Paraná

AGROECOLOGIA

Colapso ambiental é resultado da mercantilização da terra, diz ‘Chavoso da USP’ na 21ª Jornada de Agroecologia

Ana Chã (MST) e Maria Isabel Limongi participaram de conferência no terceiro dia da Jornada, em Curitiba

Brasil de Fato PR | Curitiba (PR) |
[da esquerda para a direita] Ana Chã, Thiago Torres (Chavoso da USP) e Maria Isabel Limongi participaram de conferência no terceiro dia da Jornada, em Curitiba. - Foto: Lia Bianchini

Por Karina Ernsen, com fotos de Lia Biachini

Em um cenário marcado por crises ambientais, desigualdades sociais e a hegemonia de narrativas que exaltam o agronegócio como motor da economia nacional, as reflexões propostas pela Jornada de Agroecologia ganham força e urgência. A partir de debates com acadêmicos, lideranças sociais e ativistas, emerge uma questão central: como enfrentar a crise climática e as desigualdades estruturais promovidas pelo modelo capitalista, ao mesmo tempo construir um caminho para um futuro sustentável e justo?

Enquanto o agronegócio utiliza estratégias de marketing, como o “agronejo”, para maquiar seus impactos negativos, movimentos como o Movimento Sem Terra (MST) defendem a agroecologia que mais que um modelo de produção sustentável, a agroecologia propõe uma transformação profunda das relações entre sociedade, economia e natureza, baseada na coletividade e na justiça social.

Outro desafio, em consonância com a crise climática, é o racismo ambiental afetando desproporcionalmente as populações mais vulneráveis. Nesse contexto, o MST, com suas práticas de organização coletiva e defesa da reforma agrária, surge como um símbolo de resistência e uma fonte de inspiração para repensar a relação com a terra e o meio ambiente.

Na conferência do dia 06 de dezembro, terceiro dia da 21ª edição da Jornada, destacou-se que a luta pela sobrevivência humana é também uma batalha ideológica. A conferência reuniu os intelectuais Maria Isabel Limongi, doutora pela USP e professora da UFPR, Thiago Torres, o “Chavoso da USP” youtuber, palestrante, professor e sociólogo formado na USP, e Ana Chã, mestre em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe. A desconstrução das narrativas do agronegócio e a valorização de saberes ancestrais, como os das populações indígenas, são passos essenciais para construir uma sociedade que respeite a natureza e valorize a vida em todas as suas formas.

Thiago Torres, o Chavoso da USP: A Conexão entre Favela e Campo

Thiago Torres, conhecido como Chavoso da USP, trouxe uma visão que conecta as periferias urbanas e as comunidades rurais. Filho de pequenos agricultores, ele ressaltou como a cultura e os hábitos do campo permanecem vivos nas favelas. “Nas favelas e comunidades criam-se galinhas, cabras, porcos, são pequenas roças”, observou, destacando a diáspora rural que recria práticas agrícolas nas cidades.


Thiago Torres, o Chavoso da USP. Foto: Lia Bianchini

Chavoso defendeu uma visão da terra como sagrada, resgatando a relação ancestral com a natureza. Para ele, o colapso ambiental atual é consequência da mercantilização da terra, um modelo de exploração iniciado com a colonização. “O futuro é ancestral”, afirmou, argumentando que precisamos aprender com os povos originários e comunidades tradicionais para reverter a crise climática.

Ele também criticou o agronegócio por perpetuar desigualdades e racismo ambiental. “Enquanto os bairros nobres não enfrentam enchentes, as periferias sofrem com mortes e destruição causadas pelo desequilíbrio ambiental.” Para ele só será possível salvar a atual geração com um novo modo de produção, baseado no ecossocialismo e na construção coletiva de um futuro mais justo.

O Desafio da Nossa Geração: Uma Reflexão da Professora Maria Isabel Limongi

A professora Maria Isabel Limongi, da UFPR, trouxe uma provocação profunda sobre o momento de crise ambiental e social que enfrentamos. Para ela, vivemos um desastre ecológico sem precedentes, resultado de um sistema capitalista que explora recursos naturais e humanos de forma insustentável.

“Como sociedade, estamos paralisados diante dessa catástrofe, enquanto movimentos como o MST estão agindo e mostrando caminhos”, afirmou. Limongi destacou a importância da organização política e social para enfrentar essa crise. Segundo ela, não há solução individualista: o problema é coletivo e exige ações coordenadas e rápidas.


Maria Isabel Limongi, professora da UFPR. Foto: Lia Bianchini

A professora apontou ainda que a sociedade está dividida entre negação, pânico e melancolia, e que é necessário construir um horizonte político baseado na ecologia social, que reconheça que os problemas ambientais são intrinsecamente sociais. “O MST nos dá um exemplo de organização, lutando pela reforma agrária e pela agroecologia como respostas concretas à crise.”

Ana Chã: A Ofensiva Cultural do Agronegócio e a Resistência do MST

Ana Chã, do Coletivo de Cultura do MST, chamou atenção para a batalha cultural travada pelo agronegócio nas últimas décadas. Segundo ela, campanhas como “O Agro é Pop” e o financiamento de gêneros musicais como o agronejo são estratégias ideológicas para legitimar práticas exploratórias.


Ana Chã, do Coletivo de Cultura do MST. Foto: Lia Bianchini

“O agronegócio investe pesadamente em narrativas que mascaram seus impactos ambientais e sociais”, afirmou. Ana destacou que a publicidade do agro evoluiu para incluir discursos de sustentabilidade e diversidade, enquanto segue concentrando terra e recursos.

Por outro lado, o MST aposta em atividades educativas e mobilizações sociais para mostrar que uma organização baseada na reforma agrária e na agroecologia é viável e necessária. “Precisamos disputar corações e mentes, mobilizar mais gente para o nosso lado. Essas atividades são fundamentais para mostrar que é possível organizar a sociedade de forma coletiva, em harmonia com a natureza.”

O MST como Protagonista na Luta pela Justiça Ambiental e Social

Os debates da Jornada da Agroecologia reforçam o papel central do MST na construção de alternativas ao modelo capitalista. Seja pela produção agroecológica, seja pela disputa de narrativas culturais, o movimento se posiciona como uma força organizada diante da crise climática e da desigualdade social.

Como ressaltou Maria Isabel Limongi, “salvar o planeta exige transformar as relações sociais, enfrentar o poder do agronegócio e fortalecer a democracia”. Thiago Torres e Ana Chã complementam essa visão ao mostrar que a resistência não está apenas no campo, mas também na periferia e na cultura popular.


Fotos: Lia Bianchini 

A Jornada da Agroecologia reafirma que o futuro depende da nossa insistência em agir coletivamente. O desafio é grande, mas a luta pela terra e pela vida continua sendo uma batalha de ideias essencial e um convite para refletir e agir: diante de um cenário de colapso ambiental e desigualdade crescente, como podemos construir um futuro que promova a justiça social, a ecologia e a solidariedade? A resposta passa pela organização coletiva e pela transformação radical do sistema atual.

O evento segue até domingo (8), no Centro Politécnico da UFPR. Este ano a Jornada de Agroecologia conta com o patrocínio da CAIXA, Itaipu Binacional, Correios, Fundação Banco do Brasil e Governo Federal, e apoio da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Paraná (Seab), Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e do Desenvolvimento Social (MDA), Cooperativa de Crédito Cresol e Cooperativa Central da Reforma Agrária (CCA).

Edição: Lucas Botelho