Paraná

Coluna

E quando a dor não ensina nada às pessoas? E quando policiais apenas reproduzem o que viveram

Imagem de perfil do Colunistaesd
Portanto, a dor não nos ensinará, mas ensinar a aprender pode mudar o mundo. - Giorgia Prates
O militarismo exacerba as tensões e potencializa as possibilidades de abusos

Por muito tempo eu acreditei que as chances de um mundo melhor seriam muito maiores do que a do caminho contrário.

Isso se baseava na premissa de que havia dois caminhos trilhados por todos nós que nos levariam a esse mundo melhor. Um caminho era o da vontade de aprender, de estar atendo ao nosso redor, de querer ser uma pessoa melhor, evoluir, e o outro seria o da dor.

Logo, se você não aprendesse pelo amor ao conhecimento, então aprenderia pela dor. Nesse caso, uma pessoa poderia ser preconceituosa, mas sofreria as consequências disso, aprenderia pela dor que sua postura causa sofrimento a outras pessoas e mudaria. Teríamos, então, um caminho de crescimento para todos, mas, para que isso fosse possível, a ideia de que a dor nos ensina deveria estar correta.

A polícia militar brasileira é dividida em em dois níveis: oficiais e praças.

As praças seriam, grosso modo, a linha de atendimento ao público, enquanto os oficias seriam o grupo de coordenação e comando. As divisão não é tão clara assim, mas serve à explicação. Há uma certa tensão entre os dois segmentos, como existem em outras atividades entre o grupo executor e o coordenador, porém, o militarismo exacerba as tensões e potencializa as possibilidades de abusos.

O que quero dizer é que a probabilidade de um soldado ter sofrido um abuso de poder por parte de um oficial ou superior hierárquico não é negligenciável, principalmente durante o seu período de formação. Logo, um soldado, possivelmente, sentiu dor. A questão é: será que esse soldado quando em serviço reflete acerca do sofrimento que sofreu e tenta não reproduzi-lo na interação com outras pessoas? ou será que ele pensa que o sofrimento que ele sofreu foi injusto, mas o das pessoas com quem interage é legítimo?

O livro Maus, de Art Spiegelman, retrata a história de um sobrevivente do holocausto. Alguém que certamente sofreu terrivelmente devido ao preconceito. O surpreendente é que esse sobrevivente é também racista, e quando confrontado acerca do seu racismo responde que o seu preconceito é diferente porque é legítimo, enquanto o preconceito sofrido por ele não era.

A dor não ensinou nada a essa pessoa, pois a dor não é uma professora. A diferença entre essa pessoa e tantas vítimas do nazismo que se colocaram contra o preconceito, é que as outras pessoas estavam atentas à realidade, estavam refletindo, compreendendo padrões. A dor nesses casos serviu ao ensino porque essas pessoas estavam dispostas a aprender e aprenderiam em qualquer circunstância. A realidade terrível que viveram somente foi um meio que lhes expôs a um conhecimento que eles perceberiam também de outras formas.

A reflexão pode parecer desanimadora, mas a mensagem é que a vontade de aprender é fundamental para um mundo melhor, e não a dor. Portanto, a dor não nos ensinará, mas ensinar a aprender pode mudar o mundo.

Edição: Pedro Carrano