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A verdade sobre o "macho Alfa"

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Quando a análise foi feita com lobos em ambiente natural, as atitudes que poderiam se encaixar no comportamento de um Alfa simplesmente deixaram de existir - Reprodução
A verdade é que com mito ou sem mito a nossas sociedade busca formas de justificar o seu machismo

Acredito não ser necessário explicar o que é um macho Alfa, mas acredito ser importante explicar como surgiu tal conceito.

L. David Mech foi quem cunhou o termo devido aos seus estudos com lobos. O jovem Mech estudou alguns grupos de lobos vivendo em cativeiro e chegou à conclusão de que os machos do grupo brigavam para chegar à liderança, ao posto de Alfa.

A pesquisa de Mech foi bastante divulgada e as comparações com a espécie humana se tornaram uma ubiquidade. Muitas pessoas se utilizaram das conclusões de Mech para dizer que o macho Alfa era algo impregnado no DNA dos mamíferos e o melhor para a sociedade, portanto, todos os homens deveriam lutar para alcançar o posto de macho Alfa, o que garantiria a esse homem mais recursos e, como nossa sociedade tendia a enxergar mulheres como produtos, mais mulheres.

Portanto, a atitude predatória contra mulheres seria algo natural e saudável para a sociedade, a figura do homem provedor seria necessária para nossa espécie, e criar homens violentos e combativos seria algo importante para a expressão do nosso DNA, para evitar doenças como depressão, para evitar a violência fora de controle e outros supostos males sociais.

Essa pesquisa inicial aconteceu nas décadas de 70 e 80. Porém, Mech continuou seus estudos com lobos e percebeu que suas análises iniciais não passavam de um erro. Depois de anos analisando o comportamento das alcateias livres, o cientista percebeu que lobos não se organizam em uma estrutura hierárquica rígida, mas em uma estrutura familiar onde machos e fêmeas detêm o mesmo poder. O ponto principal que levou Mech ao erro foi o estudo de lobos em cativeiro, com altos níveis de estresse e longe de um ambiente natural. Na realidade, as atitudes que levaram a conclusão da existência de um Alfa foram tiradas de lobos em condições muito distintas daquelas em que eles vivem. Quando a análise foi feita com lobos em ambiente natural, as atitudes que poderiam se encaixar no comportamento de um Alfa simplesmente deixaram de existir.

Mech escreveu e admitiu seu erro, mas o estrago já estava feito. A correção das conclusões foi feita no final do século 20, mas as mesmas pessoas que propagaram o mito do macho Alfa, agora fingiam ignorar as novas conclusões. O truque estava revelado, pois a verdade é que com mito ou sem mito a nossas sociedade busca formas de justificar o seu machismo, a sua violência, a razão de os recursos e o poder serem distribuídos de maneira desigual. Se não fosse o macho alfa seria outra coisa, como na verdade tem sido. Aqueles que defendem a manutenção das desigualdades vão dizer que os homens das cavernas eram assim, que os animais são assim ou que deus disse que é para ser assim. O que eles nunca farão é observar a realidade. E quando trazidos a realidade, afirmarão que estão apenas olhando para os fatos e que os fatos não se importam com seus sentimentos, ignorando que é por não saberem lidar bem com sentimentos que ignoram a realidade. Quando confrontados com as evidências científicas, tendem a citar algum estudo porcamente elaborado ou que já foi refutado, como é o caso do estudo inicial de David Mech.

Nem tudo é possível em termos de estrutura social, mas há grande margem para mudança. As guerras, as mortes, a violência que a presente estrutura gera contra homens e mulheres são frutos das decisões que todos tomamos, e que são grandemente influenciadas por aqueles que se beneficiam com a manutenção do situação presente.

A estratégia é tentar convencer quem não se beneficia de que as coisas precisam ser assim ou elas serão ainda piores. Baseados em que evidências? Obviamente em evidências tão fortes quando as da existência de um macho alfa.

Edição: Pedro Carrano