Paraná

Resistência negra

Estatísticas mascaram violência contra juventude negra do Paraná

Problemas como autoidentificação e subnotificação afetam números

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Pesquisadores destacam invisibilidade da população negra no estado e falta de registro de casos de violência
Pesquisadores destacam invisibilidade da população negra no estado e falta de registro de casos de violência - Giorgia Prates

A mais recente pesquisa sobre violência no Brasil, divulgada pelo Atlas da Violência 2019, mostrou dados de dois anos anteriores, mostrando que 75,5% das vítimas de assassinato em 2017 eram indivíduos negros e em 2016, eram 71,5%. O Paraná aparece como um dos estados com índices menores, porém, pesquisadores e militantes do movimento negro analisam de forma cítrica estes dados, destacando a invisibilidade da população negra no estado e a falta de registro de casos de violência.

“O Paraná sempre procurou apagar a presença negra da sua história. Há um esforço por parte do poder público em construir uma imagem em que a presença negra apareça como insignificante no estado, afetando dados e políticas de inclusão, apesar de termos uma população negra em torno de 30%”, diz a professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Dra. Megg Rayara Gomes de Oliveira, que atualmente coordena o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro da instituição.

Com relação ao mapa da violência, a professora diz que há, por exemplo, o problema da heterodeclaração das vítimas. “Pessoas negras com pele mais clara são consideradas brancas e isso interfere no resultado destes levantamentos”, explica.

Vítima de violência policial por várias vezes no centro de Curitiba, capital do Paraná, o advogado e militante do movimento negro, Renato Freitas, também defende que os dados carecem de análise crítica. “Só recentemente os perfis de pessoas mortas e presas vêm sendo organizados no Brasil. E, aqui no Paraná, por exemplo, não temos estes dados organizados”.

Na última eleição, ao distribuir panfletos da sua campanha como candidato a deputado estadual, Renato foi abordado com violência por guardas municipais, no centro de Curitiba. O militante acredita que é preciso contextualizar os casos e denúncias. “A violência contra a juventude negra não se dá apenas de forma direta, mas ocorre também através da política higienista no centro da cidade, em que negros são alvos de abordagens policiais, que faz parte, inclusive de um movimento de empurrar a população negra para as margens da cidade”, afirma.

Desde cedo

Já para a fotógrafa e militante do movimento negro, Giorgia Prates, a violência, além de ser estrutural, acontece desde muito cedo. “A criança cresce num contexto de violência, sendo excluída, crescendo sem perspectiva de vida e tendo que aprender a lidar com a realidade marcada por diversas violências”, pontua. Apesar da escola ser apontada em vários estudos como possibilidade de combate ao racismo e à violência, de acordo com o Censo Escolar de 2015, a diversidade racial não está na pauta de 52% das escolas públicas no Brasil.

Nenhuma Vida a Menos

Em agosto de 2019, foi criada, em Curitiba, a Rede Nenhuma Vida a Menos, por pessoas interessadas em organizar um espaço coletivo para contribuir com o fim do genocídio e encarceramento em massa do povo negro. Atualmente, ela reúne militantes do movimento negro, profissionais de diversas áreas que possam prestar auxílio a vítimas e famílias das vítimas. Segundo o jovem estudante de Direito Mateus Santo, que integra a coordenação, nestes poucos meses de existência do movimento, vários casos de violência chegaram até eles. “Já lidamos com cinco casos de agressão feita por policiais contra negros e dois casos de prisão arbitrária”, conta.

A Rede busca também desmistificar a visão de Curitiba como cidade modelo e denunciar os casos constantes de violações de direitos humanos contra a população periférica. A comunicação com a Rede Nenhuma Vida a Menos pode ser feita via redes sociais.

Edição: Lia Bianchini