Paraná

ENTREVISTA EXCLUSIVA

Especialista alerta que descontinuidade de políticas de combate à dengue acentuou a epidemia no país.

Segundo a Secretaria de Saúde do Paraná, o pior ainda está por vir, com aumento do número de casos

Paraná |
Professora do Departamento de Saúde Comunitária da UFPR cita como uma das causas da epidemia a descontinuidae de políticas contra dengue, em outros anos - Daniel Castellano/SMS

A Secretaria de Saúde do Paraná (SESA) emitiu novo informe sobre a situação da epidemia de dengue no Paraná. No total, já são mais de 73.928 casos confirmados e 37 mortes. Em recente pronunciamento na Assembleia Legislativa, o diretor-geral da SESA, César Neves, disse que o Paraná ainda vai atingir o pico, aumentando consideravelmente o número de casos.

O Brasil enfrenta uma epidemia de dengue com 1.212.263 casos da doença e 278 mortes confirmadas em 2024, segundo dados do Ministério da Saúde.

Para combater a epidemia no estado, a SESA informou que foi anunciado um aporte financeiro de R$ 93 milhões para o auxílio em várias frentes - inclusive hospitalar - no combate ao mosquito e atendimento à população do Paraná.

Já a ministra da Saúde, Nísia Trindade, em coletiva à imprensa nesta terça feira, 5, disse que será emitida uma nova nota técnica recomendando a ampliação da faixa etária do público a ser vacinado contra a dengue. Hoje, as vacinas são dirigidas para o público até 11 anos, mas o objetivo é ampliar para 14 anos.

Para compreender o quadro atual da doença no país e suas causas, o Brasil de Fato Paraná conversou com a professora do Departamento de Saúde Comunitária da UFPR, Eleusis Ronconi Nazareno.

Para ela, não há como avaliar a situação do país da mesma maneira, mas destaca que no mundo inteiro o número de casos de dengue aumentou devido a diversos fatores, entre eles, o crescimento urbano desordenado com saneamento precário e os efeitos do desequilíbrio ambiental.

Eleusis ainda afirma que mesmo sendo a vacina uma medida importante, hoje o Brasil não tem condições de chegar a toda população.

Confira a entrevista:

BDF PR: A que se deve o aumento de casos de dengue em determinadas localidades do país?

Eleusis Ronconi Nazareno. O Brasil apresenta uma epidemiologia para dengue diferente conforme cada região, estado e localidade. Há que se considerar o tamanho continental do Brasil que nos impede de falar em uma situação única para todo o país, uma vez que é equivalente a um conjunto de países de menor tamanho.

Segundo dados da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), a incidência global da dengue aumentou consideravelmente nas últimas duas décadas, tanto em nível global quanto na região das Américas, onde são registrados 80% dos casos mundiais. Os dados do ano de 2024 mostram que o Brasil é responsável por cerca de 81% dos casos notificados nas Américas.

Porque o Brasil enfrenta uma epidemia de dengue e a que se deve?

Desde 1981-1982, quando se documentou uma epidemia de dengue em Boa Vista, Roraima, causada pelos sorotipos 1 e 4, o Brasil registra epidemias em vários locais do país.

A partir daí, a dengue passou a ocorrer de forma continuada, em algumas regiões de forma endêmica e com alternância de períodos de maior incidência e epidemias, com padrão sazonal, isto é, maior incidência em períodos quentes e chuvosos.

Esta situação de ocorrência permanente em baixos níveis, intercalada com altos índices, ou seja, de forma endemo-epidêmica é observada em várias regiões do país.

Quais os principais fatores que ocasionaram essa epidemia?

Se deve a diferentes fatores, tais como: a grande disseminação do vetor, Aedes aegypti, pelas áreas urbanas do país de difícil combate; a existência de populações ainda susceptíveis à infecção por algum dos quatro sorotipos do vírus, o que propicia aumento de casos quando da introdução de um novo sorotipo; o crescimento populacional desordenado com saneamento precário, principalmente relacionado à disposição inadequada de resíduos sólidos, devido à expansão crescente do consumo de mercadorias embaladas por materiais capazes de acumular água quando dispostos a céu aberto; fatores climáticos como o El Niño que favoreceram o aumento das temperaturas com ondas de calor prolongadas e chuvas intensas; o relaxamento das ações de combate em anos seguidos repercute nos anos subsequentes, pois as ações devem ser permanentes e de forma sistemática, especialmente em áreas urbanas contíguas, já que o mosquito se propaga sem respeitar “fronteiras” ou limites, sejam intermunicipais, sejam interestaduais e, ainda, a acomodação da população em relação à continuação dos cuidados intra e peridomiciliares para evitar o acúmulo de água parada, assim como a falta de ações para além do domicílio, na vizinhança ou bairro aonde estejam ocorrendo surtos da doença.

3. É a primeira vez que temos vacina contra a dengue? Ela será eficaz para conter a epidemia?

Já foi aprovada anteriormente uma vacina contra dengue, do Laboratório francês Sanofi, que era em três doses com seis meses de intervalo e cujos estudos mostraram ser mais segura a ser aplicada em pessoas que já tiveram a doença, pois assim evitaria riscos devido à imunidade cruzada entre os tipos de vírus. Mas, esta dificuldade, de comprovar a infecção anterior, somada a fatores operacionais em aplicar três doses, inviabilizaram o seu uso em larga escala e em situações epidêmicas.

Já o Laboratório japonês Takeda conseguiu uma vacina que com duas doses, com três meses de intervalo, mostrou eficácia para os quatro tipos de vírus próxima de 80% para a doença e 90% para hospitalizações, isto é casos graves.

Nesse sentido, o Ministério da Saúde brasileiro acertou em comprar esta vacina para usar na nossa situação atual, porém o laboratório não tem como fornecer toda a quantidade que o Brasil precisaria de imediato, por questões de dificuldades na produção. As negociações foram para fornecer cerca de 5 a 6 milhões de doses no primeiro, 9 milhões no segundo ano até chegar a 50 milhões de doses em 5 anos.

Até lá, ainda vamos conviver com epidemias, surtos localizados e as demais medidas de controle do vetor e organização dos serviços para atender precocemente os casos graves continuarão muito necessárias.

Ainda temos uma terceira vacina desenvolvida pelo Butantã em parceria com o laboratório MSD, de vírus atenuado, que está em fase de testes com 16.235 voluntários de 13 estados brasileiros, que devem terminar em 2024. A grande vantagem dela é ter mostrado 79,6% de eficácia em dose única, além de ser tecnologia nacional.


Professora do Departamento de Saúde Comunitária, Eleusis Ronconi Nazareno / Leonardo Bettineli/UFPR

 

 

Edição: Pedro Carrano