Na manhã do dia 9 de julho, mais de 60 famílias foram despejadas da ocupação Tiradentes II, localizada na Cidade Industrial de Curitiba (CIC). A reintegração ocorreu em um dia de muita chuva e os termômetros mediam apenas 7ºC. Os moradores foram pegos de surpresa e tiveram que correr contra o tempo para tentar salvar seus pertences.
Sandra Josefa Ferreira, 48 anos, já havia saído de casa naquele dia. Ela trabalha com material reciclável e costuma sair às 5h da manhã. Sandra retornou para a ocupação assim que foi avisada da chegada dos policiais.
“Foi muito humilhante para a gente, praticamente todo mundo saiu sem nada. As pessoas ficaram anestesiadas sem acreditar que estavam perdendo o pouquinho que conseguiram comprar nesses anos”, desabafa.
Algumas famílias perderam tudo no despejo. Para o transporte dos pertences foram disponibilizadas caçambas de entulho. As pessoas tentavam cobrir os móveis e colocar as roupas em sacos plásticos, mas os caminhões estavam sujos de lama e a maioria das coisas estragaram.
“Uma das coisas que a Essencis fez desde o ano passado foi dizer nos autos que paga tudo o que for preciso para o despejo, a viatura, o gás de pimenta, a bala de borracha. Eles já tinham essa postura, então, provavelmente toda a equipe e equipamentos que estavam presentes no despejo foram sob patrocínio deles”, afirma Chrysantho Sholl Figueiredo, coordenador do Movimento Popular por Moradia.
“Foi uma tristeza, imagina um dia frio e chuvoso. Estavam todos enlameados, com raiva, tristeza e indignação. Nós ajudamos a descarregar o primeiro caminhão que chegou com móveis e as coisas estavam todas molhadas, quebradas, colocaram roupas em sacos de lixo que rasgaram”, diz a Irmã Emily. “Depois preparamos uma sopa na instituição bem quente, porque muitos não tinham comido nada o dia todo”, completou.
A Irmã Emily foi uma das irmãs do Sagrado Coração de Jesus que acolheu as 67 famílias.
Acolhimento em ginásio de esportes
Sem ter para onde ir, as famílias contaram com a ajuda das irmãs do Sagrado Coração de Jesus e foram acolhidas no ginásio de esportes do Centro de Integração Social Divina Misericórdia, no bairro São Miguel, em Curitiba.
As irmãs estabeleceram uma cozinha comunitária e liberaram banheiros dos vestiários de esportes para atender às necessidades das famílias. Durante 11 dias, as pessoas dormiram umas ao lado das outras sem privacidade ou conforto. Também contaram com muitas doações para recuperar os bens perdidos durante o despejo.
Nesta sexta-feira (19), todos precisaram desocupar o espaço para que o ginásio pudesse retornar às atividades e receber as crianças da comunidade. Algumas famílias já estão alojadas em suas novas moradias, através do auxílio-moradia, outras, que ainda não receberam, não sabem ao certo para onde ir.
Auxílio-moradia
O despejo ocorreu durante a negociação entre as famílias da Tiradentes II e a Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab). Em abril deste ano, a comunidade negociou com a Cohab um auxílio-moradia para as 67 famílias, garantindo um benefício mensal até que sejam atendidas pelos programas federais de habitação.
A equipe da Cohab já tinha dado início ao cadastramento das famílias, mas devido à morosidade das burocracias poucas pessoas já haviam recebido o valor. Com a reintegração de posse, a companhia intensificou o atendimento das famílias e, até o momento, cerca de 24 famílias já receberam o auxílio-moradia, faltam 43.
As famílias receberão o auxílio por 12 meses, podendo ser renovado ou até que as novas habitações estejam prontas, desde que mantenham os critérios de enquadramento. Os valores variam entre R$ 600 e R$ 800 reais.
“Antes haviam várias exigências e nós fomos mostrando para a Cohab que precisávamos ‘enxugar’ essas burocracias e fazer contratos mais simples. Tivemos uma desburocratização e hoje todas as famílias já terminaram de entregar seus contratos, mas isso não significa que os benefícios serão pagos amanhã”, afirma Chrysantho Sholl Figueiredo, coordenador do Movimento Popular por Moradia.
Com o auxílio, as famílias podem alugar uma residência em qualquer bairro da cidade de Curitiba e até mesmo na Região Metropolitana, mas o movimento orienta para que não se distanciem e fiquem próximos.
Sandra Josefa Ferreira recebeu o pagamento do seu primeiro auxílio-moradia na última quarta-feira (17) e já alugou uma casa no Sabará, na CIC, onde mora ao lado do seu filho Leonardo.
“Eu estou bem contente e esperançosa, acredito que daqui a um ano ou dois a gente já esteja dentro da nossa casa definitiva”, diz ela.
“Eu tenho esperança de que vai correr tudo bem, da minha parte vou fazer o que precisa ser feito para dar tudo certo. Tudo o que a gente passou e está passando vai servir para melhorar”, concluiu.
Edição: Lucas Botelho