A lei 12.845, que garante atendimento integral e gratuito no Sistema Único de Saúde (SUS) às vítimas de estupro, está em vigor há mais de 10 anos.
A pessoa que sofrer qualquer tipo de violência sexual tem o direito de procurar atendimento médico, mesmo sem ter feito um boletim de ocorrência prévio. Por sua vez, o atendimento de saúde não deve perpetuar o sofrimento das vítimas, mas ajudar a combatê-lo.
Luiza* pensava encontrar na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Alto Maracanã, em Colombo, um ambiente acolhedor, no qual ela poderia ser atendida sem precisar dizer e reviver a violência sofrida na noite anterior.
Porém, o equipamento de saúde praticou uma “segunda violência” ao adotar uma postura de constrangimento, revitimização e ausência de tratamento digno à paciente.
Na manhã do dia 27 de abril, quando chegou na UPA, ela passou por uma triagem com uma profissional que a constrangeu ainda na recepção da unidade. “A atendente se comunicou com outro funcionário através de gritos e isso fez com que todos na sala soubessem pelo o que eu estava passando”, conta.
Já na triagem, a paciente foi atendida por uma enfermeira que não sabia qual o procedimento necessário diante de uma vítima de estupro. Nesses casos, o protocolo de atendimento proposto pelo Ministério da Saúde inclui medicamentos antirretrovirais para prevenir o HIV, que devem ser aplicados em até 72h após a violência, e vacinas como a da hepatite B.
O atendimento psicológico também está previsto. Além disso, em casos de vítimas mulheres, a pílula contraceptiva de emergência, conhecida como pílula do dia seguinte, também deve ser administrada.
“A enfermeira me disse que não tinha o que fazer porque era feriado e o município não estava prestando esse serviço. Eu comecei a chorar muito e me desesperei”, conta Luiza. “Foi uma situação de revitimização e muito constrangimento. Uma falta de noção, mas sobretudo de humanidade, esses profissionais precisam de formação e capacitação para nunca mais fazer isso com ninguém”, afirma.
Ciente de que não encontraria o atendimento que precisava no município de Colombo, a paciente foi orientada a procurar um hospital em Curitiba que oferecesse a Profilaxia Pós-Exposição ao HIV (PEP).
“Se eu fosse uma mulher em situação de vulnerabilidade, eu não teria conseguido atendimento. Eu só chorava, havia passado por uma violência e me sentia totalmente impotente buscando um atendimento, correndo contra o tempo e ainda sendo exposta a tudo isso”, lembra ela.
Luiza foi encaminhada para o Hospital Oswaldo Cruz, na cidade de Curitiba, mas o hospital estava fechado devido ao feriado de Páscoa. “E mais uma vez o conhecimento me salvou, eu mesma pesquisei o hospital que poderia me atender. Fui para o Hospital de Clínicas e consegui receber atendimento digno, fiz todos os exames e tomei as medicações necessárias”, diz.
Segundo ela, é uma prática comum ter que se locomover até Curitiba para conseguir atendimento, mesmo tendo uma UPA ao lado de sua casa em Colombo.
Segunda negligência da UPA Alto Maracanã
Após o atendimento e acompanhamento por meio do HC, Luiza recebeu a prescrição de seis doses de Penicilina Benzatina e foi instruída a tomar as doses no seu município. No entanto, o equipamento de saúde de Colombo novamente se mostrou negligente com a paciente.
Ao mostrar a receita, o atendente da UPA informou que a aplicação só poderia ser realizada se Luiza comprasse a medicação. Contudo, o medicamento é ofertada gratuitamente pelo SUS e a unidade de saúde deve realizar a aplicação, mesmo na ausência de um médico, as doses podem ser administradas por enfermeiros.
“Além de não fornecer atendimento digno para uma mulher vítima de violência. O município cometeu mais violências, porque eu me sinto violentada por ter passado por todas essas situações infelizes”, diz Luiza.
A paciente ainda não conseguiu tomar a medicação prescrita. “Já estou preparada para ir à UPA, passar pela triagem e ter que me expor novamente. Situações de transtorno se tornaram tão recorrentes que já vou preparada para caso tenha que formalizar outra denúncia”, diz.
A Secretaria Municipal de Saúde
Luiza encaminhou seu relato para a Ouvidoria da Secretaria Municipal de Saúde, que por sua vez informou que seriam aplicadas advertências e formações aos profissionais que a atenderam.
Mas a paciente não acredita que individualizar a questão resolva a negligência cometida na UPA. “Não se trata de uma questão individual, se eles fizerem treinamento apenas para os profissionais que me atenderam não resolve o problema. Imagine quantas pessoas recorrem à unidade básica de saúde ou ao pronto atendimento e são negligenciadas ou violentadas como eu”, diz ela.
Em nota ao Brasil de Fato - Paraná, a prefeitura de Colombo, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, informou que a coordenação da UPA Alto Maracanã e que os profissionais que atenderam a paciente já foram identificados e apurados os fatos para que sejam tomadas as devidas providências administrativas, os profissionais também irão passar por um treinamento de “Atualização e Procedimento” sobre a PEP e ainda sobre “Sensibilização para atendimento humanizado na UPA”.
Além disso, reforçaram que a UPA possui a medicação Penicilina Benzatina e a coordenação já colocou à disposição de todos esta informação. Salientam ainda que a orientação da Secretaria Municipal de Saúde é que essas medicações devem ser feitas na Unidade Básica de Saúde, porém quando a procura, primeiramente, seja pela UPA, é feita a primeira dose e o paciente é encaminhado para uma UBS mais próxima da sua residência.
“Como não dá para voltar no tempo, quero fazer da minha dor luta, porque tem outras mulheres que não sabem quais procedimentos devem seguir e o atendimento que precisam ter”, afirma ela.
“Quantas pessoas passaram por essa situação e, por negligência do equipamento de saúde, podem ter contraído uma doença gravíssima”, acrescenta.
*Luiza é um nome fictício para a paciente que não quis ser identificada.
Edição: Pedro Carrano