Vivemos um momento importante porque, às vésperas das eleições municipais, estamos impactados pela tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul. Considere-se que os eventos ocorridos naquele estado foram agravados pelas mudanças climáticas no “antropoceno”, ou seja, pelas consequências das ações dos seres humanos em um mundo industrial e capitalista, que valoriza o lucro em detrimento das condições de vida e das bases naturais de produção.
O termo antropoceno, conforme Bruno Latour (2020), refere-se à forma como alguns especialistas têm nomeado a época atual. Segundo ele, este período se caracteriza por perturbações, causadas pelos seres humanos, que mobilizam profundamente o sistema terrestre. Não se tratam mais de alterações antrópicas pontuais e circunscritas ao ambiente que circunda as sociedades, mas de transformações nas dinâmicas socioambientais em todo o globo terrestre.
Por isso, é fundamental conhecer e considerar as posturas e propostas dos candidatos às eleições na hora de decidir em quem votar, como forma de lutar contra a degradação ambiental e a injustiça social. Mas, não são apenas os riscos ambientais consumados em grandes catástrofes que devem nos despertar para essa reflexão. Cotidianamente, direitos fundamentais, como à saúde e ao ambiente salubre, são violados em nome das pautas desenvolvimentistas.
Tome-se como exemplo o Direito Humano ao Saneamento. Apesar da ONU reconhecer desde 2010 que o acesso regular à água segura e ao sistema de esgotamento sanitário são direitos fundamentais, a 14ª edição do Ranking do Saneamento, com dados de 2020 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento-SNIS (Instituto Trata Brasil, 2022), informa que mais de 30 milhões de pessoas brasileiras não têm acesso à água tratada e outras 100 milhões não têm acesso à coleta de esgoto. Ambos são serviços de utilidade pública importantes para a saúde e a dignidade. Curitiba, mesmo com 99,8% de abastecimento de água potável e 97,7% da cidade atendida por rede de esgoto, reflete a situação de outras regiões do país.
Entretanto, é preciso atenção aos dados e às análises integradas de políticas públicas para que se revele a desigualdade de acesso a estes serviços, delimitada pela dinâmica do desenvolvimento da cidade e pela segregação socioespacial. Mesmo porque, os dados oficiais acerca da cobertura se referem a situações legalizadas e não contabilizam as demandas de áreas que precisam de regularização fundiária.
Segundo um levantamento da Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab-CT), divulgado em junho de 2020, cerca de 40 mil famílias moram nas 453 ocupações irregulares da capital paranaense. Muitas dessas pessoas vivem em condições de insalubridade e estão expostas a riscos relacionados à falta de acesso aos serviços de saneamento, tais como as contaminações por doenças de veiculação hídrica e sanitária, esgoto a céu aberto e risco de enchentes.
Como se observa, o desenvolvimento de dinâmicas socioespaciais que relegam territórios inseguros e precários a populações vulneráveis está relacionado à falta de acesso aos serviços de saneamento. Assim, mesmo diante do fato de Curitiba apresentar bons índices de cobertura, a falta de acesso a esses serviços, parte da segregação socioespacial de populações vulneráveis no município, é uma questão proeminente.
Sendo assim, o desafio que se coloca é como contemplar pessoas em vulnerabilidade nas políticas e planos municipais de saneamento de forma a garantir a universalidade do acesso.
Neste momento em que o pleito eleitoral municipal se aproxima, o compromisso dos candidatos deve ser com a transparência radical e com a elaboração de propostas concretas que promovam a universalização do acesso ao saneamento, atendendo, inclusive, as parcelas mais vulneráveis da população. Já a nós, eleitores, temos a incumbência de participar ativamente dos debates, de conhecer as propostas e de cobrar a implementação de políticas públicas inclusivas, que ampliem o acesso a esses serviços. Precisamos votar cientes das propostas para o setor do saneamento e exercermos o direito ao controle social da ação pública. Estas são condições necessárias para a universalização do acesso à água potável e ao saneamento, sem “deixar ninguém para trás”, tal como recomenda o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos (ONU, 2019).
Referências
INSTITUTO TRATA BRASIL. 14ª edição do Ranking do Saneamento. São Paulo, 2022.
LATOUR, Bruno. Onde Aterrar? 1º edição. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020.
ONU – Organização das Nações Unidas. Sem Deixar Ninguém para Trás. Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos 2019. ONU, 2019.
Edição: Mayala Fernandes