Paraná

Dia da Mulher

Amaue Jacinto, uma voz de coragem contra a violência de gênero nos territórios indígenas

Atualmente ela integra o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos por ter denunciado casos de violência

Paraná |
Estudante de Ciências Sociais, Amaue cada vez mais tem se destacado como liderança indígena em busca de justiça e paz para as mulheres indígenas - Divulgação

"A violência contra as mulheres indígenas dentro dos seus próprios territórios não é algo cultural nosso, ele foi trazido para dentro das nossas estruturas sociais pela colonização e consequentemente atravessado pelo patriarcado” diz Amaue Jacintho, indígena guarani Nhandewa, que desde 2020 vem denunciando casos de violência e, por isso, foi expulsa do seu território e atualmente integra o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas.

Estudante de Ciências Sociais, Amaue cada vez mais tem se destacado como liderança indígena em busca de justiça e paz para as mulheres indígenas. Em recente participação no Programa Quarta Sindical, ela relatou o começo da sua luta e destacou como pauta principal das mulheres indígenas neste 8 de março, a efetivação de políticas públicas que garantam segurança para as mulheres em seus próprios territórios.

Ela é nascida e criada na Terra Indígena Yvyporã Laranjinha, no Norte do Paraná, mas foi morar na Terra Indígena São Jerônimo em razão de seu casamento. Passados dois meses, Amaue e o marido alugaram uma casa na cidade de São Jerônimo da Serra em razão da proximidade com a família e para que o companheiro pudesse conseguir um emprego, já que eles conheciam muitas pessoas na região.

Nesse período, por duas vezes, integrantes do grupo de João Cândido da Silva foram até a casa da indígena. Após as intercorrências, Amaue registrou um Boletim de Ocorrência por ameaça na Delegacia de Polícia de São Jerônimo da Serra, Norte do Paraná

O começo da luta e a expulsão do seu próprio território

Em plena pandemia, no ano de 2020, Amaue disse que com o isolamento social ainda mais acentuado das comunidades indígenas começou a presenciar casos de violência dentro da Terra Indígena (TI) São Jerônimo, no Norte do Paraná, e fez uma publicação em suas redes sociais, no intervalo dos seus estudos com estudante de Ciências Sociais.

Segundo ela, o cacique do seu território não viu com bons olhos e também não quis dialogar, levando a expulsão dela, seu marido e filhos. Após um ano em que já estava morando na cidade, um grupo de mulheres com seus filhos foram até a liderança pedir abrigo porque estavam sofrendo violência.

“As lideranças cercaram a minha casa e eu me retirei da aldeia e fui morar na cidade. Não tinha como eu ficar dentro do território, saí fugida. Em setembro de 2020, que eu já estava na cidade, chegou na minha casa um grupo de mulheres indígenas com crianças, pedindo ajuda, porque elas estavam sofrendo violência. Por esse mesmo cacique. E o que aconteceu foi que acabamos indo para Londrina ocupar a Funai para ficar lá protegidas. Depois, não tinha estrutura para se manter lá, e cada uma tomou seu rumo. Mas,nenhuma voltou para seu território,” conta.

Ao retornar para a cidade que fica próxima a aldeia, houve tentativas de agressão a ela por homens, segundo Amaue, mandados pelo cacique. Ela chegou a registrar um Boletim de Ocorrência por ameaça na Delegacia de Polícia de São Jerônimo da Serra, Norte do Paraná.

Segundo ela, é necessário que órgãos com Funai autorizem, por exemplo, a entrada da polícia nos territórios. E, nesta época viviam a desestruturação da Funai ocasionada pelo governo Bolsonaro, o que dificultou ainda mais a situação dela e todas as outras mulheres.

Aumento de casos de violência contra a mulher indígena

Amaue, hoje vive em um assentamento do MST com seu marido e filhos e tem cada vez mais lutado e denunciado estes casos que, segundo ela, aumentam a cada ano. “A principal pauta na atualidade das mulheres indígenas que vivem em território é o combate à violência de gênero, a nossa principal luta. A gente tem índices alarmantes que estão sempre acima da média nacional, e, na atualidade, aqui pelos últimos meses, a gente também tem tido um avanço do suicídio entre mulheres indígenas. A gente sabe que o suicídio é multifatorial, mas também sabemos que um dos fatores principais é a violência que acarreta vários prejuízos para a vida das mulheres, não só psicológico, físico, mental, mas até mesmo no fato territorial,” cita.

Entre 2000 e 2020, houve um aumento de 167% nos números de feminicídio de mulheres indígenas, segundo o Instituto Igarapé. Só no Mato Grosso do Sul, estado com a maior população indígena do país, os casos de violência contra mulher indígena cresceram 495% em um período de seis anos. Contudo, ainda há indícios de subnotificação nos casos: entraves como a distância entre as comunidades e delegacias, a língua – 17,5% dos indígenas do Brasil não falam português – e a discriminação frequentemente impedem mulheres de registrarem denúncias. 

A violência de gênero entrou nos territórios pela colonização

Amaue ainda pondera que o machismo, um dos fatores que geram a violência de gênero não foi sempre parte da estrutura das comunidades indígenas, mas foi trazido pela colonização. “A gente foi atravessado pela colonização, pelo patriarcado, que é essa forma ocidental de se organizar.

Esse problema foi trazido para dentro das nossas estruturas sociais, e é um problema que a gente não tinha. As nossas estruturas sociais eram de respeito à vida, se a gente respeita as águas do rio, a árvore, os animais, como que a gente não vai respeitar a vida das nossas mulheres. Os nossos pilares estruturais sociais são de igualdade, coletividade, respeito à vida e não à toa que a gente é o grupo humano que mais preserva biodiversidade no planeta, 5% da população do planeta que são os povos indígenas preservam 80% da biodiversidade do planeta. Esta é a nossa essência que precisamos retornar,” diz.

Neste 8 de março, entre as mobilizações que serão realizadas em todo o país, esta pauta será debatida e colocada, segundo Amaue, pelas lideranças indígenas mulheres. “Eu tenho muita esperança que possamos conseguir avançar. É, antes de tudo, muito importante que as mulheres indígenas sejam chamadas para falar e serem ouvidas porque também a anos de descaso do Estado. Nossa luta é territorial e nacional.”

 

Edição: Pedro Carrano