o menor custo possível. Em se tratando do Toyotismo podemos destacar o just in time, como um sistema que determina o que deve ser feito na hora exata. A finalidade do just in time é, também, reduzir estoques e custos.

Soma-se ao contexto da precarização da educação e das condições de trabalho, o fato de que, nesse ano, milhares de Agentes Educacionais tiveram seus contratos encerrados. O governo do estado contratou uma empresa para terceirizar a contratação desses trabalhadores/as. Em 2020/21, a SEED/PR também impôs uma prova presencial para seleção de professores temporários, em plena pandemia.

Sociedade disciplinar

Outra contribuição importante nesse contexto é do filósofo Michel Foucault, que discute a sociedade disciplinar, dentre outras temáticas. Uma de suas abordagens se refere ao Pan-óptico (ver tudo), a partir de um projeto do jurista Jeremy Bentham de uma construção em que fosse possível o controle partindo de uma torre central com total visibilidade.

Esse modelo se aplicava às prisões, aos operários, aos estudantes. Hoje, a SEED/PR aplica aos professores/as do Paraná. Tudo, sem exceção, é controlado, observado, filmado, relatado. Além dos recursos tecnológicos voltados para esse controle, há equipes treinadas pela SEED/PR para acompanhar esses trabalhos junto às escolas e emitir relatórios às suas chefias.

Não basta, no entanto, somente vigiar, é necessário recompensar e punir. A recompensa vem por meio do ranqueamento das escolas, por meio de cerimônias de premiação aos diretores que atingiram as metas e obtiveram os melhores índices, gerando divisão, disputa e concorrência entre as escolas, além de abrir espaço para o compadrio, a bajulação e o estrelismo. A punição vem com as ameaças, o constrangimento, o assédio, as atas, as faltas e o desconto no salário. Há que se disciplinar os professores/as. Há que ensiná-los a serem esforçados, resilientes, dóceis, pacientes, engajados, alinhados, ativos. E, se demonstrarem estar conscientes dos acontecimentos, são chamados de revoltados, baderneiros, nervosinhos, de torcerem contra, de não vestirem a camisa, de não serem resilientes.

Segundo Foucault, “a disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência).

Finalizamos esses rápidos apontamentos com uma afirmação de Marx, de que, a desvalorização do mundo humano aumenta à medida que aumenta o valor do mundo dos objetos. Nesse sentido, o trabalho não cria apenas objetos, mas se produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria. Portanto, a SEED/PR conseguiu aliar as precárias condições de trabalho dos trabalhadores/as da educação no Paraná, com a constante vigilância e punição.

Perdem os trabalhadores da educação, submetidos às péssimas condições de trabalho, à níveis elevados de estresse, medo, ao constante adoecimento. Perde também a sociedade paranaense, principalmente, os filhos da classe trabalhadora, sujeitos da escola pública. A educação pública no Paraná, já foi sinônimo de qualidade, de remuneração e de valorização dos professores. Hoje, não há nada a se comemorar. A educação paranaense padece, sob o olhar vigilante do empresário da SEED e sob o sorriso debochado do mercado.

Edição: Pedro Carrano