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INCLUSÃO

No mês da conscientização do autismo, alunos são prejudicados sem tutores em escolas municipais de Curitiba

Mães, professores e o sindicato denunciam falta de apoio especializado nas escolas e o não cumprimento da legislação

Curitiba |
Comentários de familiares nas redes sociais do prefeito de Curitiba, Rafael Greca - Arte Brasil de Fato sobre redes sociais

No mês quando se celebra Dia Mundial da Conscientização do Autismo (02/04), a propaganda da prefeitura de Curitiba versus a realidade nas escolas da rede municipal de ensino tem sido pauta de denúncias feitas por quem vive o dia a dia nas unidades de ensino.

Apesar de a prefeitura divulgar que o atendimento aos alunos autistas tem sido feito com qualidade, professoras e mães afirmam que são muitas crianças sem o acompanhamento de apoio especializado. Há, ainda, muitos pais que acabam recorrendo à justiça para garantir que seus filhos tenham o que é garantido por lei, além do adoecimento de professores que precisam dar conta da inclusão sem estrutura.

2 de abril

Dia 2 de abril é celebrado em todo o mundo o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, data criada, em 2007, pela Organização das Nações Unidas (ONU), com o objetivo de divulgar mais informações e combater o preconceito contra as pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Durante todo o mês no Brasil, ações são realizadas voltadas para pauta.

Em Curitiba, a Secretaria Municipal de Curitiba (SME) realizou nesta data o Fórum sobre Escolarização do Estudante com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Neste evento, a diretora do Departamento de Inclusão e Atendimento Educacional Especializado (DIAEE) da SME, Gislaine Coimbra Budel, reiterou que o atendimento em inclusão é realizado em toda a rede, nas escolas especiais, classes especiais, salas de recursos multifuncionais, salas de recursos de aprendizagem e nos Centros Municipais de Atendimento Educacional Especializado (Cames) nas dez regionais.

A realidade

No Brasil, a Lei Federal nº12.764/2012, conhecida como Lei Berenice Piana, criou a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo, assegurando, entre outras conquistas, o direito ao apoio especializado para as crianças com TEA.

Apesar de ser um direito garantido por lei, para a comunidade escolar que vive o cotidiano nas escolas, a realidade é outra. Faltam profissionais de apoio, o processo para a contratação é demorado, prejudicando muito os alunos e adoecendo professores.

“O processo é moroso, tanto que as famílias mais instruídas e informadas chegam a entrar no Ministério Público para ter o direito a um profissional de apoio. Este pedido acaba sendo mais rápido que a resolução do problema da falta de estrutura para o atendimento ao aluno pela escola. A demora agrava a situação do estudante que está num ambiente que não tem a condição necessária para atendê-lo, adoece a professora", diz uma professora da rede municipal de ensino que não quis ser identificada.

E ela completa: "Mesmo com toda a formação sente-se desamparada e percebe que somente a sua conduta não ajuda o aluno, a escola realiza todos os encaminhamentos que dependem dela, cobra da mantenedora, muitas vezes sem sucesso, a família fica numa tensão complicada, cobra da escola, cobra da professora, pois é o único canal para que a necessidade de seu filho seja atendida,” diz.

Para Lilian Santos, mãe de Cristopher Ribeiro Franco, de oito anos, aluno do primeiro ano, a situação da falta de apoio especializado na escola tem ficado cada vez mais difícil. “A princípio tínhamos um diagnóstico de TDAH, ele é agressivo porque não consegue se comunicar. Com isso, fomos em busca de um novo diagnóstico e agora no início do ano recebemos esse laudo do autismo. Eu parei de trabalhar para poder atender ele, e as dificuldades junto à escola só aumentam. Toda semana tem reclamação sobre ele, sobre ele bater nos alunos, quebrar materiais, foge da sala, e outras coisas. Ele foi para o primeiro ano sem saber números, letras. Toda essa situação sem tutor,” diz.

Lilian conta que ele passou, quando estava na Educação Infantil, por três Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI). “Ele foi praticamente expulso de um destes CMEIs, aí foi para uma Escola Especial e só regrediu. Agora, está na escola de ensino fundamental e tem sido muito difícil ouvir toda hora reclamações sobre ele, mas quando questiono sobre o apoio de um tutor, não tenho resposta. Sinto falta de atenção e sensibilidade com alunos autistas”, desabafa a mãe.

Recentemente, uma publicação nas redes sociais do Prefeito de Curitiba, Rafael Greca, também recebeu vários comentários de mães cobrando que o apoio especializado aos filhos autistas seja assegurado.


No mês da conscientização do autismo, alunos são prejudicados sem tutores em escolas municipais de Curitiba / Reprodução internet

Falta de apoio especializado compromete a aprendizagem do aluno autista

Segundo especialistas da área da Educação Especial, a falta do apoio em sala de aula compromete o processo ensino aprendizagem do aluno autista. Para a especialista em autismo e presidenta da União de Pais pelo Autismo no Paraná, Amábile Marchi, sem apoio o aluno não consegue se manter em sala de aula devido aos estímulos sensoriais, além da dificuldade em acompanhar o conteúdo e se comunicar com os colegas e professores.

“O professor de apoio é de extrema importância para que, junto aos demais profissionais, identifiquem e retirem as barreiras que impedem o aluno autista de permanecer e desenvolver uma autonomia e independência nos estudos. Ademais, o capacitismo e o bullying são práticas constantes nos ambientes escolares, o que pode levar esse aluno a desenvolver baixa autoestima e até depressão,” afirma.

Ela destaca que o autismo não impede o processo de ensino aprendizagem, mas sim a falta de adequação deste aluno ao ambiente escolar. “Os alunos autistas têm dificuldades na comunicação e na interação social, além de questões sensoriais e disfunção executiva que influenciam o modo que recebem os estímulos do ambiente. O autismo não impede o processo de aprendizagem, e com apoio de toda a escola (desde professores, funcionários, colegas) o estudante autista pode ter sucesso em todo processo de aprendizagem,” cita.

Lutando para que a educação em Curitiba seja, de fato, inclusiva, o Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba (Sismmac) tem levado esta pauta para os órgãos responsáveis e pedindo providencias.

Prefeitura não cumpre a lei, segundo sindicato.

Para a professora e dirigente do Sismmac, Adriane Silva, a legislação não é cumprida pela prefeitura de Curitiba. “O município interpreta de forma rasa a lei da inclusão e confere o direito ao profissional de apoio apenas às crianças com deficiência que precisam de auxílio para a alimentação, locomoção e higiene, enquanto alguns municípios estendem o direito aqueles que têm transtornos do neurodesenvolvimento, como o autismo. Os números do autismo têm aumentado progressivamente e a gestão não tem se preparado para isso. Os autistas só conseguem profissional de apoio quando possuem outra deficiência física associada. É sabido, por meio dos estudos, que, quanto antes o autista tem diagnóstico e apoio individualizado, o avanço no comportamento e socialização ocorre mais rápido,” diz.

Além disso, o que vem ocorrendo, segundo Adriane, é que os tutores que são encaminhados pela Secretaria não têm qualificação para tal. “O profissional de apoio na rede municipal de Curitiba é um estagiário/a de Pedagogia, enquanto deveria ser um professor formado e com especialização em áreas da inclusão. Assim, o município fere a lei do estágio ao mesmo tempo em que tira o direito do estudante com deficiência a ter um atendimento mais qualificado,” afirma.

O sindicato propõe que essa pauta seja prioritária e, uma das soluções é também a redução do número de estudantes por turma, conforme prevê o Plano Municipal de Educação, e a presença de um segundo regente em sala de aula.

Edição: Pedro Carrano