Paraná

Pandemia

A Covid-19 anda de ônibus em Curitiba

Enquanto prefeitura nega que transporte aumente casos, taxa de mortes de motoristas na capital é o dobro da nacional

Curitiba (PR) |
"Eu não me sinto seguro", diz trabalhador que se descola de Curitiba para Araucária de ônibus - Foto: Giorgia Prates

"Curitiba não possui aglomerações nos ônibus, apenas em casos pontuais, e não tem provocado um aumento das infecções por Covid". Foi com essa declaração que o presidente da Urbs, Ogeny Maia Neto, respondeu a vereadores em sessão da Câmara Municipal. Ele foi convidado para prestar esclarecimentos em relação a um estudo divulgado pela prefeitura juntamente com o Sindicato das Empresas do Transporte Coletivo (Setransp).

De acordo com a prefeitura, "o rastreamento, o Centro de Epidemiologia da secretaria cruzou o banco de dados dos testes positivos para Covid-19 com os CPFs dos usuários do cartão-transporte da Urbs". O estudo foi apresentado na semana em que o presidente da Associação Comercial do Paraná, Camilo Turmina, questionou a adoção da bandeira vermelha em Curitiba e o fechamento do comércio, falando do papel dos ônibus no avanço da pandemia na capital. "O ônibus é lugar latente de coronavírus. 50% de ocupação dos ônibus é de quatro pessoas por metro quadrado. Não tem como enxugar gelo. Não parem o comércio, comércio é vida. Comércio é emprego e renda", criticou.

Trabalhadores sofrem

De acordo com dados do Sindicato dos Cobradores e Motoristas de Ônibus de Curitiba (Sindimoc) até o fechamento desta matéria, cerca de 62 trabalhadores morreram por conta da Covid-19. O dado revela o dobro da taxa de óbitos proporcional ao número total, de 0,4, e a média nacional é de 0,2.

Para o presidente do Sindicato, Anderson Teixeira, os trabalhadores estão diariamente expostos. "Temos solicitado à prefeitura vacinas e EPIs [Equipamentos de Proteção Individual] para nossa base, e na medida do possível estamos sendo atendidos, mas não garante total proteção", conta.

Estudo da prefeitura?

Para especialistas, vereadores, trabalhadores e usuários, o estudo da prefeitura não é conclusivo. Para o usuário Luis Gustavo de Oliveira, 23, que mora no bairro Fazendinha e trabalha em Araucária, na região metropolitana, não houve redução nos principais entroncamentos, e nos horários de pico os ônibus continuam cheios. "Eu não me sinto seguro, mesmo que eles façam a limpeza, eles não param durante o dia, e pessoal sem máscara no ônibus é normal", revela.

O vereador Dalton Borba (PDT) enviou questionamentos para a prefeitura em relação ao transporte. O parlamentar questiona a base de cruzamento de dados entre Urbs e Saúde. "Sabe-se que há um grande número de assintomáticos ou com sintomas leves, que acabam não realizando testes e que também são usuários do transporte público. Esse número de pessoas não pode interferir nos resultados obtidos e não houve a consideração destes na metodologia realizada", questiona.

Para o infectologista e epidemiologista Dr. Moacir Pires Ramos, a literatura científica sobre o transporte coletivo e a pandemia foi feita apenas em países da Europa, Ásia e América do Norte, com estruturas mais avançadas e disponibilidade para usuários. Pires afirma que a possibilidade de infecção dentro do ônibus, sem o respeito ao distanciamento de mais de 1 metro e uso de máscara com boa vedação, é enorme.

"Se existe aglomeração dentro do ônibus, a falha é do sistema, se não existe distanciamento de 1 metro, 1,5 metro é aglomeração". O infectologista ainda critica a metodologia da pesquisa da prefeitura. "E será que o cartão transporte consegue garantir a identificação e o cruzamento com os dados da Saúde? O período de incubação é de dois a sete dias, mas pode ser estendido de 10 a 14 dias, então eu posso estar no transporte hoje e apresentar só daqui 10 dias, e utilizar o cartão de outro", explica.

Pires Ramos defende ainda que para Curitiba ter um lockdown de fato, como feito na Europa, o transporte coletivo deveria ser paralisado. "Transporte urbano deveria ser só para trabalho essencial. Ônibus serviria só para isso, e você deveria se identificar e avisar para onde irá se deslocar", reflete.

Edição: Frédi Vasconcelos e Lia Bianchini