A reação firme responde ao ensinamento histórico dos golpes da década de 70 até os dias de hoje
Muitos de nós fomos surpreendidos hoje (26) na parte da tarde com um tancaço no palácio presidencial.
Surpreendidos apenas em parte, é certo, na medida em que, desde os anos 2000, uma série de golpes em diferentes países da América Latina tem buscado a recomposição neoliberal no continente, por meio de golpes considerados de novo tipo.
Essa recomposição tem como conteúdo impedir governos populares de fazerem articulação Sul-Sul, terem soberania sobre os próprios recursos naturais, com indústria própria, avançar nos direitos sociais e, nesta conjuntura, alinhar-se comercialmente ao bloco Rússia-China e aos BRICs, além de distanciar-se das propostas de livre comércio vindos dos EUA.
Como bem afirma o jornalista Marco Fernandes, do Brasil de Fato, a partir de parcerias com gigantes chinesas e russas, a Bolívia de Arce avança na capacidade de industrialização do lítio: "A Bolívia produziu apenas 635,5 toneladas de carbonato de lítio entre janeiro e novembro de 2022. Com esses acordos, pode chegar a quase 100 mil toneladas em 2025".
Recentemente, em 2019, na mesma Bolívia; em 2022, contra o governo de Pedro Castillo, no Peru; e também a intentona no Brasil, no dia 8 de janeiro de 2024, apontam o componente de extrema-direita e neofascista no continente.
Reação do governo e também popular
Comandante-geral do Exército da Bolívia, Juan José Zúñiga, fez um pronunciamento exigindo um novo gabinete de governo e que o país "não pode seguir assim". Logo depois, acompanhado de forças militares, teve uma tentativa frustrada de tomada do palácio do governo, na praça Murillo. Ao que tudo indica, a ação não foi consensual entre todos os segmentos que aplicaram o golpe de 2019, o que teria permitido rápida reação.
Enfrentou rápida sinalização de mobilização popular, com a Central Obrera Boliviana (COB) e as organizações populares da histórica cidade de El Alto, por exemplo, sinalizando resistência, ao lado da reação firme do governo Arce, "peitando" o golpismo e mais tarde destituindo Zuñiga, prendendo o golpista e empossando novo comando militar, que declarou lealdade ao governo.
Os relatos e informações na sequência foram de saída do exército da praça, comemoração popular e, à noite, tranquilidade nas ruas de La Paz.
O exemplo de ontem certamente não sinaliza derrota definitiva dos golpistas, na medida em que pareceu um sinal da oposição para seguir levantando a bandeira dos golpistas presos em 2019.
Mas a reação imediata responde ao ensinamento histórico dos golpes da década de 70 de que a reação popular e organizada deve se dar antes, com todas as energias e preparativos, contra as intentonas golpistas.
O acerto de contas firme com a comandância militar golpista também se insere no importante contexto de medida necessária em nossos países da América Latina, em que toda uma geração de militares está alinhada aos interesses de Washington.
O neofascismo se alimenta justamente dos desgastes institucionais e atua com discurso antissistêmico, desgastando as instituições. Não é delas, portanto, e nem dos setores liberais, que as forças e governos populares devem esperar que se contenha o golpismo.
Porém, das energias da organização popular.
Edição: Mayala Fernandes