Rio Grande do Sul

Saúde Pública

Com 67 óbitos por dengue em 2024, RS bate recorde de vítimas em um ano

Com apenas quatro meses, este já é considerado o pior ano da doença tanto no estado quanto nacionalmente 

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Diretora do Cevs ressalta que os números de casos e óbitos ainda devem crescer - Foto: Divulgação/SES

O Rio Grande do Sul bateu recorde histórico de mortes por dengue essa semana. O estado registrou 67 óbitos por conta da doença, superando o ano de 2022, que teve 66 mortes. As cidades com maior número de vítimas são São Leopoldo (11) e Novo Hamburgo (8), ambas na Região Metropolitana de Porto Alegre. Desde janeiro, 56.187 casos de dengue foram registradas no estado, enquanto em todo o ano de 2022 foram 67,3 mil.

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Nacionalmente o número de mortes por dengue em 2024 também é recorde, já chega a 1.334 e ultrapassa o total de 1.094 óbitos registrado em 2023. O país já havia batido recorde óbitos pela doença em 2023 ao superar 2022, com 1.053 óbitos, mostrando um crescimento contínuo de vítimas.

De acordo com o Ministério da Saúde, neste momento, a maior parte do país está em cenário menos agressivo na incidência de dengue. Há 13 estados em estabilidade: Rondônia, Pará, Amapá, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e São Paulo. 

Já a tendência de queda está no Acre, Roraima, Amazonas, Tocantins, Goiás, Distrito Federal, Piauí, Minas Gerais e Espírito Santo. Apenas Alagoas, Bahia, Maranhão, Pernambuco e Sergipe apresentam tendência de aumento.

Infestação de mosquitos e mudanças climáticas

Segundo a diretora do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs/RS), Tani Ranieri, o número de casos notificados no RS já ultrapassou o ano de 2022 e 466 dos 497 municípios estão infestados pelo Aedes Aegypt, mosquito transmissor da dengue. "Então, basta ter uma pessoa infectada para que haja transmissão da doença. Quanto maior a circulação viral, mais pessoas serão infectadas. E quanto mais pessoas infectadas, maiores são as probabilidades de termos óbitos como desfechos”, expõe. 

Para o virologista Fernando Spilki, a situação no estado é reflexo local de um processo de alteração climática global, que está gerando uma endemização da dengue nos últimos três anos. “Com o mundo chegando a sequência de dez meses mais quentes registrados na história, nós temos um recorde de temperatura, mesmo com temperaturas um pouco mais baixas do que no alto do verão, para essa época do ano, final de março e abril. Todas as condições nos últimos três anos favorecem o desenvolvimento de surtos de dengue, e eles têm se realizado. A gente não tem por imaginar que essa situação vai se modificar para os anos seguintes e isso é bastante preocupante”, avalia.

Controle da doença

O virologista aponta que o controle do mosquito, peça-chave para conter o avanço da doença, é muito difícil. “Mesmo um grau de infestação que corresponda, por exemplo, a dois domicílios numa quadra, já pode ser necessário para manter as condições de transmissão do vírus. Mesmo fazendo todo o esforço, se não tiver um engajamento muito forte da população, vai ter problemas. Também conta a questão de que nós ainda estamos numa fase em que, talvez, uma parte das pessoas ainda não tenha a consciência de que a dengue veio pra ficar, que ela não é mais um assunto estranho à realidade gaúcha, e que todos precisam estar muito atentos.”

O prognóstico para o mês de abril não é animador. “Se seguir o padrão dos últimos anos, o que também é algo que precisamos ver, porque esse ano a gente teve o surto iniciando muito mais cedo, de maneira muito mais abrupta, muito mais continuado, nós teremos esse mês de abril como um mês bastante difícil ainda. E depois a situação começando a arrefecer a partir de maio”, projeta.

De acordo com Tani, o número de óbitos sempre teve maior registro no mês de abril. “Acreditamos que ainda tenhamos um aumento nesses números durante o mês”, reitera.

Letalidade 

O Rio Grande do Sul está entre os estados com elevado número de letalidade, prossegue a a diretora do Cevs. “Quando avaliado número absoluto de óbitos, o RS tem oscilado entre 7º e 8º do  país. Quando avaliado a taxa de letalidade por casos prováveis, o RS fica entre 4º e 5º do país. E quando avaliamos a taxa de letalidade por casos graves e sinais de alarme, a letalidade do RS fica entre 3º e 4º do país”, explica.

Ela explica que a taxa de letalidade de dengue pode ser calculada com diferentes denominadores a depender da análise que se queira realizar. A taxa de letalidade por casos prováveis permite realizar comparação ao longo do tempo, uma vez que houve mudança na classificação da doença desde 2009, bem como compará‐la com a taxa de letalidade de outras arboviroses, como chikungunya e Zika, por exemplo. Já a taxa de letalidade de dengue com sinais de alarme e dengue é um indicador que reflete a proporção de indivíduos que morrem dentre todos os casos que agravam. 

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“A letalidade no RS, independente da forma calculada, é claramente uma taxa elevada. E várias podem ser as causas para isso. Quando avaliamos os óbitos do RS encontramos diversos problemas, que são os mesmos enfrentados por outros estados do país”, destaca. Entre eles estão o não reconhecimento dos sinais de alarme pela população e pelos profissionais de saúde, a procura tardia do paciente pelo serviço de saúde, manejo clínico inadequado, peregrinação do paciente, dificuldade de acesso, hidratação inadequada e ausência da classificação de risco para dengue.

“Embora a dengue esteja presente no RS desde 2007, é pouco conhecida por muitos profissionais de saúde em relação ao manejo clínico de casos graves. Sempre tivemos casos, mas eram em números pouco significativos e eram raros os casos graves. A dengue tem um curso muito agudo e o agravamento, quando ocorre, acontece muito rapidamente”, explica.

Prognóstico da doença

A dengue apresenta três fases: febril, crítica e de recuperação. 

A fase febril inicia com a febre e demais sintomas, tem duração média de 3 a 4 dias. Quando a febre cessa, é preciso estar atento aos sinais de alerta. É nesse período que inicia a fase crítica e pode haver extravasamento de líquidos, sangramentos, dor abdominal, vômitos, queda de plaquetas, aumento repentino do hematócrito e desidratação intensa. Essa fase tende a durar mais 3 a 4 dias, e, se bem manejado, paciente evolui para a fase de recuperação, onde em cerca de 7 a 8 dias estará recuperado. 

Porém, se na fase crítica não houver atendimento em tempo oportuno, pode haver agravamento do caso com consequente evolução para óbito.

Para o virologista Fernando Spilki , a situação no estado é reflexo local de um processo de alteração climática global/ Foto: Tony Winston/Agência Saúde-DF

O que precisa ser feito

Para Spilk, é preciso manter a conscientização da população e que os municípios e o estado estejam atentos no sentido de tentar ao máximo bloquear a disseminação do vírus quando percebem que cadeias de transmissão mais intensas estão ocorrendo em determinadas localidades. Ele sugere uso de ferramentas como aplicação de inseticida e mapeamento e atenção adequada aos casos. "E que o sistema de saúde, na medida do possível, vá sendo alimentado e preparado para continuar atendendo de maneira adequada aquelas pessoas que desenvolvem formas mais graves da doença.”

Conforme reforça Tani, o combate a dengue exige enfrentamento em vários eixos desde ações da população, governamentais e de profissionais de saúde. Dentre essas ações ela sugere: eliminar possíveis criadouros (água parada), uso de repelentes e inseticidas domésticos, procurar atendimento na suspeita da dengue, hidratação vigorosa desde os primeiros sintomas, estar atento aos sinais de alarme, profissionais de saúde devem estar capacitados, rede de assistência estar organizadas, municípios devem ter plano de contingência atualizados.

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Em Novo Hamburgo, segunda cidade com maior número de mortes, a prefeitura informa que segue com ações diárias no combate à dengue, inclusive com a participação de soldados do Exército Brasileiro nas visitas domiciliares dos agentes de dengue. O município realiza também aplicação diária de inseticida, principalmente nos chamados bloqueios (área de cerca de 200 metros ao redor de casos confirmados) e em pontos estratégicos (floriculturas, borracharias, ferro velhos, cemitério). Há ainda recolhimento de entulhos depositados irregularmente para evitar criadouros do mosquito. 

Em São Leopoldo, cidade vizinha e com maior número de óbitos, a prefeitura tem feito ações nos bairros, junto com a secretaria Municipal de Saúde, com agentes da Vigilância em Saúde orientando a população. O Executivo também formalizou o pedido ao Exército Brasileiro nas ações de enfrentamento ao avanço da dengue na cidade. Além disso, o prefeito Ary Vanazzi (PT) protocolou um ofício ao Ministério da Saúde pedindo a mudança na portaria e nos critérios para que seja liberada a distribuição de vacinas conta a dengue no Rio Grande do Sul

Medidas adotadas no estado 

De acordo com Tani, o RS está operando o Plano de Contingência Estadual para enfrentamento das arboviroses urbanas dengue, zika e Chikungunya. Eçe estrutura ações de vigilância epidemiológica (VE), vigilância entomológica e controle vetorial, vigilância laboratorial, atenção à saúde, comunicação e gestão conforme o nível de alerta do território.

Adicionalmente, alinhado às diretrizes contidas no plano, o painel eletrônico de monitoramento de casos de dengue, disponível em dengue.saude.rs.gov.br, traz de forma atualizada e acessível aos profissionais de saúde, gestores e toda à população, dados atualizados com relação ao cenário epidemiológico e ambiental, além de dados sistematizados por região de saúde e município. Informa também a descrição das ações a serem implementadas para controle e mitigação dos riscos, bem como cálculo para organização das ações assistenciais.  

Além disso, prossegue a diretora do Cevs, uma ferramenta de manejo clínico foi adicionada ao painel do estado, para auxiliar na classificação de risco dos pacientes suspeitos de dengue, orientando profissionais da saúde no manejo clínico dos mesmos. E equipes técnicas da secretaria têm realizado uma série de capacitações aos municípios voltadas aos fluxos de notificação, testagem para dengue, manejo clínico e ações ambientais.
 
Adicionalmente, houve a publicação da Portaria Estadual Nº150/2024, autorizando o repasse extraordinário de recursos financeiros da Secretaria Estadual de Saúde aos municípios. Um montante de R$ 13,8 milhões, em parcela única, serve para ampliar as ações de qualificação da vigilância em saúde e assistência na prevenção de endemias com ênfase em arboviroses.


Edição: Marcelo Ferreira