Dados e levantamentos, inclusive de pesquisas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), afirmam que esta não é a crise hídrica mais severa que já vivemos nos últimos anos, mas a que mais prejuízos trouxe à população.
Segundo Robson Formica, coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), “já houve outros momentos que foram de crises mais intensas que esta, porém agora sendo potencializado com efeitos maiores por conta do avanço do modelo de desenvolvimento econômico que vê a preservação ambiental como obstáculo dos interesses de acumulação do capital.”
Em recente nota à imprensa, o MAB disse que o argumento da crise hídrica no Brasil camufla a realidade e serve para justificar aumentos abusivos na contas de luz e água do povo brasileiro.
“É falso alegar que os reservatórios estão vazios por uma suposta seca no sudeste brasileiro. Os dados do Operador Nacional do Sistema (ONS) revelam que o volume de água que entrou nos reservatórios das usinas hidrelétricas brasileiras durante o último ano é o quarto melhor ano da última década, equivalente a 51.550 MW médios. O fato é que entrou mais água nos reservatórios (energia natural afluente) do que saiu pelas turbinas para gerar energia (vazão turbinada),” diz a nota, que defende que toda essa água vertida poderia ter sido armazenada ou transformada em energia, sem aumento dos custos.
Em entrevista ao Brasil de Fato Paraná, Robson Formica fala sobre os impactos do desabastecimento de água e aponta soluções para reverter quadro muito pior a longo prazo.
Confira:
Brasil de Fato Paraná: Aqui no Paraná, tivemos perdas irreparáveis na agricultura, estiagem e severo racionamento de água para a população. Qual é a sua análise sobre essa crise hídrica pela qual passamos?
Robson Formica (MAB): Alguns dados e levantamentos, inclusive de pesquisadores, climatólogos da Universidade Federal do Paraná, apontam que não é a crise mais severa já vivida no Paraná. Lá no início dos anos 2000, anos 80 e 90 tivemos momentos piores. Mas a diferença de agora é que está potencializada com efeitos maiores por conta de todo o modelo econômico adotado que vê a questão ambiental como obstáculo aos interesses de acumulação do capital.
É possível afirmar, portanto, que o desabastecimento que tivemos nestes dois anos é a falta de investimento público do governo, da Sanepar [Companhia de Saneamento do Paraná] em ampliar sua captação, ampliar seus reservatórios, cuidar da água e da produção da água.
Se olharmos dados da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Instituto Ar e Terra (IAP), Sanepar e da própria Secretaria Estadual do Meio Ambiente, veremos que o Paraná, em crises lá dos anos 2000, já indicava em relatórios que era preciso repensar a crise hídrica.
Quais as políticas públicas deveriam ter sido implementadas pelos governos estaduais e federais para evitar tal situação?
Primeiro, seria importante retomar políticas de cuidado com mata ciliar, com preservação de mananciais e nascentes, córregos e também pensar políticas de reordenamento territorial, além de uma política que deveria olhar a questão da captação de água nas áreas urbanas.
Com esse conjunto de ações executadas, em caso de crises como esta que vivemos, a gente não corre o risco, por exemplo, de desabastecimento. Mas ocorreu porque a Sanepar, na ultima década, inverteu sua lógica e suas prioridades. Ainda que seja fornecedora de água, hoje sua gestão tem como objetivo principal a maximização dos lucros e a transferência de dividendos principalmente para acionistas privados.
Então, a sua missão não é mais o fornecimento de água acessível de qualidade para o povo. Não, a lógica é utilizar a água como um instrumento para explorar o povo pela tarifa e reverter em lucro para acionistas. O lucro aumentou para os acionistas e o dinheiro sumiu do bolso dos consumidores.
A longo prazo, quais serão os prejuízos desta falta de investimento na preservação ambiental?
Do ponto de vista, por exemplo, da agricultura: cada vez mais dificuldades serão enfrentadas pelos agricultores no sentido de falta de políticas públicas e condições de manter a produção, além de prejuízo econômico e a dificuldade de abastecimento com preços acessíveis.
Para reverter este quadro, é preciso fazer o enfrentamento e mudar a lógica de submeter a água de forma mercantilizada e retomá-la como direito do povo.
Edição: Lia Bianchini