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Sente o negro drama, vai, tenta ser feliz

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Faz-se necessário avançarmos, principalmente na academia, em construções analíticas materialistas - Carl de Souza/AFP
Estudante teve sua matricula cancelada após banca de heteroidentificação rejeitar sua autodeclaração

Aprovado no curso de medicina da USP, um estudante teve sua matricula cancelada após a banca de heteroidentificação rejeitar sua autodeclaração como pardo. Como ele descobriu que não estava matriculado? No primeiro dia de aula. Agravante da situação, a análise da banca se deu por chamada virtual, o estudante relatou que durou menos de um minuto, nenhuma pergunta sobre sua trajetória foi feita, ele apenas leu sua declaração de autoidentificação.

O episódio traz à tona o debate sobre autodeclaração, colorismo e o abismo entre a institucionalidade e a realidade. É claro que assim que a notícia foi ao ar, o tribunal virtual está trabalhando a todo vapor, há os que reconhecem fenótipos negroides no estudante, há os que dizem que sua pele não é escura o suficiente, mas, neste engodo social, como encontraremos uma saída concreta para realidade brasileira? Como lidar com posturas afroconvenientes quando brancos reivindicam uma “negritude de sangue”? Como construir consensos concretos sobre a concepção de brancos e não brancos?

São muitas perguntas e não haverá resposta simples para uma situação tão complexa, ainda assim, cabe-nos uma reflexão profunda sobre os caminhos que temos trilhado na construção de analises teóricas que deem conta deste conflito social.

  1. A concepção de racismo no Brasil não tem raiz em nossa ascendência genética porque é pautada nos nossos traços físicos, por isso pessoas negras de pele clara são condicionadas estruturalmente às mesmas exclusões impostas a pessoas negras de pele escura. Esta afirmação não anula a constatação de que quanto mais retinto for um corpo, maior a violência do racismo, a questão é que a variação nos mecanismos de opressão não anulam as estruturas de exploração.

  2. O pensamento social brasileiro se debruça sobre o tema da questão racial, desde o século passado com vários expoentes, temos repertório suficiente para analisar nossa realidade, no entanto a hegemonia de teóricos estrangeiros nos aprisiona em conceitos e análises que em nada dialogam com a formação social/racial brasileira. Clóvis Moura, Oracy Nogueira e Jacob Gorender, por exemplo, são autores considerados “muito militantes” para academia, não são “clássicos” dos temas que abordam, consequência direta é que falamos mais de colorismo (conceito estadunidense) que de racismo de marca e racismo de origem (teoria brasileira).

Acrescente a esta complexa problemática a questão indígena, porque nem todo pardo é descendente de brancos e pretos.

Atravessando a fronteira das redes sociais onde tudo se resume a um limite de caracteres, no Brasil real temos várias definições do sujeito miscigenado, exemplo: cafuso, caboclo, mameluco, guaranissei ou orientupi, sarará, bugre e ciganagô. Viu como no Brasil a questão racial não é apenas uma questão de pardos, pretos e brancos?

Entre tantos caminhos que podemos construir no pensamento social brasileiro, nenhum que dependa exclusivamente das elaborações “de fora”, será capaz de contribuir com a concreta análise de nossa realidade. Todo mecanismo de reparação histórica é legitimo, ainda assim, se queremos construir um futuro emancipatório, faz-se necessário avançarmos, principalmente na academia, em construções analíticas materialistas, a saída para qualquer ponto geográfico que se localize no sul global, partirá do chão em que pisamos.


 

Edição: Pedro Carrano