Se o governo gasta menos que arrecada, deixa o país mais pobre
Neste artigo é abordado o “mito” propagado por alguns especialistas, economistas e a grande mídia, de que o orçamento púbico é igual ao doméstico. São destacadas as principais receitas e despesas da União, em especial as despesas com juros da dívida e as renúncias fiscais; o Arcabouço Fiscal aprovado no ano passado, em substituição ao Teto dos Gastos; desmistifica o “mito” e conclui com considerações sobre a reforma tributária.
Em 2023, a Receita Total do União foi R$ 2,980 trilhões, sendo 81,1% de Receitas Correntes (R$ 2,417 trilhões) e 18,8% de Receita de Capital (R$ 562,7 bilhões). Entre as Receitas Correntes, as principais fontes de recursos foram Arrecadação Líquida para o RGPS (24,5%), Imposto sobre a Renda (28,8%), Cofins (12,1%), CSLL (6,1%) e Receitas de Exploração de Recursos Naturais (4,7%), concentrando mais de três quartos das receitas (76,2%).
Dentre as despesas empenhadas por função em 2023, verificou-se que as maiores foram com “Encargos Especiais” (36,2%), “Previdência Social” (31,4%), “Assistência Social” (8,6%), “Saúde” (5,9%) e “Educação” (4,9%), que juntas representam 87% do total. Apenas com o pagamento dos juros sobre a Dívida Pública foram gastos R$ 718,3 bilhões, equivalente a 29,7% das Receitas Correntes e 6,6% do PIB.
Esse valor é consequência da elevada Taxa Selic, taxa básica da economia, que serve como referência para remunerar os títulos públicos federais, e fechou o ano de 2023 em 11,75%, 6,82% acima da inflação (IPCA 4,62%).
O Novo Arcabouço Fiscal (NAF), que limita os gastos públicos, aprovado no ano passado, estabeleceu regras para o período de 2024 a 2027. Diferente do Teto dos Gastos, o NAF permite crescimento real das despesas anuais de 0,60% a 2,5%, limitado a 70% da variação real da receita no período. Além disso, prevê redução do crescimento real anual de 50%, caso não forem cumpridas as metas do resultado primário do governo. No PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2023, o governo previu déficit de - 0,5% do PIB, que não foi atingido; zero em 2024; e superavit primário de 0,5% em 2025, e 1,5% em 2026. Algo positivo do Arcabouço Fiscal foi o estabelecimento de um piso para os Investimento, que será corrigido anualmente, a partir de R$ 70 bilhões. No orçamento de 2023 aprovado pelo governo anterior, estava previsto apenas R$ 22,4 bilhões, que seria o menor patamar histórico.
Com relação à fábula de comparar o Orçamento Público com o orçamento doméstico, dois pontos são principais para desmontar a comparação:
1. O fato que o Estado pode emitir moeda ou ampliar a dívida pública por meio da emissão de títulos, exemplo do ocorrido na pandemia;
2. Parte dos gastos do Estado volta em forma de tributos, que não ocorre nas famílias. Se o governo gasta menos que arrecada, deixa o país mais pobre. A redução dos investimentos públicos diminui a quantidade de dinheiro que circula na economia e isto diminui a arrecadação de tributos. Portanto, quando se trata de orçamento público, a ampliação de investimentos do governo em políticas públicas resulta em um ciclo virtuoso para toda a sociedade, em termos de arrecadação de impostos, de dinamismo econômico e de oportunidades de inclusão.
Nos anos recentes, entre 2015 e 2022, foi adotada no país uma política econômica em que o principal objetivo era a redução dos gastos públicos, esperando-se gerar mais investimentos privados e crescimento econômico. O resultado foi baixo crescimento econômico, aumento do déficit primário e da dívida pública e o não cumprimento das metas de inflação.
O Sistema Tributário Brasileiro é regressivo. Isso quer dizer que, em termos relativos, tributa mais os mais pobres que os mais ricos. Isso ocorre porque metade da tributação é sobre o consumo, havendo a necessidade de avançar na tributação sobre a renda e patrimônio, se aproximando da realidade que ocorre nos países mais ricos e avançados. O sistema tributário é complexo e com baixa transparência, com judicialização excessiva e sonegação. Além disso, a renúncia fiscal, estimada pela Consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado em R$ 456 bilhões em 2023 (4,29% do PIB), diminuem as receitas dos governos, ao mesmo tempo beneficiam alguns setores de atividade e pessoas, sem nenhuma contrapartida.
A Reforma Tributária aprovada em 2023, estabeleceu longo período de transição (50 anos), avançou na simplificação do sistema através da criação de dois impostos sobre valor agregado (IBS e CBS); eliminou a cumulatividade; tentou acabar com a “Guerra Fiscal” entre os estados; criou IPVA sobre veículos aquáticos e aéreos; Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) progressivo, em valor da transmissão; permitiu atualização dos valores do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU); criou imposto seletivo sobre produtos ambientalmente poluentes e prejudiciais à saúde. Todos são avanços importantes, mas vários pontos precisam ser regulamentados.
Na pauta da classe trabalhadora entregue ao presidente Lula em 2022, a proposta do movimento sindical brasileiro relacionada ao tema foi clara:
“Reformar o sistema tributário e orientá-lo pela capacidade contributiva de cada brasileiro e brasileira; pela progressividade dos impostos; pela revisão dos impostos de consumo e dos impostos sobre renda e patrimônio, aumento da tributação sobre grandes heranças e riquezas, lucros e dividendos.”
Portanto, há a necessidade de avançar numa reforma que diminua a tributação sobre o consumo (indiretos) e aumente a tributação sobre a renda e patrimônio (diretos), principalmente dos mais ricos, diminuindo a regressividade do sistema.
Dentre os 10 pontos para a tributação mais justa apontados pelo Dieese e o Sindifisco, a reforma realizada no ano passado avançou em alguns pontos, entre eles: desonerar a cesta básica, melhorar a cobrança do imposto sobre herança, cobrar Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) sobre embarcações e aeronaves e aumentar a transparência sobre a tributação.
Mas as próximas etapas da reforma tributária precisam avançar nos seguintes pontos: corrigir a tabela do Imposto de Renda, aumentando a progressividade; tributar lucros e dividendos distribuídos à pessoa física; aumentar os impostos sobre a propriedade da terra (ITR); tributação sobre a remessa de lucros das empresas estrangeiras; instituir o imposto sobre grandes fortunas; e tributar os bens supérfluos e de luxo.
Fontes:
DIEESE, Nota Técnica n° 273 – PLP 83/2023: Novo Arcabouço Fiscal (https://www.dieese.org.br/notatecnica/2023/notaTec273Arcabouco.html);
DIEESE, Nota Técnica n° 274 - A (proposta de) reforma tributária e os trabalhadores e as trabalhadoras (https://www.dieese.org.br/notatecnica/2023/notaTec274reformaTributariav.html)
Edição: Pedro Carrano