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Primeira mulher a comandar o Ministério da Saúde, por que Nísia Trindade é tão pressionada pelo centrão?

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Presidente Lula já havia defendido nome de Nísia Trindade durante Conferência Nacional de Saúde - Marcelo Camargo/Agência Brasil
Nísia foi alvo de 35 pedidos e convocações para prestar esclarecimento na Comissão de Fiscalização

1. Nísia Trindade, Ministra da Saúde, foi presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) desde 2017, principal centro tecnológico e de pesquisa em saúde do Brasil, e vem sofrendo ataques do "centrão" desde o ano passado. Durante a Conferência Nacional de Saúde em julho de 2023, Lula, com a aclamação das trabalhadoras/es da saúde e sociedade civil para a ministra, defende que o Ministério é de seu governo, e não cederá às pressões de Artur Lira (PP-AL), que cobra por uma indicação dos parlamentares à pasta.

2. Nessa semana, os ataques do centrão assumiram um novo capítulo. No contexto da disputa sobre o controle do orçamento e emendas parlamentares entre Executivo e Legislativo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) questionou a ministra sobre a aplicação e distribuição de recursos pela pasta. Nísia já foi alvo de 35 pedidos e convocações para prestar esclarecimento na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, sendo a ministra com mais solicitações do tipo entre os ministros do governo.

3. No entanto, esses elementos não fazem alusão à incapacidade de gestão da ministra que dirigiu o processo da pandemia à frente do Instituto que produziu vacinas para todo o povo brasileiro. Sugiro algumas motivações dessa perseguição abaixo.

4. A pasta da Saúde é a que detém mais verba do orçamento federal e tem um poder de destinação de recursos muito rápido. Isso desperta o interesse dos parlamentares, que veem na pasta uma oportunidade de beneficiar diretamente suas bases eleitorais.

5. Jair Bolsonaro (PL) deixou uma proposta orçamentária que reduzia os investimentos em saúde em R$ 22,7 bilhões de reais. Somado a isso, Michel Temer (MDB) instituiu o teto de gastos, em 2016: a Emenda à Constituição (EC) congelava os investimentos sociais por vinte anos. No entanto, a equipe de transição aprovou uma PEC que permitiu deixar de fora da regra fiscal R$ 145 bilhões no orçamento para bancar despesas como o Bolsa Família, o Auxílio Gás, Mais Médicos, Rede Cegonha e o Farmácia Popular. Mas mesmo assim, o dinheiro destinado para o setor sofreu queda histórica de 64% entre 2013 e 2023, de acordo com o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde.

6. Vivemos atualmente uma crise ambiental, com mudanças climáticas extremas capazes de gerar as condições ideais para vírus, bactérias e microorganismos totalmente novos serem produzidos. Para agravar esse cenário, segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a taxa de imunização despencou de mais de 90% para cerca de 70%. Colocando o Brasil entre as dez nações com menor cobertura vacinal do mundo. Esse dado sintetiza intimamente a conjuntura anticiência construída no país no último período.

7. Nísia é a primeira mulher na história do Brasil a comandar o Ministério da Saúde, e não falta currículo que demonstre a sua plena capacidade intelectual e técnica para o cargo. Ela é socióloga e cientista política, sendo uma referência pela produção científica com mais de 100 publicações entre artigos, livros e textos, além de participação de eventos no mundo todo. Mas o fato de ela sair chorando da reunião ministerial, em que Lula novamente precisou defendê-la, foi motivo suficiente para o centrão e a Globo manifestarem seu machismo e reforçarem que o lugar da mulher não é o espaço público e da política, e sim o espaço privado. A mídia burguesa, aliada aos interesses do centrão/burguesia, reforçam um argumento construído pelo patriarcado de que a mulher é sensível e emotiva, e pouco racional, como os homens são, condicionando a redução das mulheres em espaços políticos, sobretudo àquelas com projeto à esquerda.

8. Nísia resgata um projeto nacional de desenvolvimento tecnológico e de participação social em saúde, cuja as referências se pautam nas linhas da Constituição Federal e nas Leis 8080, de 1990, que instituiu o SUS e o transformou numa política de referência para o mundo todo.

9. No entanto, é um fato que há um problema estrutural no serviço, não pela gestão de Nísia, mas pela conjuntura política que sucedeu o atual momento e sobretudo por um limite burocrático da própria aplicação das leis que regulamentam o SUS.

10. É preciso superar a burocracia do sistema, inserir tecnologias - e não apenas princípios - que organizem o fluxo das filas de espera, e, principalmente, garantir que as campanhas de promoção de saúde e Atenção Primária em Saúde obtenham o maior financiamento e sejam executadas por agentes de saúde que estejam inseridos nas comunidades, e prioritariamente tenham participação em movimentos sociais, de modo que a gente supere o neofascismo, o conservadorismo, as fake news, o negacionismo e o movimento anticiência que paira no Brasil na última década, por meio do trabalho de base e da organização popular.

O SUS tem enraizamento para isso, pela proporção de sua cobertura universal sanitária.

*Ana Keil é fonoaudióloga e militante do Levante Popular da Juventude

**As opiniões expressas nesse texto não representam necessariamente a posição do jornal Brasil de Fato Paraná

Edição: Pedro Carrano