Paraná

Luta antirracista

Para Leonardo Boff, ato antirracista na Igreja do Rosário foi "do mais alto teor ético"

Teólogo defendeu mandato do vereador Renato Freitas (PT), acusado de liderar suposta invasão à igreja em Curitiba

Curitiba (PR) |
Boff também cogitou escrever ao Papa Francisco pedindo "uma palavra ao Renato Freitas e uma severa advertência àqueles que cometem injustiça" contra o vereador. - Joka Madruga/ Agência PT

O teólogo Leonardo Boff é mais uma das personalidades religiosas que saíram em defesa do mandato do vereador curitibano Renato Freitas (PT). Em audiência pública realizada na Câmara de Curitiba, na sexta (04), Boff afirmou que a manifestação dentro da Igreja do Rosário, que motivou o processo de cassação contra Freitas, foi "do mais alto teor ético."

"Vocês ocuparam um lugar que foi sempre de vocês. O local certo, sagrado, que vocês construíram, com todo o direito de protestar", afirmou Boff, dirigindo-se ao vereador e referindo-se à história da Igreja do Rosário, construída por pessoas escravizadas.

Segundo o intelectual, “aquela violência, injúrias que os donos da casa grande e seus descendentes davam aos escravos” hoje recaem sobre os afrodescendentes, os pobres, os marginalizados e a população LGBT. “Não fizemos a abolição ainda porque não fizemos a reforma agrária. Foram jogados no mundo, nas favelas. Temos essa dívida”, ponderou.

Para o teólogo, o mandato de Freitas representa toda a parcela marginalizada da população brasileira. Boff fez um apelo aos vereadores que irão julgar o processo contra Freitas, para que "tenham consciência e solidariedade."

O teólogo também cogitou escrever ao Papa Francisco sobre o caso, pedindo "uma palavra ao Renato Freitas e uma severa advertência àqueles que cometem injustiça" contra o vereador.

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“Delírio racista"

A audiência pública “Da cruz ao quiosque: como resgatar o direito de viver?” foi organizada pelo mandato de Renato Freitas. A atividade contou com outras lideranças religiosas e debateu a história e os desafios da luta antirracista no Brasil e na capital paranaense.

Também participando do evento, padre Júlio Lancellotti reafirmou o direito de manifestação dentro da igreja. “Deus habita em nós, não em espaços. Os espaços são símbolos, são sinais. Eles têm seu contexto histórico, como foi lembrado, mas o sagrado é a pessoa”, declarou.

Na avaliação do sacerdote, a “grande profanação” são a fome, o extermínio da juventude negra, o assassinato de travestis, o feminicídio e a violência contra crianças. “Uma coisa que tem que ficar bem clara é que não houve a profanação do espaço, mesmo desse espaço simbólico”, opinou. “Tudo isso que está acontecendo parece um delírio, um delírio racista, é um delírio desumano”, disse o padre.

Pedindo “justiça histórica e restituição” à população negra, o coordenador nacional da Frente de Evangélicos Pelo Estado de Direito, pastor Ariovaldo Ramos, também declarou apoio a Freitas. “Nós não podemos permitir que nosso grito seja silenciado. Nós não voltaremos à senzala, que a casa grande insista na senzala. Nós vamos tomar a casa grande. Porque esta agora é a nossa terra”, afirmou.

"Ignorância histórica"

Professora do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisadora das populações afro-brasileiras, cultura e religiosidade populares, Liliana Porto considera uma “ignorância histórica” a repercussão negativa do ato na Igreja do Rosário. 

“A história de profanação de templos não é do povo negro profanando, mas do povo negro tendo seus templos profanados. [...] Seria absolutamente sem sentido pensar que aquela manifestação antirracista entraria ali [na Igreja do Rosário] senão que para ocupar um espaço que historicamente lhe é de direito. Porque aquela é a história do povo negro em Curitiba e de sua resistência”, analisou Porto.

A pastora Ana Azzevedo, ativista cultural e bacharel em Direito, lembrou que não pode ser negado à população negra o direito de reivindicar sua dor nos templos religiosos. “Quando nós adentramos à igreja, esse espaço é nosso por direito. [...] Não é por vandalismo. É porque a gente tem consciência da construção daquele espaço e o que ele representa pra nós”, pontuou.

Diretor executivo da Educafro, frei David também saiu em defesa do mandato de Freitas e pediu que os cristãos de Curitiba “não deturpem Jesus Cristo” e “sejam honestos" com a própria fé. “Jesus sofreu duas condenações. Uma condenação religiosa e uma condenação política. Condenações essas que hoje caíram por terra”, lembrou o religioso.

*Com informações da Câmara Municipal de Curitiba.

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Edição: Lia Bianchini