No Paraná, o Ministério Público registrou 204 denúncias de crimes cometidos em razão da cor contra negros no período de um ano.
Segundo o anuário Brasileiro de segurança pública, em 2023, 76,5% das mortes violentas ocorreram com negros.
83,1% das vítimas mortas aconteceram após intervenções policiais.
O país atingiu o maior número de estupros da história. São 74.930 vítimas em 2023. Um crescimento de 8,2% em relação a 2021.
Após a política de cotas, em 2022, 46% dos estudantes do ensino superior eram negros.
No Paraná, para cada branco que conclui curso na universidade pública federal, apenas 0.23 preto se forma.
Dados do DIEESE mostram que, nacionalmente, os pretos recebem 40,35% a menos do que os brancos.
20 de novembro de 2024 - Dia da Consciência Negra - Quais são os nossos sobreviventes?
Em Curitiba, pela primeira vez, o Dia da Consciência Negra será considerado feriado. A data passa a deixar de ser facultativa após a Câmara dos Deputados ter aprovado o projeto de lei que declarou o dia 20 feriado nacional. A medida foi sancionada pelo presidente Lula em dezembro: Lei nº 14.759, de 21 de dezembro de 2023. Mais do que um feriado, a data é marcada por lutas, alguns avanços e muita esperança de conquistar espaço e direitos.
O Brasil de Fato Paraná conversou com a deputada federal Carol Dartora, a vereadora Giorgia Prates, o economista Sandro Silva, Santa de Souza, vice- presidente da Associação Cultural de Negritude e Ação Popular ACNAP. Conversou com o reitor da UFPR, Marcos Sunye. Eles falaram como é ser preto e preta no Brasil, Paraná e em Curitiba.
Pretos estão mais desocupados e ganham menos
Os números mostram como os negros são marginalizados no Brasil. Enquanto a renda média de um branco no Brasil é de R$ 4 mil, a de um preto é R$ 2,3 mil. No Paraná, um branco ganha R$ 3,8 mil e um preto R$ 2,5 mil. Ou seja, 33,39% a menos. O economista Sandro Silva, do DIEESE Paraná, explica que os números atuais são reflexo de discriminação desde o período da escravidão.
“Se a gente for olhar historicamente, nós observamos que o Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão. Quando isso aconteceu, você acabou marginalizando os negros. Houve um incentivo à imigração de europeus. Chegamos a ponto de terem leis proibindo os negros de terem propriedade. Isso reflete até hoje e no mercado de trabalho. Quando ocorre a inserção, são em trabalhos que pagam menos e mais precários, resultando em uma renda inferior aos brancos”, analisa.
O economista do DIEESE, Sandro Silva, mostra que a população negra é marginalizada no Brasil. Foto: Gibran Mendes - CUT PR
E não é apenas a renda que traz diferenças gritantes. A taxa de desocupação chega a 64,6% entre pardos e pretos no Brasil. No Paraná é de 42,3%. Quando comparados por cor, a taxa de desocupação dos pretos é 139% maior do que a dos brancos. O cenário paranaense é melhor. Mas não é digno de comemoração, como enfatiza Sandro.
“Quando a gente olha a evolução desses indicadores ao longo desses últimos anos, principalmente de 2012 para cá, em termos nacionais, essa desigualdade permanece, até piorando em alguns casos. No Paraná, de 2015, embora a taxa de desempregos de pardos e pretos tenha caído em comparação aos brancos neste período, ela ainda continua muito maior. E isso também acontece com a renda.”, comenta Sandro Silva.
Levantamento do DIEESE mostra desigualdade de oportunidades e renda - Fonte: DIEESE
As mulheres pretas
Quando o assunto é violência contra as mulheres, o Brasil tem número para se envergonhar. O país atingiu o maior número de estupros da história. São 74.930 vítimas em 2023. Um crescimento de 8,2% em relação a 2021. Desses casos, 56.820 foram estupros de vulnerável. Reforçando: dos quase 75 mil casos de estupro, 88,7% são do sexo feminino, sendo que 56,8% são negras.
Santa de Souza, é vice- presidente da Associação Cultural de Negritude e Ação Popular (ACNAP). Ela fala da importância do empoderamento feminino, do seu corpo e, principalmente, da sua comunicação. Para Santa, as mulheres precisam ser vistas, ocupar espaços políticos.
“Quando a gente fala em ações, a gente fala do empoderamento feminino, é o respeito aos nossos corpos como mulheres negras. A gente quer ser vista e respeitada como somos: na nossa negritude, na nossa estética. E, principalmente, é necessário destacar a comunicação. Temos batalhado para que as mulheres negras possam ser vistas nos meios e serem respeitadas. Quando uma mulher se destaca, sempre há mensagens de desvalorização. Por isso, também temos como pauta a participação das mulheres na política. Somos invisíveis e quando ocupamos, isso vem com a garantia de direitos e projetos de lei para nossa população”, enumera Santa.
Santa defende que as mulheres ocupem diversos espaços e tenham protagonismo. Foto: Arquivo pessoal
Santa, que é ativista dos direitos humanos e das mulheres negras, e estrategista do Instituto Marielle Franco, no projeto Ocupa, ressalta a importância do Dia da Consciência Negra e do feriado.
“Quando a gente tem, a nível de Brasil, um feriado nacional, esse é um momento de celebração, conquista e de respeito e de gratidão aos nossos ancestrais. Pois foram eles que passaram por muitas dores. Se hoje meu caminho é mais leve, é porque antes várias mulheres negras chegaram antes de mim. É um momento de avanço na história do nosso povo. A partir deste ano ele será lembrado todos os anos e com a discussão do que o 20 de Novembro representa e qual a importância da população negra na história do nosso país”, conscientiza Santa.
Elas nos representam, elas sofrem assédio
Uma parlamentar que tem se destacado e vem sendo vítima de ataques nas redes sociais, a deputada Carol Dartora, desde as eleições, ela recebeu ameaças de morte. Foram pelo menos 43 ataques racistas recentemente. A deputada resiste em um cenário que, segundo o Atlas da Violência, a Violência Psicológica teve 24.382 ocorrências em 2023.
“Não são ataques isolados. Eles fazem parte de uma estrutura de violência direcionada especialmente a mulheres negras que ocupam espaços de poder. Racismo e machismo alimentam essa onda de ódio. Há uma resistência em nos aceitar no debate público. Tenho combatido esses criminosos acionando os canais legais e expondo essas práticas. Enfrentar os ataques é fortalecer nossa luta”, encoraja Dartora.
A deputada federal Carol Dartora (PT-PR) tem sido alvo de ataques racistas e ameaças de morte. Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados
Os ataques a Carol Dartora são efeito de sua atuação parlamentar. Quando era vereadora, ela apresentou um projeto que destina vagas para pessoas pretas e indígenas no serviço público. Essa proposta foi alçada em plano nacional.
“Apresentei um projeto de lei que destina vagas específicas para pessoas negras e indígenas no serviço municipal. Uma ação fundamental para a inclusão, diversidade e representatividade. Ele faz parte da realidade de Curitiba. Esse trabalho foi ampliado nacionalmente e estamos buscando ampliar as cotas de 20% para 30%, incluindo quilombolas e indígenas nos serviços públicos”, defende.
Garantir acesso à educação e formação no ensino superior
A gente viu no começo deste texto que, após a política de cotas, em 2022, 46% dos estudantes do ensino superior eram negros. Além disso, outros dados interessantes: no ENEM deste ano, dos 4,3 milhões de inscritos, 1,8 milhões se declararam pardos e 533 mil pretos. O governo federal tem trabalhado também com a Política Nacional de Equidade. Essa política tem por objetivo implementar ações e programas educacionais destinados à superação das desigualdades étnico-raciais e do racismo nos ambientes de ensino, bem como à promoção da política educacional para a população quilombola.
E não basta apenas colocar o preto na escola e na universidade. É fundamental garantir que o jovem conclua o curso escolhido. Essa é a visão do reitor eleito da Universidade Federal do Paraná, Marcos Sunye.
Dados da UFPR em acordo com o Censo 2020 mostram que para cada branco matriculado, existem 0,28 pretos que também fazem a matrícula. Mas, de fato, o índice cai para 0,26 quando se trata de ingressantes. Por fim, para cada branco que se forma na universidade pública, apenas 0,23 preto conseguem concluir o curso. Embora ruins, os números são melhores do que 2014 quando apenas 0,16 conseguiam se matricular e 0,14 conseguiam se formar em relação a uma pessoa branca.
"A nossa primeira providência é elevar a atual Superintendência de Inclusão, Políticas Afirmativas e Diversidade (SIPAD) ao grau de pró-reitoria de políticas afirmativas e equidade com uma coordenação de étnico co-racial e uma coordenação das bancas de etno identificação. A ideia dessa pró-reitoria é tratar melhor a questão da permanência dos jovens negros na universidade. Ela também vai priorizar a criação de uma cultura antirracista na UFPR com ações de letramento racial e combate ao racismo. Nós já detectamos que ainda existe racismo institucional e isso tem que ser combatido de uma maneira muito clara”, se compromete o reitor Sunye.
Ações proativas em defesa da educação são também defendidas pela deputada federal Carol Dartora. Ela conta de seu trabalho junto ao Ministério da Educação. Além das cotas, ela demonstra preocupação com a permanência estudantil.
“Como educadora, tenho buscado parcerias e realizado ações junto ao Ministério da Educação para ampliar a inclusão de pessoas negras nas universidades. Destaco o fortalecimento da política de cotas e a luta pela permanência estudantil. Os estudantes não apenas ingressem, mas concluem sua formação superior. Trabalho em políticas que promovem a valorização da cultura afro-brasileira no currículo e incentivos à formação de professores em temas relacionados à igualdade racial. Ainda proponho um protocolo de combate ao racismo nas escolas. Quando a violência racista atinge alguém no ambiente escolar, o estado falhou em garantir o direito básico. Essa realidade precisa mudar”, defende Dartora.
Condição dos pretos em Curitiba
Vamos falar dos pretos por estas localidades: no Brasil, de acordo com o Censo, 92,1 milhões de pessoas (ou 45,3% da população do país) se declararam pardas. Destes, a região Sul mostrou a menor proporção com apenas 27,4% de pretos e pardos. Mas, no Paraná, o índice de pardos e pretos sobe para 30,1% e na capital do estado, os números divergem entre 24% e 35% da população.
Independente disso, ser preto em Curitiba é uma luta diária, segundo a vereadora Giorgia Prates. Para ela, Curitiba carrega marcas de uma histórica de exclusão e marginalização. Conta também de projetos que estão sofrendo resistência.
“Curitiba ainda carrega as marcas de uma história de exclusão, invisibilidade e marginalização da população negra. Minha partida mandata estou nesta busca de fortalecer cada vez mais a presença, a memória e a história, a cultura e o direito da população preta desta cidade. Eu dei início ao CREAFRO, demos início ao Parque África, mudamos decreto da cultura com políticas afirmativas. A questão da população preta em Curitiba é uma luta constante e cheia de obstáculos, mas que vale a pena quando nossos espaços forem garantidos e nossos direitos assegurados”, solicita Giorgia.
Vereadora Giorgia Prates fala dos desafios de ser preta em Curitiba. Foto: Fernanda Verhagen/CMC
Muitos desafios, lutas e esperanças se impõem no cotidiano da população preta. E o Dia da Consciência é mais um dia para reafirmar essas batalhas, esse reconhecimento, esse protagonismo. Nesta data, Giorgia Prates projeta o que é ser preto.
“Ser preta em Curitiba, ainda mais sendo uma vereadora negra, lésbica, é um ato de resistência, representatividade e luta por justiça social. Estar no cargo enquanto mulher negra é estar junto dos movimentos que lutam contra o racismo estrutural e que busca a inclusão de negros e negras nas políticas públicas, principalmente na educação, saúde, segurança e emprego. Essa escassez de representantes é um reflexo da dificuldade histórica. Ainda mais para as mulheres que são invisibilizadas nos espaços públicos e políticos. Ser vereadora preta é promover direitos para que a cidade cada vez mais seja um reflexo da diversidade e igualdade que todas as pessoas merecem”, direciona.
TEXTOS CONSULTADOS NA REPORTAGEM
Saúde para população negra é pauta na Câmara de Curitiba
Censo 2022: pela primeira vez, desde 1991, a maior parte da população do Brasil se declara parda
Anuário Brasileiro de Segurança Pública
Apesar do aumento de pessoas negras nas universidades, cenário ainda é de iniquidade
Monitoramento de Crimes de Racismos Denunciados no Paraná
Enem 2024 tem 4,3 milhões de inscritos confirmados.
Edição: Lucas Botelho