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Coluna

Apontamentos necessários sobre a Conferência Nacional de Educação (Conae)

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Durante o governo Bolsonaro a contradição principal no campo educacional se deu entre as fundações empresariais e o neofascismo, no entanto, parece haver uma convergência de fatores políticos que alteraram essa correlação de forças - Foto: Itamar Aguiar / Palácio Piratini
Criar um caldo de cultura que possibilite novas mobilizações sociais pela implementação do PNE

O objetivo desse pequeno texto é fazer uma avaliação política da Conferência Nacional de Educação que aconteceu entre os dias 28 e 30 de janeiro de 2024 em Brasília.

Fazer uma análise política sobre a Conae neste momento é fundamental, tendo em vista que o debate da política educacional brasileira no próximo período será hegemonicamente centralizado pela tramitação e aprovação do novo Plano Nacional de Educação (PNE 2024-2034).

A Conae 2024 foi convocada em caráter extraordinário, isso se deu principalmente porque a Conae 2022 foi extremamente antidemocrática, o Ministério da Educação (MEC) e o Fórum Nacional de Educação (FNE) foram autoritários nas decisões e condução da conferência. Isso acabou gerando prejuízo nos debates e discussões. Detalhe: o MEC e o FNE impuseram que a conferência fosse virtual com apenas 1,2 mil delegados cadastrados. Na Conae 2014 haviam estado presentes, em Brasília, 3,6 mil delegados. Em 2018, a quantidade de delegados foi reduzida a 1,5 mil delegados.

Em síntese, o documento de referência, produzido em 2022, não correspondeu às formulações aprovadas nas etapas municipais e estaduais. Foi a partir dessa conjuntura que o FNE que foi reorganizado 2023, articulou junto ao governo e ao MEC uma Conae Extraordinária para retomar o debate e a formulação de um novo documento referência.

Nessa retomada de articulação do FNE foi recuperada minimamente a ideia de participação popular. Tivemos mais de 2,5 mil participantes, a representatividade abarcou vários seguimentos, desde profissionais do magistério da educação básica e superior até parlamentares e instituições empresariais.

Envelhecimento do movimento docente

Um fato bastante interessante para analisarmos e tirarmos desdobramentos é o visível envelhecimento do movimento docente. Em sua absoluta maioria as/os delegadas/os da Conae eram pessoas de meia-idade (entre 45-59) e uma quantidade significativa já idosos. Ao menos a impressão é que jovens entre 22 a 33 anos não chegaram a ser 1/3 das/os delegadas/os da Conae. Junto a isso, podemos abordar a própria atuação do movimento docente, os métodos de agitação ligados a outro momento histórico.

A própria participação da juventude do movimento estudantil secundarista e universitário foi bastante restrita a palavras de ordem e paródias na plenária de abertura e no momento do discurso de Lula, se não fosse o “Fora Lemann” cantado pela plenária, teria sido desastroso. Um fato bastante questionável durante a plenária de abertura e no momento em que Lula discursou foi a palavra de ordem “A educação voltou”, palavra de ordem que, além de não ter conteúdo, acaba gerando vários questionamentos como: Voltou em quais condições? Qual educação voltou? Como está o lugar para onde ela voltou? Para onde a educação quer ir? Faço a avaliação que é bastante despolitizada, não denuncia, não anuncia, não acumula nem orienta para à ação.

Durante o mês de janeiro, circulou pelos grupos de WhatsApp supostas articulações, lives e posições públicas de figuras bolsonaristas desqualificando o processo das etapas municipais, regionais e estaduais da Conae e ameaçando participar e intervir das mais diversas formas no andamento da etapa nacional, em Brasília. Inclusive, algumas bancadas conservadoras e reacionárias do Congresso Nacional pediram o adiamento da Conae uma semana antes da etapa nacional.

No entanto, foi possível notar uma baixíssima participação de militantes bolsonaristas e liberais. A militância bolsonarista e liberal atuaram de forma individual, sem organicidade e por consequência não tiveram praticamente nenhuma incidência no documento final.

Acredito que as articulações e ações que o movimento bolsonarista realizou no ano passado para eleger conselheiros tutelares em todo Brasil, onde, diga-se de passagem, foi exitosa, acabou dispersando sua atenção das etapas municipais, regionais e estaduais que elegeram as/os delegadas/os para a etapa nacional da Conae, por consequência acabou inviabilizando a participação massiva na etapa nacional.

Como era de se esperar as fundações empresariais se fizeram presentes, não tiveram intervenção públicas possíveis de serem notadas, na verdade, a própria estrutura do Estado burguês garante a prioridade dos seus interesses, então, disputar um espaço como a Conae geraria um desgaste completamente desnecessário para as frações burguesas.

O “todos pela educação” que atua como “cara pública” das fundações empresariais ligadas a burguesia interna não se faz presentes em espaços onde eles não controlem completamente as iniciativas como nos espaços do MEC, Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), e Secretarias Municipais e Estaduais de Educação.

A participação organizada das/os trabalhadoras/es da educação nos colóquios, nas plenárias de eixo e na plenária final foi muito bem articulada pela organização da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE). Além da atuação perene que a CNDE tem, durante todo o mês de janeiro foi debatido o documento referência, e planejamento de como atuar durante a Conae.

Essa articulação foi imprescindível para a aprovação do documento referência que tramitará no Congresso, provavelmente ainda neste primeiro semestre. Segundo o ministro Camilo Santana no discurso de abertura da Conae, o MEC enviará ao Congresso o documento aprovado na Conae. Apesar de ser uma atitude que nos interessa, há dúvidas que isso será feito, e mesmo sendo feito, tendo em vista a correlação de forças no Congresso, não significa garantia de aprovação, muito pelo contrário.

É imprescindível destacar que atuação política do movimento docente ainda está centrada pelo credo nas instituições do Estado burguês, na legalidade do “Estado democrático de direito”, reivindicado inúmeras vezes.

Materialização do PNE

Isso acaba demonstrando que se acredita, mesmo após o descumprimento de mais de 88% do PNE (2014-2024), que aprovar um novo PNE é garantia da materialização da política educacional advinda dele. Porém, não é, e a história da política educacional brasileira demonstra isso.

A formulação aprovada na Conae 2024 é em vários aspectos mais avançada politicamente do que a elaboração de 2014, porque enfrentou e decidiu pela revogação da Reforma do Ensino médio, da Base Nacional Comum Curricular e da Base Nacional Comum Formação, revogou também a tentativa do governo neofascista de desconstituir o Sistema Custo-Aluno-Qualidade-Inicial e o Custo-Aluno-Qualidade, ratificou os 10% do PIB para educação.

Todavia, terá que enfrentar uma maior quantidade de inimigos que se encontram em um nível de organização mais avançado e enraizados do que entre os anos de 2010 a 2014. Esses inimigos são: as fundações empresariais incrustadas nas secretarias municipais e estaduais de educação e no próprio MEC, os agrupamentos neofascistas atuando organicamente nas igrejas neopentecostais e nas redes sociais, as escolas cívico-militares que seguem sendo criadas em vários estados e tendo entre seus defensores frações da própria classe trabalhadora, as bancadas de deputados federais e estaduais, senadores, vereadores, prefeitos e governadores pelos mais diversos estados brasileiros.

Em uma breve análise, podemos dizer que no PNE (2014-2024) o retrocesso se deu mais efetivamente no conteúdo da Lei 13.005/2014, visto que foi na lei que o financiamento continuou podendo ser drenado para iniciativa privada.

Por isso existe uma tendência objetiva que o texto advindo da Conae, em suas metas e estratégias sejam drasticamente modificadas, e a futura lei não consubstancie o que foi deliberado pela Conae.

Governo Bolsonaro

Durante o governo Bolsonaro a contradição principal no campo educacional se deu entre as fundações empresariais e o neofascismo, no entanto, parece haver uma convergência de fatores políticos que alteraram essa correlação de forças fazendo com que a contradição principal no campo educacional no atual momento passe a ser entre as organizações de esquerda em defesa da educação pública de gestão pública de um lado e as fundações empresariais e os agrupamentos neofascistas do outro.

Contudo, diferente do que foi o período anterior ao golpe de Estado de 2016, onde o conteúdo dessa disputa educacional foi centralizado pelo debate do financiamento (10% do PIB), na atual conjuntura parece haver uma tendência do conteúdo central da disputa passe a ser de caráter ideológico.

Um fato que não deve alterar é o tempo de tramitação, a protelação é uma das marcas da política educacional brasileira, se a tramitação e aprovação do ONE atual levou praticamente quatro anos, é pouco provável que o novo PNE será aprovado antes de três anos.

Frente ao exposto fica patente que existem limites concretos para materialização do PNE fora da organização e mobilização popular de massas.

Tão vital quanto formular um PNE, que garanta o direito à educação para as classes trabalhadoras, é a construção de um caldo de cultura que possibilite novas mobilizações sociais pela aprovação e implementação do PNE saído da Conae (2024), o que não acontecerá se continuarmos apenas convocando eventos e paralisações. É imprescindível construir um trabalho perene efetivo, cotidiano pela base das organizações, movimentos e partidos.

Manter um trabalho de resistência ativa que acumule forças não para datas festivas ou reivindicativas, mas um trabalho que se estruture em um tripé de organização, formação e lutas populares que ultrapasse os limites concedidos pelo Estado burguês.

Edição: Pedro Carrano