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Eleições 2024 - Inflexões para o futuro - Alinhar o governo Lula com as pautas sociais

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A direita e da extrema-direita avançaram no comando de milhares de municípios brasileiros.
A direita e da extrema-direita avançaram no comando de milhares de municípios brasileiros. - Paulo Pinto / Agência Brasil
É preciso reverter todo o entulho extremista da educação pública

Nesta última parte da avaliação sobre as eleições municipais de 2024 quero chamar a atenção para um aspecto que considero singular para entender o avanço da direita e da extrema-direita no comando de milhares de municípios brasileiros. Refiro-me a ausência de disputas ideológicas e de posicionamentos do governo Lula em temas fundamentais da conjuntura nacional, notadamente, no que diz respeito à educação pública.

Em um contexto no qual o campo político situado à direita controlará, a partir de janeiro de 2025, milhares de prefeituras, além de exercer hegemonia na maioria das câmaras legislativas por todo o Brasil, as tentativas de minimizar os ganhos  eleitorais desse espectro e, por outro lado, ressaltar a parca ampliação de prefeituras sob o comando do Partido dos Trabalhadores (PT), não condiz com a realidade. Cabe destacar que as novas gestões petistas são de municípios pequenos, enquanto os demais partidos cresceram em cidades com mais de 200 mil habitantes, sem falar nas capitais brasileiras, onde o PT venceu apenas em Fortaleza.

Além disso, com o fim do segundo ano de mandato se aproximando, o governo Lula se mantém preso às amarras da governabilidade. Até o momento, tudo indica se tratar de um governo de transição entre aquele que foi a expressão caricata do fascismo, a serviço do furor capitalista por explorar até a última gota de sangue dos pobres e excluídos, e um próximo período, no qual, ou a violência contra os de baixo se converte na única resposta do Estado às nossas reivindicações, ou um governo liberal democrata de fachada, que, igualmente, recorrerá à repressão para garantir a exploração e a expropriação dos subalternizados, mantendo, no entanto, alguns direitos civis e políticos. Os sociais continuarão sendo atacados, independentemente da farsa histórica que se vislumbra.

Essa caracterização se dá a partir do seguinte questionamento: ao final do seu governo, qual será o legado de Lula que nos permitirá perspectivar nossas vidas para além das eleições a cada dois anos, sem medo da crescente ameaça fascista e da violência cotidiana contra os de baixo? 

Alinhamento com os retrocessos na Educação - Privatização, militarização e reforma do ensino médio

A reforma do ensino médio instituída por Temer, imediatamente após o golpe de 2016 contra Dilma, através do mecanismo antidemocrático da medida provisória, e convertida em lei no ano seguinte, representou um severo ataque à essa importante etapa da educação básica em favor dos interesses privatistas. 

Duramente criticada por movimentos sociais e pesquisadores do tema, teve sua longevidade garantida, contraditoriamente, com o novo mandato de Lula que, desde a equipe de transição, formada em 2022, até o processo de consulta pública em 2023, garantiu a intensa participação do setor privado no debate educacional.

Por óbvio, aqueles que estavam atentos aos arranjos da equipe de transição não esperavam uma postura mais avançada do executivo. A expectativa, entretanto, era que Lula chamasse as entidades dos trabalhadores da educação básica e dos professores que atuam nas licenciaturas para fazer um diagnóstico do ensino médio brasileiro antes mesmo de assumir.

Outra demanda significativa dos movimentos sociais e dos sindicatos do magistério, base social de apoio aos sucessivos governos petistas, era a revogação da reforma do ensino médio e a necessidade de se fortalecer a educação tecnológica e profissional oferecida pelos Institutos Federais.

O caminho trilhado por Lula tem sido, todavia, de não enfrentamento ao empresariado e aos pilares do extremismo impostos por Bolsonaro à educação pública. É importante ressaltar que, apesar de ter, corretamente, encerrado o programa de militarização das escolas em âmbito federal, nada fez para conter o impulso militarista nos estados. O governo federal poderia ter apresentado um programa de desmilitarização da educação a partir de incentivos fiscais para os estados que abandonassem esse projeto fascistizante da educação pública. O mesmo pode ser dito sobre o avanço da privatização das escolas, principalmente nas redes estaduais.

Nesses três temas, o governo federal optou por evitar uma disputa direta com a sociedade. Na questão da militarização das escolas, Camilo Santana utilizou um argumento de caráter essencialmente burocrático, citando a inadequação legal. Em relação à reforma do ensino médio, a justificativa foi o respeito aos ritos democráticos. Já no caso das privatizações, vale lembrar que Dilma promoveu a gestão privada dos hospitais universitários por meio da criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), enquanto Lula, em 2004, foi responsável pela proposta que resultou na regulamentação das Parcerias Público-Privadas (PPPs).

A política que melhor esboça os limites do governo Lula na área educacional é o Programa Pé-de-Meia. As bolsas ofertadas aos alunos do ensino médio e de cursos de licenciatura não resolvem as condições estruturais da vida dos jovens nem enfrentam os problemas que tornam a carreira docente pouco atrativa. 

O afastamento dos jovens do magistério e o abandono da docência por parte dos professores, efetivos e temporários, estão diretamente relacionados aos baixos salários, à sobrecarga de trabalho, ao descumprimento dos planos de carreira e às sucessivas reformas da previdência, que aumentaram o tempo de contribuição e a idade para aposentadoria, diminuíram os vencimentos e ainda impuseram uma taxação de 14%. 

Esse cenário tem sido agravado pelo intenso processo de plataformização da educação, pela uberização do trabalho docente e, fundamentalmente, pelo crescente adoecimento de professores e professoras pelo exercício da profissão. Sem alterar essa estrutura, a docência continuará a enfrentar condições cada vez mais degradantes de vida e trabalho. Incentivar os licenciandos a ingressar no magistério por meio de bolsa não é suficiente. Torna-se imprescindível políticas de valorização daqueles que já estão nas salas de aula de todo o Brasil.

O apoio financeiro aos estudantes de licenciatura parece, em última análise, representar um remédio paliativo, incapaz de modificar a infraestrutura que marginaliza o trabalho docente. Em outras palavras, enquanto os incentivos econômicos podem trazer novos profissionais, a dura realidade das salas superlotadas e a desvalorização do professor continuarão reproduzindo contradições que, se não os afastam da profissão, resultam em uma crescente e silenciosa epidemia de adoecimento. 

Contraditoriamente, o ajuste fiscal planejado pelo governo para os próximos dois anos não apenas limitará os já escassos recursos destinados à educação básica, mas também inviabilizará qualquer possibilidade de reverter os problemas estruturais da carreira docente, das condições de trabalho e das políticas herdadas dos governos Temer e Bolsonaro. Sem uma reforma tributária progressiva que taxe grandes fortunas, lucros e dividendos, além do fim das isenções fiscais aos empresários, o Estado permanecerá preso a um modelo que prioriza o ajuste fiscal em detrimento do investimento em áreas sociais estratégicas, como a educação. Não haverá “pé-de-meia” suficiente para lançar as juventudes ao inglório desafio de enfrentar uma sala de aula.

Até agora, o governo Lula não reverteu medida alguma imposta por Temer e Bolsonaro à educação pública. Ao contrário, o que vimos até o presente momento, foi o corte de verbas da Educação e da Saúde, contando, inclusive, com a complacência do movimento sindical hegemônico, o mesmo que, diante dos cortes efetivados por Temer e Bolsonaro, ocupou as ruas.

O silêncio dos sindicatos que representam os trabalhadores e trabalhadoras da educação frente a tal situação é um indício de que a luta contra mais esse ataque precisará ser travada por fora do sindicalismo governista. Passados dois anos do governo Lula, seu legado, até o presente momento, aponta para a manutenção de todas as condições favoráveis à exploração, expropriação e opressão das classes trabalhadoras e do povo pobre e oprimido.

A manutenção da BNCC e da reforma do ensino médio em favor dos interesses privados, a conivência do governo federal frente ao avanço da militarização, da privatização e do fundamentalismo religioso na educação, deixando a sociedade refém de um projeto conservador e autoritário, começam a se consolidar como elementos estruturais da educação básica. 

Sem a reversão de tais políticas, impulsionada por um movimento expressivo, disposto a caminhar até as últimas consequências, livre do governismo e da partidarização, e capaz de pautar o governo federal e o MEC, continuaremos presos à espera ilusória de que apenas as eleições poderão evitar o retorno daqueles que não apenas nos desejam a morte, mas que, cotidianamente, nos colocam diante dela.


Leia outros artigos de Rossano Rafaelle Sczip em sua coluna no Brasil de Fato PR


*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Mayala Fernandes