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Convocada pelo Ministério Público, ocorreu hoje (4) primeira reunião entre ocupação Britanite e Tatuquara SA. Prefeitura não enviou representantes

407 famílias defendem que não há como deixar o local e mostraram disposição para negociar valores com Tatuquara SA

Curitiba (PR) |
Apesar da ausência do poder público municipal, sentida em todas as falas, a audiência contou com com presença de mandatos parlamentares, entidades da sociedade civil - Pedro Carrano

Audiência hoje (4), realizada no auditório do Ministério Público do Paraná, convocada pela promotora Aline Bilek Bahr, da Promotoria de Justiça, de Habitação e Urbanismo de Curitiba, foi o primeiro espaço de negociação e tentativa de conciliação entre as partes de um processo que envolve, de um lado, as 407 famílias da Britanite. De outro, representantes jurídicos da empresa Tatuquara SA.

Embora tenha sido convocada pela promotoria do MP, a Prefeitura de Curitiba, Cohab e FAS, não compareceram no espaço. Trata-se da primeira mesa de negociação com participação direta de empresa e moradores desde o início da ocupação, em 11 de dezembro de 2020.

Apesar da ausência do poder público municipal, demarcada na maioria das falas, a audiência contou com mandatos parlamentares, entidades da sociedade civil, entidades sociais da igreja, pastorais sociais e movimentos populares, preocupados com o risco de despejo forçado da Britanite. Decisão recente do TJ suspendeu a reintegração de posse durante 90 dias, o que favorece tentativas de negociação.

Entre as falas iniciais da audiência, a promotora Aline Bilek comemorou a realização do espaço, enfatizando que a convocatória reuniu a representação do “proprietário que antes não queria nem conversar sobre assunto”, ressaltou. Falou também do respeito à representação da empresa, presente na mesa. No entanto, Bilek posicionou-se nitidamente por maior orçamento à moradia e pela impossibilidade de despejo forçado no caso das famílias da Britanite. Favorável à causa das famílias.

O espaço contou também com a presença de parlamentares e assessorias de mandatos. Giorgia Prates (PT), vereadora, apontou que acompanha a Britanite desde o seu início.

“O plano de realocação dessas famílias não tem sustentação e não tem sentido, apenas fazer o cadastro da FAS também não adianta mais. É preciso se pensar em outro plano, que é de compra do terreno, debate que temos feito a partir de agora”, convoca Giorgia.

O deputado estadual Goura (PDT) também marcou presença na audiência, ressaltando o número de 150 mil domicílios irregulares na capital paranaense e o que chamou de “ausência de políticas públicas de habitação”, disse.

Constaram também na audiências as assessorias do vereador Vanhoni (PT), dos deputados estaduais Luciana Rafanhim e Dr Antenor (ambos PT), e da assessoria da deputada federal Carol Dartora (PT).

 


Bárbara Górski Esteche, advogada da Britanite, afirma que a contradição entre a impossibilidade de realocar as famílias e o pedido de reintegração de posse deve ser resolvida com negociação / Pedro Carrano

Ausência de orçamento e de políticas públicas

“O neoliberalismo impede a execução de políticas públicas, sabemos o quanto é insuficiente. Há um deficit gigante (por moradia). Chamamos a mesa de discussão. Município fala que não tem recursos suficientes, recursos limitados. O governo do Paraná delega a terceiros e a Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar) tem limites. É preciso envolver os entes federal, estadual e municipal nesta questão”, ressaltou Aline.

Fato é que o MP, ao longo de toda a audiência, deu ênfase para a necessidade de negociação e de encontrar uma forma de desapropriação do terreno, seja pelo ressarcimento à empresa, seja pensando conjuntamente que tipo de loteamento caberia naquele terreno, seja pensando formas de financiamento a partir de programas nacionais de moradia.

Bárbara Górski Esteche, advogada da Britanite, afirma que a contradição entre a impossibilidade de realocar as famílias e o pedido de reintegração de posse deve ser resolvida com uma única saída: negociação. "A situação não vantajosa para ninguém. É fato que não é possível cumprir nem o plano que está no processo. E a Fundação de Ação Social (FAS) não está aqui nem para dizer o que vai fazer. Situação angustiante para dois lados, temos o risco de paralisar o processo”, afirma.

Tatuquara SA reivindica terreno

De acordo com relato dos dois advogados representantes da empresa, a reintegração de posse foi acionada logo após a ocupação, e a empresa nunca teria concordado com a ocupação das famílias.

“Nunca houve um comodismo com a situação, no dia que a situação se iniciou”, afirma advogado que representa a empresa.

A empresa alega também que teria havido comércio irregular de lotes no início da ocupação, o que atualmente a reportagem do Brasil de Fato Paraná, que constantemente acompanha o local, pode constatar que não se verifica. Apontou também o registro de homicídios na área como argumento para a não manutenção das famílias no local.

Para a Tatuquara SA, a responsabilidade atual da situação seria dos órgãos públicos. A empresa ainda trabalhou com a informação controversa de que o terreno, adquirido em 2019, teria funcionários trabalhando no dia da ocupação, que teriam sido expulsos – o que os movimentos populares contestaram, uma vez que defendem que o terreno estava vazio há décadas na região, sem cumprir função social.

"Se houvesse IPTU progressivo, se fosse aplicado o que está em outras legislações, a empresa teria que pagar mais alto ou perderiam propriedade do imóvel, por omissão. Toda ocupação parte de um contexto complexo e contingente", afirma Esteche, advogada da ocupação.

A demanda dos moradores é ficar

Hemerson Maykon, da coordenação da Britanite e da Frente de Organização dos Trabalhadores (FORT), afirma que a comunidade tem se desenvolvido na sua organização, que "Temos o respeito de várias pessoas, entidades religiosas e organizações”, afirmou, contestando a empresa.

A liderança local também fez o convite para que representantes da Tatuquara SA visitem a comunidade, onde poderão constatar famílias vivendo enraizadas, cozinha comunitária, organização por áreas, boa organização local e limpeza. Por outro lado, apontou que as acusações de criminalidade e venda de terrenos contribuem para uma ideia de "marginalização de quem já está a margem da sociedade”. Reforçou a disposição para aquisição do terreno por parte das famílias.

Pedro Carrano, integrante do FORT, também apontou na mesa inicial da audiência que, na grave crise social da pandemia, em Curitiba cerca de 4 mil famílias aderiram a aproximadamente 10 ocupações. “Foram levadas a isso e agora temos uma situação concreta. No caso da Britanite, não tem como falar em transportar as pessoas para outro lugar. Não tem outro lugar. Temos 407 famílias enraizadas há três anos, o que mostra que precisam de moradia. São 30 grávidas, migrantes, pessoas que usam os equipamentos públicos da região”, aponta, reforçando que um despejo causaria um trauma social sem precedentes, com desgaste para a prefeitura e para a própria empresa.


Hemerson, liderança da Britanite, integrante da coordenação, convida representantes da Tatuquara SA para visitar a comunidade / Pedro Carrano

Apoiadores e posicionamentos

Após o pronunciamento das partes, houve intervenção de ativistas, assessores e organizações presentes no espaço.


Berquelei Mateus, assessor do mandato do deputado estadual Dr Antenor (PT), comparou que ele, com apenas dez anos, vivenciou a ocupação da vila Osternack, no sítio Cercado. “Como criança, observando diálogos de empresas e prefeitura são os mesmos. E tenho 41 anos. Agora, estamos em tempos de abertura ao diálogo, então que a empresa ache um espaço de negociação, diálogo, afinal haverá resistência dos moradores”, aponta.

Marcos Roger, representando os padres Redentoristas, reforçou a situação de trabalhadores informalizados na ocupação, que não têm atualmente acesso a direitos básicos. E merecem respeito. Reforçou a violência presente no despejo: "Não podemos permitir que vire uma carnificina", conclama.

Ivan Carlos Pinheiro, presidente da União de Moradores e Trabalhadores (UMT) também participou, em 1991, ainda criança, da ocupação Ferrovila, no bairro Novo Mundo, distante 8km do centro, e até hoje, apesar de urbanizado, o espaço não está regularizado – situação comum nas regiões do Formosa, Sabará e Barigui/CIC -, e as famílias não acessam antipó, vivem riscos de enchentes, entre outros problemas.

Pinheiro também rebateu a vinculação da Britanite com a violência, em fala feita pela Tatuquara SA. “Se existe organização criminosa no bairro, não há como ter responsabilidade com isso. A necessidade do povo é por moradia. Um comerciante não se responsabiliza por um crime que acontece na frente do seu comércio. Na ocupação, é a mesma coisa”, critica.

Raquel Olímpio de Faria, liderança da área Graciosa, em Pinhais, que participava da audiência em caráter solidário, comparou a situação da Britanite com a das famílias de suas região, que também convivem com o fantasma do despejo forçado. “Todo mundo me olha como invasora, então isso é culpa? Somos vítimas de falta de políticas públicas efetivas. Estamos requerendo nosso direito. Há uma constante omissão de direitos, por isso os movimentos sociais são necessários”, aponta.

Encaminhamentos do Ministério Público

Diante da provocação de Ministério Público, ao lado de moradores e apoiadores, para que se pense uma proposta de negociação entre empresa e famílias, os representantes da Tatuquara SA reafirmaram a intenção de reaver o terreno. No entanto, na condição de representantes da empresa, devem levar a demanda para os proprietários avaliarem. Em dez dias, enviarão ao MP a resposta.

Aline Bilek também apontou para outubro a possibilidade de nova audiência, convocada pelo Ministério Público, convocando todas as partes envolvidas no conflito fundiário e também os órgãos públicos.

Da parte das famílias, a mobilização continua durante o período de suspensão da reintegração de posse.

A reportagem do Brasil de Fato Paraná enviou perguntas à assessoria de imprensa do município sobre por que razão Prefeitura, FAS e COHAB não compareceram à reunião.

Assim que tivermos a resposta, publicaremos neste espaço. 

 

Edição: Lucas Botelho