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Coluna

O modo de produção capitalista dependente prejudica a oferta de Saúde

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Nessa perspectiva, passa-se a compreender o subdesenvolvimento enquanto forma necessária para atender ao desenvolvimento combinado e desigual da acumulação capitalista - Giorgia Prates
Ao falar de capitalismo e saúde, é fundamental trabalhar a categoria do trabalho

1. Ao longo da história latino-americana tivemos diferentes teóricos que se debruçaram a pensar epistemologicamente a produção de saúde e doença com a perspectiva revolucionária.

Para construir nossas concepções, partimos de alguns movimentos teóricos e práticos:

A) Os militantes abolicionistas que refletiram sobre a determinação social de saúde do século 18;

B) As obras revolucionárias da Europa no século 19, que faziam uma crítica à medicina e à saúde pública no final do Império;

C) Teóricos estadunidenses com importantes reflexões sobre o pensamento crítico epidemiológico do sistema social e integral. Esses teóricos deram condições concretas e filosóficas para o impulsionamento de diferentes núcleos de Medicina Social na América Latina.

2. Esses grupos da América Latina tinham como critério fundamental vincular-se com a luta dos povos, pela superação do capitalismo, regime centrado na acumulação e na produção de iniquidades sociais. Os intelectuais-militantes compreendiam que o modo de produção vigente era incompatível com uma sociedade com modos de vida saudáveis. Foram esses pressupostos que deram origem à teoria da determinação social do processo saúde-doença.

3. A produção de doenças ocorre no plano coletivo, deste modo, para falar de saúde é preciso compreender que determinada condição saúde-doença deve considerar processos estruturais do modo de produção capitalista e suas particularidades em dada formação social.

4. Saúde, portanto, é um processo complexo determinado socialmente, em uma dialética entre dois polos vivos: o individual e o coletivo. Em que ambos são constituídos pela economia política e a ecologia, portanto precisam estar em constante diálogo com as ciências da saúde, para garantir uma compreensão acerca do movimento da vida, do metabolismo histórico da natureza e nos modos de vida no quadro da acumulação capitalista.

5. Ao falar de capitalismo e saúde, é fundamental trabalhar a categoria do trabalho. O trabalho em sociedade, produz ao ser humano meios necessários para sua sobrevivência, bem como dá a ele a capacidade de transformar a natureza e o mundo, e na medida que as transforma, transforma a si mesmo. Assim, o trabalho possui um caráter dialético e ontológico, constituidor do ser social. Para além disso, ele também é fonte de construção de identidade e autoestima, tendo um papel constituidor da subjetividade dos sujeitos, engendrando processos de formação de consciência e de personalidade, ao mesmo tempo que desperta emoções e sentimentos.

6. No entanto, o trabalho no capitalismo aliena o sujeito em relação ao seu trabalho, de modo que ele perde o controle do objeto, dos instrumentos e da organização, e na verdade se torna objeto deste produto (por ele produzido) enquanto um poder que lhe é superior e que o controla. Assim, o trabalho deixa de ser um espaço de realização, de finalidade e de existência e torna-se simplesmente meio de sobrevivência individual externo ao sujeito, materializado em forma de salário.

7. Este trabalho, no contexto do Brasil, se dá no lugar de “capitalismo dependente”. Dizemos capitalismo dependente por entender que as raízes do subdesenvolvimento não estão associadas ao atraso industrial de cada país em si, e sim no processo histórico e na forma como a América Latina foi, através da colonização pela Europa, incorporada ao mercado mundial. Nessa perspectiva, passa-se a compreender o subdesenvolvimento enquanto forma necessária para atender ao desenvolvimento combinado e desigual da acumulação capitalista em sua totalidade, ou seja, transforma alguns países fornecedores de matérias-primas em uma verdadeira drenagem de riquezas aos centros industrializados. Ao mesmo tempo, para que esta drenagem tenha sustentação, é preciso apoiar-se na “superexploração da força de trabalho, expressando o processo real de produção e reprodução do capital nos países latino-americanos”. 

8. Ruy Mauro Marini descreve as características da superexploração como:

A) Prolongamento da jornada do trabalhador/a;

B) A intensificação da jornada, acelerando o processo de produção e o próprio trabalho em si;

C) Possibilidade de expropriação de parte do trabalho socialmente necessário para a reprodução da classe trabalhadora. Portanto, em um país onde quem vende sua força de trabalho, o faz de forma superexplorada àquilo que ocupa parte significativa do tempo de vida e sociabilidade, terá impactos diretos no quadro de saúde e de doença de um determinado povo.

9. No caso do Brasil, as raízes do subdesenvolvimento/dependência estão no processo histórico, na forma como tivemos nossas terras colonizadas por Portugal e incorporadas ao mercado mundial, como exportadoras de matérias-primas. Dito tudo isso, para sintetizar: esses agravantes (dependência, superexploração) no modo de funcionamento do capitalismo brasileiro, condicionam o povo brasileiro a um lugar de produção de doenças, epidemias, lesões, entre outros aspectos que constituem sua subjetividade, mas também limitam sua existência. Por isso, para que todo povo seja saudável, é necessário ser e lutar por uma sociedade fundamentalmente anticapitalista.

Edição: Pedro Carrano