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Direitos Humanos

Como foi a resistência dos estudantes durante a ditadura militar em Curitiba?

A luta do movimento estudantil foi a responsável pela não implementação do ensino pago na UFPR

Curitiba (PR) |
A resistência estudantil desempenhou um importante papel em todo o país durante a ditadura militar. - Foto: Arquivo Nacional

Durante as décadas de 1960 e 1970, o movimento estudantil do Paraná desempenhou um papel significativo no enfrentamento à ditadura civil-militar e às políticas educacionais impostas no período.

O protagonismo do estado nessa forma de resistência pode estar relacionado a algumas características do estado na época. O historiador e pesquisador sobre ditadura militar em Curitiba, Luiz Gabriel da Silva, conta que as entidades estudantis eram muito aguerridas, mesmo antes de 1964 já participavam de discussões e exigiam demandas para a educação. 

Além disso, a capital concentrava jovens de todas as regiões do Brasil. “Curitiba tem uma tradição de receber alunos de outras partes do país, principalmente por causa da Casa do Estudante Universitário e das pensões localizadas no entorno da universidade. Isso tornava relativamente barato morar e estudar aqui”, conta o pesquisador.

Para ele, as conquistas dos universitários no Paraná serviram de laboratório para outros movimentos estudantis e representaram enfrentamentos diretos da ditadura, que ajudaram a rever as formas de se pensar a universidade.

Em contrapartida, já nos primeiros momentos do golpe militar, a influência sobre a Educação Superior já se fazia sentir no estado. O então reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Flávio Suplicy de Lacerda, foi nomeado como ministro da Educação do governo Castello Branco, evidenciando uma estreita ligação entre as esferas acadêmica e política.

Ao mesmo tempo, a repressão começou a atuar sobre o movimento estudantil, com ações contundentes contra entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Paranaense dos Estudantes (UPE), que tiveram seus prédios invadidos por agentes da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), inaugurando um período de tensão e controle na vida estudantil.

Luta contra o ensino pago nas universidades


Comunicado na Universidade Católica conclamando os calouros a aderirem à campanha contra o ensino pago / Foto: DEA/DOPS

Um dos principais ataques do regime militar ao ensino público brasileiro seria a implementação do ensino pago nas universidades federais. Na época, a UFPR foi escolhida para ser a pioneira da nova política.

Em um primeiro momento, a medida pretendia cobrar anuidades apenas dos calouros e os primeiros cursos a ter a cobrança implementada seriam o de Direito e de Engenharia.

Os universitários rapidamente organizaram estratégias de resistência ao ensino pago, com trabalhos de divulgação contra a proposta nos cursinhos pré-vestibulares, panfletagem e manifestações.

Como resultado, em maio de 1968, o dia do vestibular foi marcado pelo confronto de centenas de alunos com as forças de repressão. O episódio ficou conhecido como a “Batalha do Politécnico”.

Carlos Marés, advogado, ex-militante e acadêmico da época, lembra que ele e os colegas atiravam bolinhas de vidro no chão para que os cavalos escorregassem. “Foi a luta da bolinha de gude contra a cavalaria poderosa”, conta Marés.


O estudante Zequinha com seu estilingue enfrenta a PM. Foto: Edison Jansen/O Estado do Paraná

Na “Batalha do Politécnico” foram mais de 70 detidos. Logo em seguida, cerca de três mil pessoas se reuniram no quartel da Polícia Militar da rua Marechal Floriano Peixoto, no bairro Rebouças, para exigir a liberação dos estudantes. Todos foram liberados horas depois.

“Lembro que quando fui preso o policial me deu uma lição de moral dizendo que eu estava andando com comunistas e precisava abrir o olho. Foi nesse momento que percebi como eles ainda não estavam bem informados, não sabiam que éramos todos do mesmo grupo”, diz Marés.

No dia seguinte, em continuidade à resistência ao ensino pago, os discentes ocuparam a reitoria da UFPR, realizando o ato simbólico de derrubada do busto do então reitor Flávio Suplicy de Lacerda.

Neste ato, o governador do estado, Paulo Pimentel, interviu para que as forças policiais não realizassem outro episódio de repressão. Buscando o diálogo com os alunos, o governador convidou as lideranças para uma conversa e propôs uma negociação direta com o Ministério da Educação (MEC).

Momentos mais tarde foi confirmada a vitória: não seriam cobradas anuidades na UFPR.

“Se não fosse essa resistência, provavelmente o ensino pago teria sido implementado nas universidades. O movimento estudantil foi o catalisador de muitas das conquistas nesta época, eles deram a cara a bater”, afirma Luiz Gabriel.

Congressos clandestinos e prisões


Estudantes presos na Chácara do Alemão, em Curitiba. / Foto: DEA/DOPS

Entretanto, o ânimo dos universitários começa a diminuir à medida que o final de 1968 se aproximava. A repressão estava se intensificando e, consequentemente, a relativa liberdade de protesto estudantil tinha os dias contados.

Uma das operações mais repressivas ocorreu durante o XXX Congresso Nacional da UNE, realizado de forma clandestina em Ibiúna, no interior de São Paulo, que resultou na prisão de mais de 700 pessoas.

O congresso tinha como intenção deliberar sobre os próximos passos do movimento estudantil, que já apresentava sinais de divisão interna, com uma parte defendendo a resistência democrática e outra a luta armada como solução para a conjuntura política.

Vitório Sorotiuk, presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFPR naquele ano, conta que os representantes do Paraná estavam participando do congresso e muitos foram detidos.

“Em Ibiúna, vários estudantes paranaenses foram presos, ficamos uma semana no presídio de Tiradentes e depois, por intervenção do governador, retornamos para Curitiba”, conta.

Após a ação repressiva em São Paulo, há uma tentativa de organizar congressos regionais para dar andamento às discussões. No Paraná, os universitários se reuniram na “Chácara do Alemão”, no bairro do Boqueirão.

O encontro estudantil ocorreu em 17 de dezembro de 1968, apenas quatro dias após a promulgação do Ato Institucional-5, que concedeu poderes sem precedentes às forças da repressão.

Ansiosos para reprimir qualquer atividade considerada subversiva, as forças policiais estavam atentas desde o momento em que os estudantes começaram a se deslocar da Praça Rui Barbosa em direção ao congresso.

A ação ocorreu nos primeiros momentos do encontro, deixando pouco ou nenhum tempo para qualquer reação. A operação resultou em 42 detidos, desses 15 foram condenados, marcando o endurecimento da repressão em Curitiba.

“Esse momento foi uma virada de chave para a resistência estudantil no estado. Foi a primeira vez que prisões efetivas acontecem e também os primeiros relatos de tortura no Quartel da Praça Rui Barbosa”, comenta o historiador Luiz Gabriel.

Dos detidos, Vitório foi quem permaneceu mais tempo na prisão. “Foram dois anos e 10 meses no presídio, fiquei em Curitiba mas também em Tiradentes, em São Paulo. Foram quase três anos com luz acesa de manhã, tarde e noite”, relembra Vitório

O exílio e a resistência 

Com a impossibilidade de uma resistência democrática, os estudantes enfrentaram três alternativas: engajar-se na luta armada, buscar o exílio ou optar pela acomodação, aguardando por uma conjuntura política mais favorável.

A partir de então, as manifestações de rua tornaram-se escassas. Durante nove anos, desde o momento da promulgação do AI-5 até a passeata estudantil na Universidade de São Paulo (USP), em 1977, não se viu manifestações pelas ruas do Brasil.

Em Curitiba, grande parte dos universitários optaram por uma acomodação temporária, no sentido de aguardar novas possibilidades de mobilização. Outros, foram para o exílio ou escolheram as guerrilhas.

Após a prisão, Vitório Sorotiuk não tinha acesso ao atestado de boa conduta, fornecido pelo DOPS, não conseguia encontrar empregos que o contratassem no Brasil, por isso foi para o exílio.

“No início me exilei no Chile, continuei com minhas atividades de militância e, após o golpe fascista do General Augusto Pinochet, fui prisioneiro no Estádio Nacional por 45 dias. Depois vivi na França e na Suíça, sempre participando na organização dos Comitês de Anistia”, conta Sorotiuk.

Carlos Marés também foi para o exílio, mas teve outras motivações. “Em 1970 eu fui condenado em dois processos com muitos anos de prisão, por isso precisei sair do Brasil e só voltei com a anistia, 10 anos depois”, narra.

Marés conta que durante o tempo de exílio morou no Uruguai, no Chile e na Dinamarca. Neste período também manteve sua atividade política e organizou grupos voltados para a denúncia da ditadura brasileira em todos os locais que esteve. “Acredito que 90% dos exilados participavam de organizações de denúncia à ditadura brasileira”, afirma.

Edição: Pedro Carrano