Paraná

Resistência Negra

Primeiro quilombo titulado no Paraná ainda luta por terra

Justiça manda Incra fazer titulação integral da comunidade Paiol de Telha em 180 dias

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Título conquistado após determinação judicial concede o domínio coletivo de 225 hectares de terra
Título conquistado após determinação judicial concede o domínio coletivo de 225 hectares de terra - Franciele Petry

Mais de 15 mil comunidades quilombolas espalhadas pelo território brasileiro mantêm-se vivas e atuantes, lutando pelo direito de propriedade de suas terras, consagrado pela Constituição Federal desde 1988. Essa é a luta da Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha, que, ao longo dos anos de luta, teve inúmeros direitos violados. Atualmente, moradores da comunidade aguardam cumprimento pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), após determinação judicial, da titulação de toda área. 

Situado no interior do Paraná, no município de Reserva do Iguaçu, a aproximadamente 358 quilômetros de Curitiba, o Paiol de Telha é a primeira comunidade quilombola a ser parcialmente titulada no Paraná. O título conquistado, após determinação judicial, em abril de 2019, concede o domínio coletivo de 225 hectares de terra que formam o território tradicional - uma pequena parte dos 2,9 mil hectares reconhecidos pelo Incra como terra de direito da comunidade. Originalmente, a comunidade negra habitava parte da Fazenda Capão Grande, área também conhecida por Fundão, deixada como herança aos trabalhadores escravizados, em 1860, pela então fazendeira Dona Balbina Francisca de Siqueira.

Segundo Danielly Rocha dos Santos, vice-presidente da Associação da Comunidade Paiol de Telha, “apesar desta grande conquista, ainda o território titulado é pequeno para as mais de 400 famílias que aqui residem. Temos muita gente vivendo em situação de vulnerabilidade social. Por isso, nossa luta continua, para que o restante da área seja titulado".

Justiça dá prazo para Incra titular o restante da área 

Em março de 2019, a juíza federal Sílvia Regina Salau Brollo, da 11ª Vara Federal de Curitiba, concedeu liminar para obrigar o Incra a titular uma área de 225 hectares, que já tinha recursos para desapropriação disponíveis desde 2016. A juíza ainda determinou que a União repasse ao Incra o montante de 23 milhões de reais, no prazo de 6 meses, para que seja dado seguimento à titulação. 

No último dia 21 de outubro, após o Incra recorrer do prazo, outra audiência foi realizada e a comunidade teve ganho de causa com uma nova determinação de 180 dias, a ser encerrado em março de 2020. Para Danielly, com esse cumprimento, parte das famílias que estão fora do território poderão começar suas vidas com dignidade. “Conforme a titulação for sendo conquistada, poderemos receber estas famílias e enfim começar a viver fazendo bom uso da terra, assim como nossos antepassados”, diz. 

“Só ficarei em paz quando todo meu povo estiver dentro da nossa terra”

Uma das lideranças da Comunidade Paiol de Telha, Dona Ana Maria Santos da Cruz, de 70 anos, viveu no chamado Fundão com seus pais e diz que lembra, lá pelos seus 3, 4 anos, ouvir as histórias sobre seus antepassados e a terra que ocupavam. “Foi aí que entendi que estávamos na nossa terra, que era uma herança de Dona Balbina ao libertar meus parentes e meu povo da escravidão”, explica. Há, porém, um percurso de encontros e desencontros entre Dona Ana e o Paiol de Telha. Para seguir os sonhos do pai, que almejava conhecer “outros mundos”, foram embora do território quando ela estava perto de 12 anos. Dona Ana foi retornar para o território 30 anos depois.

Após se aposentar como professora de Matemática, aos 42 anos, Dona Ana um dia leu uma notícia de jornal sobre a ocupação de parte do território de Reserva do Iguaçu. Foi nesse momento que decidiu voltar. “Então senti minha grande missão pulsando no coração: ajudar o meu povo humilde na luta por seus direitos”, conta. E foi realmente isso que aconteceu, Dona Ana passou a ser designada para participar de reuniões em Brasília, no Incra e dar curso de formação. Até hoje, aos 70 anos, ela permanece na luta. “Prometi aos meus antepassados que só ficarei em paz quando todos estiverem dentro do território”, afirma. 

Histórico

1860: Como herança da fazendeira Balbina Siqueira, parte das terras da Fazenda Capão Grande vai para um grupo de 11 trabalhadores escravizados que ali viviam.

1960: Cerca de 300 famílias que viviam naquelas terras foram violentamente expulsas.

1970: Grande parte da área fica sob posse de colonos europeus ou descendentes cooperados da Cooperativa Agrária Agroindustrial Entre Rios, que ajuizou ação para impedir o trabalho do Incra para a titulação do território quilombola.

1996: Incra assenta parte da comunidade em um Projeto de Assentamento de Reforma Agrária.

2005: Fundação Palmares concede certificação quilombola à Comunidade.

2013: TRF-4 vota pela continuidade da atual política para titulação de territórios quilombolas contra ação movida pela Cooperativa Agrária Agroindustrial.

2019: Paiol de Telha torna-se o primeiro território quilombola titulado no Paraná, ainda que de forma parcial.  

 

Edição: Lia Bianchini