Paraná

Desrespeito

Moro afronta indígenas e pede que comissão de agricultura acompanhe aplicação do marco temporal no Paraná

Para indígenas, fala do senador legaliza o genocídio das comunidades que já convivem com ameaças de milícias rurais

Curitiba (PR) |
Moro está se metendo na casa indígena sem saber como ela é, diz cacique
Moro está se metendo na casa indígena sem saber como ela é, diz cacique - Pedro França/Agência Senado

O senador Sergio Moro (União-PR) pediu que a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária acompanhe o processo de demarcação de terras indígenas na região oeste do Paraná à luz do marco temporal, promulgado em dezembro do ano passado depois que o Congresso Nacional derrubou um veto da presidência da República a um trecho da lei que tratava sobre esse assunto. Para os indígenas, a fala do senador legaliza o genocídio das comunidades, que já convivem com ameaças de milícias rurais.

O marco temporal define que apenas as terras ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição do Brasil, em outubro de 1988, são de fato territórios originários.

“Porque o que acontece ali no Oeste do Paraná pode ser um laboratório do que pode acontecer no restante do país se não for respeitada a legislação do marco temporal, e creio que é dever desta Comissão de Agricultura se debruçar sobre esse tema”, afirmou Sergio Moro.

Ao dizer que “o que acontece ali no Oeste pode ser um laboratório”, o senador se referia aos recentes casos de retomada de território que ocorreram no município de Guaíra no ano passado, quando indígenas reocuparam áreas ancestrais.

Entenda

Os territórios indígenas do Oeste tiveram um longo processo de retomada, entre os anos 1990 e 2000, sobretudo após o crescimento das cidades da região. Hoje, 17 comunidades do Oeste integram o local chamado de Guasu Guavirá, que compreende tekohas dos municípios de Terra Roxa e Guaíra. Alguns processos de demarcação já haviam começado, mas foram barrados durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), voltando à estaca zero e acirrando os conflitos com milícias rurais.

Essa falta de legitimidade legal ocorre porque todos são remanescentes de outros espaços, como o que hoje dá lugar à Usina da Hidrelétrica Binacional de Itaipu, de onde foram expulsos. Por isso, foi só a partir de processos de retomada que pouco a pouco conquistaram territórios onde puderam se estabelecer e, também, o motivo que faz com que não consigam provar a ocupação do território em que estão estabelecidos hoje nas formas previstas pela lei do marco temporal.

No dia 21 de dezembro de 2023, os Avá-Guarani começaram as ações de retomada nas aldeias Y’hovy e Yvyju Avary. Logo após o início desse processo, as comunidades passaram a sofrer graves ameaças e agressões por parte de grupos de não indígenas, que levaram, no início desse ano, a força nacional e se estabelecer na região a fim de garantir a proteção das comunidades.

Legalizar o genocídio

Para o cacique Ilson Soares, da Tekoha Yhovy, o posicionamento do senador Sergio Moro autoriza os ataques de milícias rurais que já vem ocorrendo ao longo do tempo. Ele é incisivo em chamar de permissão ao genocídio a destinação da responsabilidade para a comissão de agricultura.

“A gente vê que é mais uma ameaça, principalmente quando ela está voltada diretamente para o oeste do Paraná, onde já sofremos muita perseguição, muita ameaça”, afirmou.

“As lideranças estão sendo perseguidas, as ameaças são constantes. Tivemos episódios onde sofremos ataques de fazendeiros, milícia armada, sofremos atentados que terminaram com quatro feridos. A gente vê que essa é mais uma ameaça que vem pairando, principalmente nos processos de demarcação. Então, para nós, é uma coisa muito perigosa, porque a gente vê que eles estão tentando legalizar o genocídio, estão tentando fazer com que nós sejamos punidos nessa luta que sempre foi tão justa, onde, de um lado, nós guaranis estamos lutando para sobreviver a cada dia que passa, sobrevivendo e se fortalecendo espiritualmente. E, por outro lado, a gente tem organização de fazendeiros que perseguem as lideranças, que ameaçam, intimidam, e que contam com apoio de grandes políticos e empresários e de grandes fazendeiros, fazendo ameaças e propagando o ódio contra as populações indígenas”, completou o cacique Ilson.

Já o cacique Uzaias Benitter, conselheiro estadual do povo indígena, acrescenta ainda o desconhecimento do senador ao falar sobre os povos indígenas. “Ele está se metendo na casa indígena sem saber como ela é. Segundo, se ele quer saber alguma coisa seria bom ele entrar em contato com o pessoal do tribunal federal, falar com algum desembargador para conhecer a realidade do povo indígena”, frisou.

Edição: Lia Bianchini