Paraná

Justiça

Ex-presidente da UDR é condenado a 14 anos de prisão por morte de camponês Sem Terra

Marcos Prochet foi condenado pela terceira vez, em júri popular que terminou nesta quinta (24)

Curitiba (PR) |
 Para integrante da coordenação do MST, resultado foi fruto de “batalha classe trabalhadora contra a violência do latifúndio" - Foto: Agência Brasil

O ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Marcos Prochet, foi condenado pela 2ª Vara do Tribunal do Júri de Curitiba a 14 anos e 3 meses de detenção, em regime fechado, pela morte do trabalhador rural Sebastião Camargo. O julgamento começou nesta quarta (23) e se estendeu até esta quinta (24).

O trabalhador Sem Terra foi morto aos 65 anos, com um tiro na cabeça. O crime ocorreu no dia 7 de fevereiro de 1998, durante um despejo ilegal em um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na Fazenda Boa Sorte, em Marilena, cidade no Noroeste do Paraná.

Na área residiam 300 famílias. Sob ameaças, as pessoas foram obrigadas a deitar no chão. Com problemas na coluna, o trabalhador Sebastião Camargo não conseguiu manter a cabeça abaixada. Para evitar que o trabalhador reconhecesse os autores da ação, o camponês foi assassinado. A área já estava em processo de destinação para reforma agrária. A ação que resultou no homicídio de Camargo foi promovida por uma milícia privada que, entre outros, era comandada pelo então dirigente da União Democrática Ruralista (UDR).

Para Ceres Hadich, da Coordenação Nacional do MST, a decisão traz um alento para família. Ela critica, no entanto, a morosidade da justiça. Essa foi a terceira vez que Marcos Prochet foi condenado pelo crime.

“Essa é uma batalha bastante longa da classe trabalhadora contra a violência do latifúndio. Sem dúvida alguma ficou um sentimento de revolta por causa dessa morosidade da justiça, com tantos artifícios dos poderosos para recorrer das decisões. Porém, de outro lado, passe o tempo que passar, as decisões se repetem, trazendo a verdade à tona, honrando a família do Seu Sebastião. Esperamos que dessa vez a pena seja cumprida e que fatos como esses não mais aconteçam na luta pela terra”, disse.

Julgamento

O julgamento de Marcos Prochet teve início na quarta-feira (23) e foi finalizado somente na quinta feira, no início da tarde, com participação presencial restrita aos jurados e às partes envolvidas, devido à pandemia da Covid-19.

Seis pessoas viram a participação de Marcos Prochet na desocupação - quatro delas viram o momento em que Sebastião Camargo foi morto e reconhecem o ruralista como autor do disparo. Além do assassinato de Camargo, 17 pessoas, inclusive crianças, ficaram feridas na ocasião.

A trabalhadora rural Antônia França foi uma das testemunhas ouvidas no júri popular. Ela estava deitada ao lado de Sebastião Camargo quando ele levou os tiros na cabeça. Tanto em depoimentos em 1998 como neste julgamento de 2021, Antônia disse ter ouvido a voz e ter reconhecido Prochet como autor dos tiros.

“Eles falavam 'esse velho ta olhando, eu vou dar um tiro na cabeça dele'. Mas ele erguia a cabeça porque tem problema na coluna”, disse a testemunha. E continuou: “eu reconheci a voz dele, do Marcos Prochet. Eu conhecia ele da Fazenda Três Córregos, ele sempre ia por lá com a polícia. Depois, ele tirou o capuz.” Antonia, em fevereiro de 1998, chegou a fazer exame de corpo delito, pois foi atingida por pólvoras dos tiros.

Ela contou em seu depoimentos que todos os homens que estavam encapuzados correram, após os tiros, até um caminhão e muitos se dirigiam à Prochet como “comandante”. Antonia também citou que Prochet era o único que vestia roupa diferente, com emblema da UDR. A defesa do réu questionou a testemunha tentando invalidar seu reconhecimento de Prochet. Mas ela reiterou sua resposta. “Não me disseram que foi ele, eu vi que era ele”, disse aos advogados do réu.

A promotora de justiça Ticiane Santana Pereira, ao fazer sua sustentação, reiterou que a testemunha, tanto em depoimentos anteriores, como agora, afirmou que conhecia Prochet da fazenda que antes morava. “Está registrado em seus primeiros depoimentos que a testemunha conhecia Prochet porque o mesmo sempre visitava a Fazenda Dois Córregos, onde ela esteve acampada por três meses antes de chegar até a Fazenda Boa Sorte, onde ocorreu o assassinato."

Decisão

O Juiz Daniel Ribeiro Surdi Avelar, às 13h30 desta quinta-feira, declarou que o corpo de jurados reconheceu que houve disparo de tiros contra a cabeça de Sebastião Camargo e que o autor dos tiros foi Marcos Prochet. O ruralista foi condenado a 14 anos e 3 meses de prisão em regime fechado, podendo recorrer da decisão.

"O resultado veio muito tarde, é a terceira tentativa. [...] Mesmo assim, é importante para sinalizar que os latifundiários também devem responder por seus crimes. Para evitar que não haja o efeito de repetição, que essas milícias não aconteçam em outras situações que envolvam a luta por terra e por direitos no nosso país", avaliou Darci Frigo, vice-presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que acompanhou presencialmente o júri.

Condenações tardias e anuladas

Marcos Prochet já foi condenado em dois júris populares, considerado autor do disparo que vitimou Sebastião Camargo. A primeira condenação ocorreu em 2013 e a segunda em 2016, ambas com pena de 15 anos e 9 meses de reclusão em regime inicialmente fechado. No entanto, as duas condenações foram anuladas pelo Tribunal de Justiça do Paraná. Com mais de 21 anos do assassinato, o processo é marcado pela lentidão do sistema de justiça, recorrentes adiamentos do julgamento e violação da decisão soberana do júri popular.

O ex-presidente da UDR – associação de proprietários rurais voltada à “defesa do direito de propriedade” -  é a quarta pessoa a ir a júri popular pelo assassinato de Sebastião Camargo. Os outros condenados foram: Teissin Tina, que recebeu condenação de seis anos de prisão por homicídio simples, no entanto não foi preso porque a pena prescreveu; Osnir Sanches, condenado a 13 anos de prisão por homicídio qualificado e constituição de empresa de segurança privada utilizada para recrutar jagunços e executar despejos ilegais - cumpre prisão domiciliar, por questões de saúde; e Augusto Barbosa da Costa, integrante da milícia privada, que recorreu da decisão.

Denunciado apenas em 2013, o ruralista Tarcísio Barbosa de Souza, presidente da Comissão Fundiária da Federação de Agricultura do Estado do Paraná – FAEP, ligada à Confederação Nacional da Agricultura (CNA), também foi apontado como envolvido no crime, mas a decisão judicial que determinava seu julgamento por júri popular foi anulada em 2019.

Responsabilização internacional do Estado brasileiro

Em 2009, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) responsabilizou o Estado brasileiro pelo assassinato do trabalhador rural Sebastião Camargo. A Comissão reconheceu que o crime envolveu violações do direito à vida, as garantias e proteção judiciais. A ação é resultante de uma denúncia realizada por Terra de Direitos, Justiça Global, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP) ao organismo internacional, em ação contra a lentidão e não responsabilização dos envolvidos pelo sistema de justiça brasileiro.

Após estudo do caso, elaboração de relatórios e realização de audiências, a CIDH aponta em seu relatório, que “o Estado brasileiro não cumpriu sua obrigação de garantir o direito à vida de Sebastião Camargo Filho (…) ao não prevenir a morte da vítima (…) e ao deixar de investigar devidamente os fatos e sancionar os responsáveis”.

*Com informações das assessorias do MST e da Terra de Direitos

Edição: Lia Bianchini