Paraná

Entrevista

Derrota do bolsonarismo passa por organização da classe trabalhadora, defende Glauber Braga

Deputado Federal do PSOL esteve em Curitiba e conversou com o Brasil de Fato Paraná sobre a conjuntura política nacional

Curitiba (PR) |
Deputado esteve em Curitiba para debate sobre a revogação do Novo Ensino Médio - Foto: Gabriela Martins

Com poucos meses do início do governo Lula, o cenário político nacional assemelha-se a um campo minado de complexidades. Mostram-se como entraves ao novo governo o bolsonarismo e a extrema direita, que resistem após a derrota eleitoral, e a frente amplíssima que cobra os resultados de seu apoio à eleição do petista.

Analisando esse cenário, o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) aponta a “organização de base” como chave para a derrota do bolsonarismo e a necessidade de enfrentamento das articulações neoliberais dentro do próprio governo. "A gente tem que superar o que foi esse modelo de exclusão absoluta representado por Bolsonaro, Paulo Guedes, Michel Temer e companhia”, diz.

De passagem por Curitiba para um debate sobre a Revogação do Novo Ensino Médio, Braga conversou com o Brasil de Fato Paraná e analisou a conjuntura política atual.

Confira a entrevista:

Brasil de Fato Paraná - Nos últimos dias, tivemos várias denúncias de possíveis crimes envolvendo a família Bolsonaro: a articulação golpista tramada via WhatsApp, a adulteração em cartões de vacina, a rachadinha no gabinete de Carlos Bolsonaro, no Rio de Janeiro etc. O que é possível imaginar para o futuro da família Bolsonaro e do bolsonarismo como força de mobilização política no Brasil?
 
Glauber Braga - Infelizmente, essa articulação de extrema direita e essa movimentação que eles fazem, que aglutina força, não é uma ilha, é um movimento internacional. Eu acho que só o que tem capacidade plena de enquadrar, responsabilizar e derrotá-los, para além da derrota eleitoral, é o processo de organização de base, que passa por investir energia na organização da classe trabalhadora para fazer esse enfrentamento. Estou falando, evidentemente, das organizações políticas de esquerda para esse enfrentamento.

Agora, evidentemente, taticamente, as próprias instituições burguesas estão partindo para cima também para enquadrá-los. Nós não vamos dizer “não façam”. Vamos dizer: "façam, vão, briguem, enquadrem." Mas nós não vamos ficar dependentes só dessa movimentação? Nós temos que fazer a nossa mobilização do lado de cá. Mas que eles sejam devidamente responsabilizados com as ações que já estão sendo tocadas para isso.

Eles estão morrendo de medo e quem está com medo foge - e eu acho que essa alternativa não está descartada, de o Bolsonaro fugir, de estar avaliando para onde pode ir - mas isso pode ter também como efeito ele tentar se organizar internamente com a mesma extrema direita e seus seguidores para mostrar força contra as iniciativas de responsabilização. Nesse caso, é força contra força. Só quem tem força suficiente para cobrar responsabilização contra esse movimento de fuga que ele pode fazer é a esquerda. Nesse caso específico, a frente amplíssima e setores da direita não nos salvam. Eles podem ter sua relevância para movimentar as estruturas do Estado burguês, mas para mobilizar o povo, não, essa é uma tarefa da esquerda.

Temos visto, nas reuniões em comissões da Câmara, nos mais variados assuntos, um discurso violento muito forte contra parlamentares de esquerda. Um caso recente foi o do deputado general Girão (PL) falando que queria levantar e dar um soco no senhor, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Queria uma comparação entre o ambiente legislativo atual e o que vivenciou nos mandatos passados.

Já era um fenômeno do mandato anterior, mas se agudiza nesse a presença de uma extrema direita que se identifica como tal, que tem uma orientação verdadeiramente fascista e que procura fazer intimidação física dos seus inimigos políticos. Isso é um fenômeno recente. Eu acho que a gente não tem alternativa, tem que partir pra cima deles. Não adianta imaginar que com diplomacia eles deixam de avançar. Nós temos que enfrentar, desnudar, mostrar quem são eles, nos organizarmos para poder fazer a desmoralização deles por aquilo que são. O discurso deles, por exemplo, para aglutinar de maneira moralista contra a corrupção era simplesmente mentira. Então, expor isso publicamente, fazer a luta política sem dó é uma necessidade que se impõe.

O senhor está no PSOL atualmente, um partido que sempre se colocou à esquerda do PT. Como avalia esse início de governo Lula, especialmente em relação a concessões a pautas liberais?

Nós temos que defender o governo contra todos os ataques da extrema direita, dos fascistas, dos golpistas. Mas temos que ter liberdade de mobilização e organização para enfrentamento dos liberais, da direita neoliberal. Seja quando isso vem através de ataques contra o governo, seja quando isso vem como uma articulação dentro do próprio governo.  Um exemplo prático é essa questão da revogação do Novo Ensino Médio: setores da direita tradicional ou liberal, por dentro do ministério, mais especificamente da secretaria de educação básica, trabalham para a manutenção desse Novo Ensino Médio de Temer e Bolsonaro. Nós temos que enfrentar isso. E isso se faz com um processo de organização e de luta que não pode ficar limitado ao que é autorizado para ser feito.

O senhor tem defendido a necessidade de mobilização popular para pressionar, por exemplo, pela redução da taxa de juros e pelo fim da autonomia do Banco Central. Como fazer com que esses temas, aparentemente tão técnicos, tenham apelo popular?

Eu acho que o apelo popular vem com o que do ponto de vista prático as pessoas vivenciam a partir do momento em que não conseguem acessar alimento. Num país que sai do governo Bolsonaro com 100 milhões de pessoas passando algum tipo de insegurança alimentar e 30 milhões de pessoas passando fome, isso é resultado de uma política  econômica. As pessoas entendem isso e sabem disso. Tanto é que quando o Datafolha pergunta: “você é a favor ou contra as rodadas de privatizações?”, com todo o canhão midiático tentando desmoralizar o que é público, a maioria [da população] diz: "sou contra".

Já existe um sentimento majoritário na sociedade contra essa condição de política econômica da direita neoliberal ou ultraliberal. Nós temos que enfrentar isso, continuar fazendo esse debate, que passa pela revogação da autonomia do Banco Central, passa pela redução da taxa de juros, mas passa também pela crítica a esse que é um pacote de austeridade representado pelo novo arcabouço fiscal. No final das contas, não é uma revogação plena, como deveria ser, da Emenda Constitucional 95. Não tem que ter limite para fazer investimentos em saúde, educação. Ainda mais imaginando que num período de crescimento econômico é exatamente quando tem que ter fôlego para fazer os investimentos possíveis a partir do crescimento dado, e não fazer com que aquilo que foi arrecadado seja drenado para pagar juros e amortização da dívida. E num momento de restrição, em que há baixo crescimento, mais importante ainda o papel do Estado, o que está limitado com essa proposta de novo teto, arcabouço fiscal que foi anunciado e apresentado.

Então, fazer a crítica a isso, na nossa avaliação, é uma necessidade que se impõe, porque a gente tem que superar o que foi esse modelo de exclusão absoluta representado por Bolsonaro, Paulo Guedes, Michel Temer e companhia.

Edição: Frédi Vasconcelos