Paraná

Entrevista

"Minha voz não foi silenciada, ela foi ampliada", afirma Renato Freitas (PT)

Em entrevista ao Brasil de Fato Paraná, Freitas fala sobre suspensão da cassação, encontro com Papa e candidatura à Alep

Curitiba (PR) |
Renato Freitas, volta a assumir seu mandato como vereador e também pode concorrer às eleições de 2022 ao cargo de deputado estadual. - Giorgia Prates

Após ter a cassação de seu mandato suspensa por decisão do ministro Luís Roberto Barroso, Renato Freitas afirma que "a verdade foi restabelecida." Do processo marcado por denúncias de racismo e perseguição política, ele diz ter saído mais forte. "Se o objetivo era silenciar minha voz, o resultado foi exatamente o oposto. Hoje minha voz não só não foi silenciada, como foi ampliada. As pessoas ouvem o que eu digo em todos os lugares do Brasil", pontua. 

Na terça (27), Freitas concedeu entrevista ao Brasil de Fato Paraná e falou sobre o processo de cassação, a decisão que restituiu seu mandato na Câmara de Curitiba, sua relação com a Igreja Católica e seu encontro com o Papa Francisco, na Itália, além de propostas de sua candidatura a deputado estadual do Paraná.

A entrevista completa pode ser vista no canal do YouTube do Brasil de Fato Paraná. Confira trechos abaixo:

Brasil de Fato Paraná - O que significa essa decisão do Barroso e o que você espera daqui para frente em relação à Câmara, que já informou que vai contestar a decisão?

Renato Freitas: A decisão do ministro foi uma decisão que restabeleu a verdade. Havia quatro acusações sobre mim. Duas primeiras: que eu invadi a igreja e interrompi a missa. O próprio circuito interno da igreja demonstrou que a missa já havia acabado. Então, caiu por terra. Isso foi construção das fake news. Além de vazia, já que não havia culto, a igreja estava aberta. E, portanto, nos sentimos confortáveis em entrar, já que se trata de uma Igreja do Rosário dos Negros, construída para que as pessoas negras pudessem professar sua fé e clamar por liberdade e por vida.

Terceiro: desrespeitou a igreja, o padre. O próprio padre falou que não foi desrespeitado. Então, caiu por terra. E o relator, Sidnei Toaldo, em seu parecer, reconheceu isso.

A última é que eu havia cometido um ato político dentro da igreja. Olha que acusação genérica. Clamar por vida é um ato político? É. Se é um ato político, a própria fundação dessa igreja, construída por mãos negras para clamar por vida e liberdade foi um ato político. Então nada mais justo do que honrar a memória de nossos ancestrais. Não há arrependimento, porque houve ali uma execução dos princípios cristãos. Trouxemos um crucificado num quiosque para fazer comunhão com um crucificado numa cruz.

BdF - Queria que você falasse da sua relação com a Igreja Católica. Você foi convidado para se encontrar com Papa Francisco. Como tem sido essa relação?

O padre Luiz Hass, da igreja daquele fatídico dia, esteve em manifestação segurando cartaz para que eu não fosse cassado. Na sessão que me cassaram, o padre sentou na primeira fileira. Deu entrevistas dizendo que era injusto, que era persecutório, fundamentado em racismo.

O bispo Dom Peruzzo, da Arquidiocese de Curitiba, fez uma nota dizendo que não tinha porque cassar meu mandato. Acreditamos que a igreja nos fortaleceu nesse processo, porque teve sensibilidade para compreender a urgência de nossas demandas e o respeitos que tivemos pela fé cristã. A teologia cristã é a teologia dos oprimidos. A palavra tem que falar sobretudo a partir do exemplo. Qual o papel das instituições religiosas numa sociedade com um genocídio em curso?

Você falou sobre meu encontro com o Papa...tivemos a oportunidade de conversar com o Papa, sobretudo no que diz respeito à onda de crescimento do fascismo no mundo todo, na Europa inclusive. Um dia depois que eu saí da Itália foi eleita uma candidata de extrema direita. As catástrofes da Europa são exportadas sempre para o terceiro mundo.

BdF - Como você sai desse processo? Você sente que saiu de um papel de ativista em Curitiba para ser uma liderança nacional?

[O processo de cassação] foi um ataque orquestrado do poder político, das forças de segurança pública e dos setores conservadores da sociedade civil, que são muitos aqui em Curitiba. Todos eles, de forma orquestrada, nos atacaram e nos expuseram de forma negativa. Isso nos deixou vulneráveis. Nesse momento, muita gente virou as costas.

Inclusive, não posso deixar de dizer, o próprio Partido dos Trabalhadores, na figura do presidente estadual, que fez uma nota absurda dizendo que eu tinha que me desculpar com a sociedade do Paraná, com a igreja, com o partido e ainda teve a coragem - ou a covardia - de dizer que o PT não tinha envolvimento algum com a manifestação. Sendo que o partido tinha publicado chamamento para a manifestação, estava junto à organização, o último candidato a prefeito de Curitiba [pelo partido] estava na igreja, o setorial negro estava dentro da igreja. Essa tentativa de se retirar do processo e me deixar sozinho, eu senti muito.

O que me salvou foi a base do partido, da qual eu tenho muito orgulho, que não deixou que me sacrificassem em nome de uma política eleitoreira, baixa, que coloca tudo na calculadora e nisso sacrifica a verdade. Saí fortalecido porque a base julgou o topo da pirâmide e disse "nós não admitidos isso" e fez com que a direção revisse sua posição.

E depois disso a verdade veio à tona e de modo geral e várias pessoas começaram a me apoiar. Se o objetivo era silenciar minha voz, o resultado foi exatamente o oposto. Hoje minha voz não só não foi silenciada, como foi ampliada. As pessoas ouvem o que eu digo em todos os lugares do Brasil e acabei me tornando uma referência na luta pela vida, pela dignidade, pela vida negra. Saí muito mais forte. Em todos os lugares encontro pessoas para acolher minhas ideias.

BdF - Passado esse processo na Câmara, você concorre a deputado estadual no Paraná. Quais bandeiras você quer levar para a Assembleia Legislativa (Alep)?

A primeira delas é em relação à reforma agrária. Acho que um dos grandes problemas da política paranaense é a concentração de poder na mão de uma aristocracia centenária. Essa aristocracia se constitui, em grande medida, pela concentração fundiária. São os coronéis, os herdeiros do processo de escravização brasileiro que ainda estão aí, como a família Lupion, a família Malucelli, a família Macedo - do atual prefeito de Curitiba Rafael Greca de Macedo. E todas essas famílias que tem grandes fazendas concentram renda. A reforma agrária se faz cada vez mais urgente, primeiro como parte do processo de reforma política.

Segundo lugar, a reforma urbana. A própria cidade de Curitiba é um exemplo disso: higienista, desigual. Você sai do Centro de Curitiba, dos bairros ricos, e vai para o Caximba. Você vai sair do IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] de países nórdicos e vai diretamente para o IDH de Serra Leoa, do Camboja. Isso é admissível? Em hipótese alguma. Isso é uma guerra invisível, uma guerra não declarada, mas ainda assim uma guerra.

Depois, militarização. A Polícia Militar Paranaense é a quinta mais letal, mais violenta do Brasil. Isso é inadmissível em qualquer democracia, em qualquer país que valorize a vida humana. Nós combateremos esse tipo de política que é parte de um projeto genocida.

E também denunciaremos o que foi feito no desmonte da educação. Unicesumar, esquema mafioso, para ganhar dinheiro em cima de uma educação pífia, desestruturada e incompetente. É um consenso entre alunos e professores, todos e todas dizem que é um projeto fracassado, que só se mantém pelas alianças espúrias com o poder, com Ratinho Junior [atual governador do estado]. [Além disso] militarização das escolas: os jovens, as crianças precisam de criatividade. A militarização mata a criatividade, diminui a capacidade do ser humano. Contra o homeschooling, que é fazer com que os ricos tenham a oportunidade de pagar professor particular, como acontecia na idade média.

Essas são algumas das lutas que eu entendo como estruturais para combater essa elite centenária.

:: Assista à íntegra da entrevista ::

Edição: Lia Bianchini