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Educação

Escola Sem Partido: amordaçar os professores para aprofundar os ataques à educação

Uma das pretensões da “Lei da mordaça” é o ataque à liberdade, que é uma das conquistas da sociedade moderna

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
O partido do Projeto de Lei Escola Sem Partido, é o partido único. Impõe o pensamento único
O partido do Projeto de Lei Escola Sem Partido, é o partido único. Impõe o pensamento único - Cleia Viana/Agência Câmara

No estado do Paraná, o Projeto de Lei Escola Sem Partido (606/2016) voltou à discussão. No dia 28 de novembro, a Comissão de Educação da Assembleia Legislativa aprovou parecer favorável e em breve o projeto pode ser votado no plenário da Assembleia Legislativa (Alep). Essa provação contraria a Constituição Federal em seu artigo 206, que prevê “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas [...]”.

Em decisão recente, o STF suspendeu cautelarmente a aprovação da Lei Escola Sem Partido no estado de Alagoas. Em 2016, o MPF, por meio da Procuradoria Federal Dos Direitos do Cidadão, emitiu a Nota Técnica nº 1/2016 sobre a inconstitucionalidade da referida Lei. Em novembro de 2018, o governado do Paraná emitiu nota contra o referido projeto de lei. Ainda assim, os deputados da Comissão de Educação da Alep insistem em aprovar a lei.

Uma das pretensões da “Lei da mordaça” é o ataque à liberdade, que é uma das conquistas da sociedade moderna que se firmou como valor universal a partir da Revolução Francesa (1789). A respeito da liberdade, Rousseau (1712-1778) em sua obra Do Contrato Social, alerta “Povos livres, lembrai-vos desta máxima: A liberdade pode ser conquistada, mas nunca recuperada”. Rousseau, assim como os iluministas, defendia o domínio da razão sobre a visão teocêntrica. A filosofia Iluminista contribuiu para que a burguesia se fortalecesse e, após a Revolução Francesa difundisse tais ideais, legitimando a organização político-ideológica do capitalismo. Como marco desse movimento destaca-se a os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, dentre outros.

No século 18 e 19, o Iluminismo também alimentou o otimismo com as ciências e com as técnicas. No entanto, no século 20 e 21, muitos desses avanços foram responsáveis pela concentração de renda, pelo aumento da pobreza, legitimou imperialismos, colonialismos e, ainda hoje, não foram suficientes para que problemas como a fome, sejam resolvidos, visto a lógica capitalista do acúmulo. Pelo contrário, presenciamos a ampliação do abismo social e econômico existente produzindo ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres.

As reflexões iniciais nos ajudam a ampliar o contexto em discussão sobre a Lei da Escola Sem Partido e a tentativa de impor a mordaça aos professores, em pleno século 21. O partido do Projeto de Lei Escola Sem Partido, é o partido único. Impõe o pensamento único! Apresenta-se sob viés da neutralidade, no entanto, está carregado de ideologia. Ao impor o silenciamento aos professores diante das questões sociais, econômicas, políticas, de orientação sexual e de gênero, a “Lei da mordaça” nos remete também a períodos sombrios da história do Brasil, como a ditadura militar (1964-1985), em que se criminalizava o pensamento e qualquer ação que divergisse do poder e da ideologia imposta pelos militares.

A lei da mordaça do século 21, ao criminalizar o estudo das questões políticas, sociais e ideológicas e de gênero, impõe, por exemplo, que não se discuta os limites e as consequências oriundas das concepções liberais e do capitalismo que ao longo dos séculos 19, 20 e 21 produziu uns poucos bilionários à custa da miséria e da pobreza da imensa maioria da população. Dados publicados pelo IBGE, em 2018, apontam para o crescimento da pobreza no Brasil, chegando a 15 milhões de pessoas. Conforme dados da ONG Oxfam, 6 brasileiros possuem a mesma riqueza que 100 milhões de brasileiros.

As questões relacionadas à orientação sexual, ignoradas pelos autores e entusiastas da lei, desconsideram que nos últimos anos os casos de doenças sexualmente transmissíveis, violência doméstica, homofobia e feminicídios aumentaram. Desconsideram ainda que, após atividades de orientação em relação a essas temáticas, ocorrem casos de estudantes que denunciam abusos sexuais, muitos deles cometidos por pessoas próximas à vítima.

Assim como na Idade Média se punia os hereges, os opositores políticos, as mulheres consideradas bruxas, pretende-se punir professores/as em pleno século 21. Na Idade Média utilizava-se variados instrumentos de tortura, executados por carrascos. A maioria desses instrumentos levavam a pessoa à morte. No século 21, buscam a aprovação da lei, para legitimar a perseguição, o denuncismo, a criminalização e a punição.

A lei “Escola Sem Partido”, ao amordaçar os professores abre caminho para que os governantes de plantão aprofundem os ataques à educação. O futuro ministro da educação do governo eleito afirmou que os jovens precisam sair do “segundo grau” (palavras do ministro) direto para o mercado de trabalho. Essa visão reforça a lógica neoliberal de que o filho do trabalhador só deve saber ler e fazer contas. Nessa lógica, o estudante não precisa saber pensar, refletir, entender filosofia, história, geografia, sociologia. Cabe à escola a formação de mão de obra barata para o mercado voraz, sedento pela retirada de direitos dos trabalhadores com vistas à ampliação dos seus lucros.

A tentativa de amordaçar os professores é, também, a tentativa de calar a educação e a ciência para que prevaleçam o pensamento único, o cerceamento das liberdades a fim de criar uma escola e uma sociedade fundamentalista e ditatorial. Esse contexto nos remete a Paulo Freire, patrono da educação brasileira que afirmava: “Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica”.

Em tempos de anúncios diários de retrocessos na educação, na liberdade de ensinar e nas condições de trabalho e de valorização dos professores, a necessidade de fortalecer a luta em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade, a democratização da educação, a luta por direitos e pela cidadania se faz ainda mais necessária e urgente!

 

*Regis Clemente da Costa é professor de Filosofia da Rede Estadual de Educação do Paraná, Doutorando em Educação na UEPG.

Edição: Pedro Carrano