Paraná

SEGURANÇA E CIDADES

A política de segurança pública em Curitiba para além da receita do fracasso

Em 2014, o Brasil tinha 1.081 cidades com GCM, número que chega a 1467 em 2023, crescimento de 35,7%

Curitiba (PR) |
Em 2014, o Brasil tinha 1.081 cidades com Guarda Municipal, número que chega a 1467 em 2023 - Giorgia Prates com edição de Lucas Botelho

Este ano, teremos eleições municipais e as candidatas e candidatos que concorrerão ao executivo municipal tem um desafio importante, apresentar propostas que possam atenuar os problemas decorrentes da violência na capital paranaense.

Curitiba conta com alguns instrumentos que podem ser aperfeiçoados e adaptados a uma política de segurança entendida como um direito social fundamental de caráter universal e indispensável a uma vida digna.

Um destes instrumentos é a própria Guarda Municipal, que foi criada ainda na década de 1980, e aos poucos ampliou seu escopo de atividades de acordo com os limites municipais, o interesse político e a própria legislação que baliza a segurança pública no país. A Guarda Municipal de Curitiba foi crescendo e ganhando novas atribuições, acompanhando uma tendência nacional.

A relação entre gestão municipal a segurança pública é um dilema, porque boa parte dos problemas relacionados à criminalidade acontecem dentro do território municipal. No entanto, há limites legais e constitucionais da ação municipal no que diz respeito à segurança pública.

Em resumo, o município tem menos ferramentas e recursos para intervir na segurança pública, mas necessita lidar diariamente com este problema. Não há dúvidas da capacidade e do potencial dos municípios no enfrentamento da violência. Além disso, a participação municipal na segurança pública tem crescido a cada ano, e este é um fenômeno irreversível. O que se propõem neste artigo, de maneira geral, é o debate relacionado ao modelo brasileiro de segurança pública.

A participação municipal na segurança pública tem aumentado significativamente nos últimos anos, embora não seja uma política sistematizada e previamente elaborada, organizada e orientada a nível federal – uma reforma de fato – é algo que não pode ser rechaçado.

Isso ocorre porque há uma cobrança justificada por segurança, um clamor popular e os governos estaduais - maiores responsáveis pela segurança pública - não tem dado respostas satisfatórias, repetindo fórmulas comprovadamente fracassadas e extremamente caras aos cofres públicos. Basicamente seguem a lógica da repressão violenta com pouca ou nenhuma ação preventiva e investigativa, ou seja, a famosa inteligência está bem distante das políticas estaduais para a área.

Se entendemos a segurança pública como um direito social fundamental de caráter universal e indispensável a uma vida digna, faz-se necessário repensar as políticas públicas de segurança

Segundo um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), organização com quase duas décadas de existência que produz e divulga pesquisas sobre segurança pública, as polícias estaduais têm reduzido de tamanho enquanto as guardas municipais têm crescido:

“Enquanto as polícias estaduais tiveram redução do número de servidores, o número de guardas municipais cresceu substancialmente: dados da pesquisa Munic, do IBGE, indicam que, em 2014, o Brasil tinha 1.081 cidades com GCM, número que chega a 1467 em 2023, crescimento de 35,7%.”

Os gastos com segurança pública têm aumentado continuamente nas cidades brasileiras, comprovando a necessidade de mudanças em nosso modelo bastante obsoleto e ineficiente de segurança pública, principalmente quando se pensa em garantir esse direito fundamental.

É inegável que alguns crimes, aqueles que são imediatamente percebidos pela população geram um impacto maior no imaginário e na vida das pessoas. Também sabemos que não existe apenas uma forma de enfrentar o problema e que, de maneira geral, o que tem sido feito é o uso sistemático e crescente da repressão, com poucos efeitos práticos na contenção da criminalidade.

Desta forma, o poder municipal pode atuar de diversas maneiras para atenuar o problema da segurança pública, inclusive no que diz respeito aos crimes violentos letais intencionais (CVLI). A partir de políticas públicas direcionadas à saúde, educação, esportes e cultura podemos reduzir os números da violência. Neste caso, há ainda outro problema a ser enfrentado, o de avaliar os efeitos de determinada política na redução da violência. Por exemplo, uma ação preventiva incisiva voltada a proteção de grupos vulneráveis pode encorajar estes grupos a denunciarem a violência sofrida, uma vez que se veem amparadas pela ação estatal fazendo com que os números indiquem um aumento dos casos, quando na verdade existe uma ação para enfrentar o problema.

Do contrário, uma política excessivamente repressiva em determinada região, pode fazer com que a dinâmica criminal se altere e haja uma migração temporária de região ou tipo de crime, dando a falsa sensação de que a ação repressiva trouxe resultados positivos. Por isso a esquerda, ou o chamado campo progressista precisa apresentar alternativas e disputar os rumos das políticas de segurança pública, sobretudo no que diz respeito a crescente participação municipal.

A cidade de Curitiba conta com um conjunto de instrumentos capazes de operar boas políticas públicas de segurança, desde que orientados pela lógica da segurança enquanto direito social fundamental e não pela lógica da guerra, típica das mentes militarizadas. Além da guarda municipal a cidade já tem um Fundo Municipal de Segurança, um Conselho Municipal e uma Secretaria de Defesa Social que abriga a Guarda Municipal.

Há ainda o Consórcio Intermunicipal de Guardas Municipais que pode ser uma novidade interessante se bem direcionado. Todos estes espaços devem ser reestruturados ou aperfeiçoados para que o planejamento da segurança pública municipal incorpore as demandas populares. Democratizar estes instrumentos é um passo importante e sem isso não há como mudar o estado de coisas da segurança pública.

Por fim, a despeito dos diversos casos de violência envolvendo agentes da guarda municipal, temos algumas iniciativas que podem servir de parâmetro para novas políticas públicas de segurança. A Patrulha Maria da Penha, por exemplo, é uma iniciativa de caráter preventivo, que já conta com dez anos a partir de um convênio com a justiça estadual. Ela busca realizar o acompanhamento periódico de mulheres e famílias que possuem medidas protetivas ou passam por situação de violência doméstica.

Para se ter uma ideia a lei estadual com projeto similar, portanto, que deveria atender a todos os municípios do Paraná via polícia militar é recente, de 2018, e está longe de ser uma prática institucionalizada na PM.

Este é um exemplo nítido de como o município está mais próximo das demandas da população e tem mais condições de oferecer um serviço público de qualidade se tiver os instrumentos e ferramentas necessárias disponíveis, além é claro da orientação política adequada.

Referências

Raio X forças de Segurança no País 2024. Resumo Executivo. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Raio-x das forças de segurança pública do Brasil [Resumo Executivo] /coordenação geral Renato Sérgio de Lima. – São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2024.

Rufanges, Jordi Calvo. 2016. “La militarización de la educación y los valores”. Em Mentes Militarizadas. Cómo nos educan para asumir la guerra y la violencia. Capellades, 13-22. Barcelona: Icaria Editorial.

Henri Francis Ternes de Oliveira é sociólogo, doutorando em sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPR, pesquisa segurança pública e é membro do Movimento Policiais Antifascismo.

Este artigo é resultado de parceria entre o Observatório das Metrópoles - núcleo Curitiba e o Brasil de Fato Paraná

 

Edição: Pedro Carrano