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Direitos sociais

Anúncio que o HC fará duas cirurgias para homens trans traz esperanças e expetativas para o futuro

Primeiros passos para cirurgias de afirmação de gênero em Curitiba representam avanço histórico, mas expõem desafios

Paraná (PR) |
Hospital de Clínicas (HC) anunciou que, até o final do ano, serão realizadas duas cirurgias para homens trans. - ASCOM/HC-PR

Durante a reunião entre representantes da sociedade civil e profissionais da saúde, que ocorreu no final do mês de novembro no Auditório da Secretaria de Saúde do Paraná, foi anunciado que o Hospital de Clínicas (HC) até o final do ano  realizará duas cirurgias para homens trans: mastectomia (remoção das mamas) e histerectomia (remoção do útero). O anúncio é fruto de uma luta de mais de uma década por parte do movimento social, que tem enfrentado a burocracia e a falta de infraestrutura para implementar portarias do Ministério da Saúde, como a 2803/2013 e a 2836/2011, que garantem direitos à saúde da população LGBTQIA+.

A advogada Gisele Szmidt, presidente da Comissão da Diversidade Sexual e Gênero da OAB, celebrou o avanço, mas fez críticas à morosidade do sistema público: "É inadmissível que o SUS ainda não tenha um fluxo constante de cirurgias de redesignação sexual. Escusas sobre falta de médicos ou centros cirúrgicos são inaceitáveis. A justiça já obriga planos de saúde a custearem essas cirurgias, e é provável que precisemos recorrer novamente para que o SUS garanta esse direito."

Dados recentes mostram que o acesso à saúde ainda é extremamente precário para a população trans. De acordo com pesquisa da PUCRS, 55,4% dos homens trans e 39,3% das mulheres trans nunca conseguiram prescrição médica para hormonioterapia. Além disso, 64,2% da população trans não tem condições financeiras de pagar por cirurgias de afirmação de gênero ou procedimentos relacionados, o que os deixa dependentes de um sistema público sobrecarregado e limitado.

Apesar dessas barreiras, o SUS oferece conquistas importantes, como o reconhecimento do nome social e o processo transexualizador, que abrange terapias hormonais, cirurgias e acompanhamento multiprofissional. Ainda assim, a dificuldade de acesso a especialistas, como ginecologistas e urologistas, e a falta de políticas específicas nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) tornam o atendimento fragmentado e insuficiente.

Uma conquista coletiva

A ativista trans Renata Borges destacou o caráter histórico do anúncio do HC: "Chegamos a esse momento graças a muitas mãos e anos de luta. Os desafios eram enormes: desde a defasagem na tabela do SUS até a falta de equipes capacitadas. O comprometimento do secretário de Saúde, Beto Preto, em olhar para nossas vulnerabilidades, é um avanço que nos faz sentir pertencentes ao sistema público."

Já Fabian Algarte, do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade, enfatizou o impacto direto que as cirurgias têm na saúde física e mental da população trans: "Esses procedimentos não são apenas cirúrgicos; são um passo para a construção da dignidade e para a melhoria da qualidade de vida das transmasculinidades."

Um futuro de incertezas

Embora o anúncio represente uma vitória, ele também expõe a complexidade de implementar políticas de saúde inclusivas em um país marcado por desigualdades regionais e por uma agenda política frequentemente adversa aos direitos LGBTQIA+. Estados como São Paulo restringiram atendimentos à demanda interna, enquanto locais como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul enfrentaram desmantelamentos de programas fundamentais.

Para o futuro, o HC já sinalizou que as cirurgias de afirmação de gênero para mulheres trans serão o próximo passo, o que exigirá ainda mais articulação entre movimentos sociais e gestores públicos.

Edição: Ana Carolina Caldas