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Coluna

A quem interessa o modelo de educação pública implementado no Paraná por Ratinho Jr?

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Desde quando assumiu o governo do estado, Ratinho Jr vem implementando um conjunto de medidas cujo principal objetivo é a total submissão da educação pública à lógica privada - Rodrigo Felix Leal_ANPr
De acordo com dados do IBGE de 2022, o Paraná possui maior taxa de analfabetismo dos estados do Sul

O governo Ratinho Jr (PSD) aprovou o projeto que pretende entregar 200 escolas da rede estadual de ensino para a iniciativa privada. Trata-se de mais uma investida em direção à privatização da educação pública paranaense, processo desencadeado pelo seu antecessor, Beto Richa (PSDB), com as constantes investidas contra gestão democrática, intensificado pela gestão do ex-secretário de Educação, Renato Feder, cuja política é mantida à ferro e fogo pelo atual secretário, Roni Miranda.

No final de 2022, o atual governador conseguiu privatizar duas das 29 escolas listadas, resultando em cerca de R$ 200 milhões, por ano, de dinheiro público destinado a engordar os cofres das empresas beneficiadas. Agora, o impacto nos cofres públicos está na ordem dos R$ 1,4 bilhões, dinheiro que poderia ser usado na construção de novas escolas, ampliando vagas e reduzindo a superlotação das salas de aula, na modernização das escolas e aparelhamento de laboratórios, na política de valorização docente, na contratação de especialistas para acompanhar alunos com necessidades especiais, na ampliação de programas de aprendizagem voltados para a superação de defasagens, etc.

O que temos vivenciado, no entanto, é justamente o contrário.

Ratinho Jr e Feder: o inegável caráter de classe do Estado burguês

Desde quando assumiu o governo do estado, Ratinho Jr vem implementando um conjunto de medidas cujo principal objetivo é a total submissão da educação pública à lógica privada. Para efetivar seus ataques, o governador entregou a secretaria de Educação para o empresário Renato Feder.

A primeira ação privatista de seu governo foi a extinção do cargo público dos funcionários das escolas da rede estadual, como merendeiras, secretárias, serviços gerais e bibliotecários. Com exceção dos trabalhadores concursados, todas essas funções passaram para a iniciativa privada, resultando imediatamente na redução de quase 2 mil funcionários e na sobrecarga de trabalho sobre os poucos terceirizados destinados às escolas.

A terceirização já atinge quase 50% de toda a mão de obra empregada naquelas funções. Além disso, representou, em 2022, um gasto de R$114 milhões a mais do que a forma anterior de contratação.

O crescente assalto aos cofres públicos em socorro às empresas privadas não se resume à terceirização do quadro funcional. Ela representa, também, uma concepção tanto do papel do Estado quanto da própria educação pública. Concepções estas expostas por Feder no livro “Carregando o Elefante: Como livrar-se das amarras que impedem os brasileiros de decolar”.

Na obra, Feder responsabiliza os professores das escolas públicas pelo fracasso escolar dos estudantes nas avaliações em larga escala, caracteriza-os como “semianalfabetos” e, em uma atitude extremamente preconceituosa, atribui os baixos índices da educação brasileira ao fato do magistério ser escolhido como profissão por alunos com as piores notas durante a educação básica.

A privatização do direito à educação, com a consequente transferência de dinheiro público para o empresariado, é a expressão máxima não só da concepção de Estado de Feder, mas, também, dos setores que hoje hegemonizam a política, buscando, através da privatização dos direitos sociais, submeter os setores subalternos cada vez mais a condições precarizadas e degradantes de trabalho e da própria vida.

Fundamentalmente, o processo acelerado de privatização dos serviços públicos expressam, irretocavelmente, o papel do Estado na sociedade capitalista: garantir as condições materiais e ideológicas de reprodução das relações de trabalho e do próprio sistema. No capitalismo, o Estado cumpre a função de garantir a acumulação de capital e legitimar a ordem burguesa. É nesse sentido que a privatização da educação não significa apenas uma “transferência da gestão” pública para o setor privado. Ela possui um caráter ideológico, o qual apresenta a mercantilização dos direitos sociais como a única solução possível, como se o setor privado fosse expressão de qualidade, de garantia de acesso, de igualdade de condições, etc.

Há um aspecto fundamental nessa função do Estado. A garantia da acumulação capitalista e a legitimação da ordem burguesa se movem entre a institucionalidade democrática e a ruptura desta institucionalidade. Em momentos de normalidade da democracia política há mais espaço para tensionamentos advindos das demandas dos subalternos.

No entanto, na atual quadra histórica, o que se verifica, é que, para garantir a acumulação e a legitimação, recorre-se, cada vez mais, a políticas regressivas e mecanismos autoritários, inclusive respeitando o rito parlamentar da democracia burguesa. Resta-nos, assim, a certeza de que não há possibilidade alguma de transformar este Estado em algo contrário a sua razão de existir, e que os espaços institucionais da democracia burguesa são extremamente limitados.

A lógica privada na gestão da educação pública

Sob o comando de Feder, a Secretaria de Educação instituiu um conjunto de políticas objetivando a aferição de metas e responsabilização docente, como a Prova Paraná, imposição de plataformas digitais de acompanhamento da aprendizagem e bonificação docente. E, movido pelas brechas do Novo Ensino Médio (Lei 13.415/2017), aventurou-se por um arremedo de EaD contratando uma universidade privada para ofertar aulas para os cursos técnicos. As aulas eram transmitidas online para até 20 turmas, atendidas por um estagiário de nível médio, cuja remuneração era de R$ 640,00 para 20 horas semanais. O contrato com a empresa custou aos cofres públicos R$ 38,4 milhões! Não demorou muito para que os estudantes se levantassem contra essa falcatrua.

Para garantir o êxito da lógica privada na gestão da educação pública paranaense, Ratinho e Feder instituíram políticas de bonificação para as direções escolares. A primeira delas, mensal, pode chegar a R$ 2.430,00 para o diretor geral e R$ 2.070,00 para os diretores auxiliares. A segunda, paga em parcela única, pode chegar a R$ 1.620,00 para o diretor geral e R$ 1.380,00 para os auxiliares. De acordo com estimativas de 2021, os gastos com as bonificações poderiam chegar perto dos R$ 30 milhões, caso todas as metas fossem atingidas.

Tal política tem resultado na intensificação do assédio, das ameaças e toda ordem de desmandos por parte das chefias, equipe diretiva e tutores, que agem como verdadeiros capitães do mato, agravando os quadros de adoecimento docente. O reflexo imediato é o adoecimento docente. Além disso, para atingir as metas, o governo impõe a exclusão de alunos faltosos e o fechamento de turmas do período noturno.
 
Outro principal mecanismo de submissão da educação pública paranaense à lógica privada vem se materializando, sobretudo, pela imposição do uso das plataformas digitais de aprendizagem. A despeito dos impactos negativos que o tempo excessivo em frente às telas pode provocar nos estudantes, o governo tem ampliado a contratação de plataformas, ultrapassando os R$ 100 milhões, dinheiro que poderia ser investido na melhoria das condições de trabalho e na valorização dos trabalhadores em educação.

Ao contrário. O governo vem adotando diversos mecanismo para obrigar os docentes a utilizarem intensivamente tais plataformas, impondo metas diárias, mensais e trimestrais, resultando na intensificação do controle do ritmo do trabalho e da produtividade dos professores, subjugando a ação docente ao controle e à supervisão, com o intuito de atingir metas inalcançáveis e produzir estatísticas que servirão de base para novos produtos. O governo age, sobremaneira, por meio da ameaça por intermédio de uma camarilha de subalternos. Na era da economia de dados, docentes e estudantes fornecem, gratuitamente, a matéria prima para as indústrias de tecnologia da informação e comunicação. O fazem, no entanto, não sem pagar com a própria saúde.

Para aqueles que, porventura, possam estar sendo ludibriados pela propaganda privatista, de que a gestão privada irá melhorar a educação pública estadual, é preciso lembrá-los, portanto, que o caos vivenciado hoje em nossas escolas é resultado direto da lógica privada.

Como seu antecessor, os índices da educação paranaense, sob Ratinho, Feder e Roni, denunciam o fracasso da lógica privatista na gestão das escolas. De acordo com dados do IBGE de 2022, o Paraná possui a maior taxa de analfabetismo dos estados do Sul. São 415 mil pessoas, com 15 anos ou mais, que não sabem ler nem escrever. O abandono escolar relacionado à necessidade de trabalhar, em 2022, atingiu 44% das pessoas entre 15 e 29 anos de idade, 1,7% a mais que em 2019. Quadro agravado pelo fechamento do período noturno das escolas militarizadas e que pode ser intensificado, uma vez que a privatização prevê, igualmente, o fechamento das escolas à noite.


É preciso liquidar a lógica privatista que assola a gestão da educação pública

A greve dos trabalhadores e trabalhadoras da educação iniciada no dia 3 de junho carrega em si a possibilidade real de promover uma reviravolta na educação pública paranaense, arremessando para a lata do lixo não só a atual proposta de privatização, como, também, todo o entulho que tem contribuído para submeter as escolas estaduais à lógica do lucro acima da vida.

Bastou o governo anunciar sua intenção para que vozes do campo e da cidade se levantassem em uníssono contra mais esse ataque. Antes do início da greve, indígenas de diversas aldeias do estado acamparam na praça dos Três Poderes, em Curitiba, contra a privatização das escolas.

A Articulação Paranaense por uma Educação do Campo, das Águas e das Floresta, também já se manifestou, por meio de nota, contra o projeto. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) também se manifestou, assim como a União Paranaense dos Estudantes Secundaristas. Na segunda-feira, trabalhadores e trabalhadoras da educação do estado todo, lado a lado com estudantes e servidores da educação federal, marcharam pelas ruas da capital denunciando a política privatista e, em uma ação legítima de defesa da escola pública, ocuparam a Alep para barrar a votação da proposta.

Essa é a potencialidade da presente greve: a unidade real e efetiva entre os movimentos sociais e sindical. Potencialidade que tende a crescer uma vez que a privatização das escolas atingirá diferentes setores da sociedade. Além dos docentes e estudantes, que sentirão imediatamente os efeitos, pequenos e médios comerciantes, a agricultura familiar e a comunidade escolar não tardarão a sofrer as consequências do serviço privado, como já experienciamos com telefonia, energia elétrica, internet e tudo mais.

Mas isso não é tudo. Depois do 29 de abril de 2015, essa é a oportunidade do magistério estadual ter, novamente, a sociedade ao seu lado para fortalecer a luta em defesa da educação pública. Temos, agora, a inadiável tarefa de fazer chegar a todos os cantos do estado os verdadeiros reflexos do modelo de educação ora imposto. É imprescindível a unidade entre os trabalhadores do serviço público, linha de frente da garantia do direito à educação, aos usuários desse serviço. Essa greve é a oportunidade que temos para conversar com a comunidade escolar, alertando-a sobre os impactos negativos da plataformização da educação, não apenas na aprendizagem, mas, principalmente, na saúde dos estudantes.

Os problemas que vivenciamos nas escolas públicas do Paraná estão diretamente relacionados à lógica privada que tem logrado submeter a educação aos interesses do lucro. A unidade já efetivada, e a potencial, a ser construída, são  fundamentais para derrotar toda a lógica que vem obtendo êxito em converter o direito fundamental da educação em uma mercadoria. Lógica que tem contribuído, significativamente, para transformar o dia a dia de professores e alunos da rede estadual em um verdadeiro inferno.

Se tergiversarmos sobre a urgente necessidade de conduzir essa greve até às últimas consequências, a tragédia do 29 de abril se repetirá como uma farsa tragicômica, na qual a montanha ruge para parir um rato. Levamos quase 10 anos para nos reerguer. Quantos mais serão necessários se não tivermos coragem para ousar?

Para saber mais:

Renata Peres BARBOSA; Natália ALVES. A Reforma do Ensino Médio e a Plataformização da Educação: expansão da privatização e padronização dos processos pedagógicos.

 

Edição: Pedro Carrano