Paraná

ANOS DE CHUMBO

DICA DE LEITURA. Ler Chico Buarque

Vale aventurar-se pelos contos de “Anos de Chumbo” (Cia das Letras, 2021) e encontrar um escritor maduro

Curitiba (PR) |
O livro revela com sutileza aspectos cada vez mais gritantes do Brasil - Divulgação

Já alerto para uma resenha que será curta e grossa. Afinal, não há qualquer necessidade, e chegaria mesmo a ser ridículo, uma introdução ou apresentação do trabalho e do histórico de Chico Buarque, como músico e letrista. O papel em nossa História. Aqui, então, é uma breve narrativa sobre as impressões do Chico escritor, cuja obra completa tampouco domino.

Mas vale muito aventurar-se pelos contos de “Anos de Chumbo” (Cia das Letras, 2021) e encontrar um trabalho que revela a maturidade de Chico como escritor (sim, na literatura, a maturidade e o reconhecimento vem com a idade, diferente da conhecida explosão da música). A prosa de Chico é cristalina. A narrativa é envolvente.

Chico envereda pelos oito contos do livro com uma diegese em primeira pessoa. Uma narrativa encorpada, surpreendente e contraditória, com sacadas que parecem extraídas de uma prosa descompromissada e sagaz na zona sul carioca: “Era mesmo um homem que dormia bem, como todo autêntico canalha” (O passaporte). Ou “o que não falta por aí é gente com instinto de polícia” (pág.56).

Em “Os Primos de Campos” reforça a percepção do enfoque de Chico em famílias desarticuladas, repletas de ausências. O livro ainda mantém uma tênue condução de realismo mágico, como observamos na condução do conto “Para Clarice Lispector, com candura”.

O livro traz o confronto entre a visão de mundo da classe média carioca, muitas vezes impactada com o contato inusitado com personagens como Cida, moradora em situação de rua.

“A associação de moradores do bairro não queria mais saber de mendigos na rua, e quando necessário acionava a prefeitura, que os recolhia a uns albergues superlotados, quando não mandava a limpeza pública enxotá-los com jatos de água. Até que outro dia, como quem vê um fantasma, avistei a moça albina sentada no banco da praça, num vestido meio roto que eu conhecia no corpo da Cida”, p.84.

Essa percepção, porém, se desfaz em “Anos de Chumbo”, que dá título ao livro coloca justamente a visão de uma família de tradição militar.

Tudo é sugerido no livro, nada é escancarado. O livro revela com sutileza aspectos cada vez mais gritantes do Brasil, que seguem como traumas, encobertos ou não.

Não ouso aqui fazer pontes com outros autores, como costumo fazer. Nesses contos, Chico atinge uma voz própria neste trabalho.


Livro de contos revela maturidade e coesão de Chico Buarque como escritor / Pedro Carrano

 

 

 

 


 

Edição: Lia Bianchini