Paraná

Violência policial

Moradores relatam tortura em operação policial na comunidade Nova Esperança, em Campo Magro

Antes de assassinar morador, policiais militares teriam torturado o jovem de 25 anos e uma adolescente grávida

Curitiba (PR) |
"A menina de 15 anos foi obrigada a assistir à ação diabólica da Rone", relatou morador - Foto: Giorgia Prates

Nesta sexta (03), o Conselho Permanente dos Direitos Humanos do Estado do Paraná (Coped) fez uma reunião na comunidade Nova Esperança, em Campo Magro, para discutir a operação violenta protagonizada pela Polícia Militar no local, na terça (30). Durante a reunião, moradores denunciaram que os policiais teriam torturado o jovem de 25, que foi morto, e sua namorada, uma adolescente de 15 anos, grávida.

"A menina de 15 anos foi obrigada a assistir à ação diabólica da Rone [Rondas Ostensivas de Natureza Especial]", disse Val Ferreira, uma das lideranças da comunidade. Ele relatou que os policiais chegaram à casa de Igor Cristiano da Silva, renderam-no e iniciaram a sessão de tortura, obrigando a namorada a assistir.

"Depois de render o menino, eles deram um tiro na perna. Com a namorada dele assistindo. Eles bateram nela, ele falou que ela estava grávida, eles continuaram batendo e debochando", contou.

A tortura teria demorado horas. A comunidade se mobilizou, a mãe do rapaz foi chamada. Ela saiu de Almirante Tamandaré, a 17 km da ocupação. "Nesse meio tempo, eles deram um tiro no peito do menino. [A mãe] chegou desesperada, gritando pelo filho. A menina disse que ele ouviu a voz da mãe, respondeu e foi a hora que eles deram o último tiro. A menina relatou que foi um tiro na boca", contou Val.

Coordenadora do Núcleo de Política Criminal e Execução Penal (Nupep) da Defensoria Pública do Paraná, Andreza Lima de Menezes afirmou que os relatos demonstram, de fato, "a configuração de uma tortura física."

"Existe uma política muito clara de que a polícia esteja a serviço da morte, do terror. O sistema de justiça acredita que é importante que a corporação policial saiba que está sujeita às leis. O que se faz em nome da segurança pública não pode estar às margens das normas", pontuou Andreza.

Pela manhã, os participantes da reunião ainda denunciaram intimidação policial. Helicópteros da PM rondavam o local da reunião, fazendo rasantes por diversas vezes.

Moradores contestam versão da PM

Na versão da Polícia Militar, a vítima teria atirado primeiro e, então, os PMs reagiram. No Boletim de Ocorrência, os policiais informam que levaram a adolescente como testemunha dos fatos. Ainda de acordo com a PM, foram apreendidos no local uma pistola, de calibre .380, munições, três pinos de cocaína, R$ 2.469,00 em dinheiro, uma máquina de contar dinheiro e duas balaclavas em lã na cor preta.

Durante a reunião do Coped, os moradores contestaram a versão oficial. Eles confirmaram que, de fato, a vítima tinha uma arma. No entanto, no local do crime, não havia nenhum sinal de confronto, as únicas marcas de bala eram das que atingiram Igor.

"Aparentemente, no nosso país, não tem pena de morte. Mas a Polícia Militar foi treinada para matar a população pobre. Porque eles não entram na casa de traficante rico, de político, fazendo isso", afirmou Val.

A defensora pública presente corroborou a afirmação da liderança, pontuando como exemplo a nota técnica do Nupep sobre vítimas fatais em confrontos com a polícia no Paraná.

"Tem um perfil muito claro das vítimas: a maioria é jovem, declarada preta e parda. Boa parte das narrativas desses delitos repete a tese de legítima defesa, que os policiais estariam reagindo a uma pessoa perigosa. Mas a maioria das vítimas não tinha antecedentes. Existe um público específico: a população negra e pobre", disse Andreza.

O Conselho de Direitos Humanos encaminhou ao Ministério Público pedido de providências quanto à proteção da adolescente que seria testemunha ocular da execução. O colegiado também solicitou que casos deste tipo não sejam mais investigados pela PM. O Coped também irá encaminhar à Secretaria de Estado da Segurança Pública solicitação de que sejam instaladas câmeras nos uniformes e viaturas dos policiais, como mecanismo para evitar a letalidade das ações.

Resposta da PM

A reportagem do Brasil de Fato Paraná entrou em contato com a Polícia Militar do Paraná, pedindo esclarecimentos sobre as denúncias.

O comandante-geral da PM-PR, coronel Hudson Leôncio Teixeira, reafirmou a tese de que houve confronto, "o indivíduo foi atingido, socorrido e entrou em óbito."

O coronel falou ainda que a PM está apurando o caso. "Foi aberto inquérito policial militar para apurar a conduta das equipes durante o confronto. Os crimes praticados por esses indivíduos serão apurados pela Polícia Civil", afirmou. Foi informado, ainda, que "durante as apurações, a PM não emite juízo de valor para não atrapalhar as investigações."

Edição: Lia Bianchini