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Israel, Palestina e o palanque da conveniência

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São mais de 30 mil palestinos assassinados diante de nossos olhos, mas, para alguns, essas vidas parecem não ter a mesma importância - Foto: - Mahmud Hams_AFP
Citaram a tragédia do povo negro, por exemplo, como se ela fosse hipotética

A Câmara de Curitiba aprovou na segunda-feira (26/02) duas moções contrárias às declarações que o presidente Lula fez no dia 18 de fevereiro sobre a guerra entre Israel e o Hamas. Durante a votação, solicitei uma fala para pontuar algo que me incomoda profundamente em alguns debates que ocorrem dentro do palácio Rio Branco, e que contrariam intensamente minha concepção do que é (ou deveria ser) o trabalho político-parlamentar.

Por isso, antes de mais nada, gostaria de revisar dois conceitos centrais à reflexão que trago aqui. A primeira é que o Hamas é um grupo terrorista. E a segunda é que, quando me refiro ao povo de Israel, não menciono o governo sionista, mas sim o povo inocente.

Vale pontuar ainda que minha manifestação foi inspirada após observar a repercussão desse debate. Bastou uma fala do presidente Lula para que a semana fosse dominada por discursos histéricos que dominaram o debate político nacional. E o que vi foi uma irresponsabilidade grotesca de representantes do povo que não se constrangem ao utilizar pautas tão sérias em benefício próprio. Esse movimento aconteceu inclusive na própria Câmara, quando o debate de interesse público perdeu espaço para inverdades e apropriações difíceis de engolir.

Vejo com muito incômodo a polêmica levantada dessa forma, pois além de não promover reflexões propositivas sobre o fim do conflito, também tiraram de contexto a fala do Presidente Lula, cuja intenção foi a busca por justiça e paz. Entre os argumentos levantados pelo Presidente, estava a promoção de ações como o cessar fogo, fundamental à proteção das vidas inocentes, além da construção de condições reais de diálogo e negociação entre as diferenças.

O que o PT, nós, defendemos é o reconhecimento do estado Palestino como um esforço para promover a paz na região. Mas nada disso pareceu importar aos meus colegas que aprovaram as moções contrárias ao presidente. A polêmica das redes foi mais importante que a defesa da vida, e a cultura da paz perdeu quando poucos parlamentares foram capazes de enxergar que a verdadeira atrocidade humana é a ganância. Estamos falando de um número incontável de mortes, de tragédias com as quais nenhuma pessoa consciente seria capaz de concordar.

Durante o debate promovido pela votação dessas moções no plenário da Câmara, alguns vereadores fizeram colocações que, a meu ver, são problemáticas. "É como se nós fizéssemos uma guerra contra os negros e um ditador matasse todos eles". "O presidente Lula fez uma comparação infeliz ao falar do Holocausto, pois não podemos aceitar nenhum tipo de comparação que remeta à maior tragédia da humanidade", argumentaram, sem se dar conta de que essa comoção não existiu quando outras tragédias humanas estavam em pauta.

Citaram a tragédia do povo negro, por exemplo, como se ela fosse hipotética, como se nossa história não tivesse registrado mais de 300 anos de escravidão, causando mortes das quais até hoje não demos conta de contar. Até hoje não sabemos quantas pessoas foram mortas quando foram roubadas de sua terra, em África. Também não temos a conta de quantas morreram até chegar em seus destinos, nem conseguimos contabilizar o número de pessoas negras que foram assassinadas no Brasil, ou mesmo quantas morreram trabalhando para construir privilégios que as famílias não negras usufruem até hoje.

Ninguém sabe quantas famílias negras seguem sendo vitimadas por conta de uma falsa abolição e da naturalização do racismo.

Também não vi tanta comoção diante do massacre dos povos originários, que seguem sendo dizimados até hoje pela ação do garimpo. Quando vidas indígenas são perdidas, só ouço o silêncio. E me pergunto: por que a tragédia desses povos não cabe nessa lista de maiores tragédias da humanidade?

Temos o Holocausto em que milhares de judeus foram mortos. Mas ainda temos milhares de judeus que continuam sendo mortos por conta da barbárie que os deixou sem uma terra para viver até hoje. São mais de 30 mil palestinos assassinados diante de nossos olhos, mas, para alguns, essas vidas parecem não ter a mesma importância.

É urgente combater TODAS as formas de genocídio, todos os momentos terríveis, como o Holocausto, que já ocorreram na humanidade. O que está acontecendo em Gaza é real, é sobre crianças, jovens e adultos perdendo vidas, de todos os lados. Por isso, não cabe defender a vida de forma torpe, colocando mais valor para uma vida e preterindo outra com o intuito de promover motivos pessoais.

Nesse sentido, pergunto: quem realmente se importa com a questão de fato? Por quem estão lutando? Para quê tanta cena? Por que esse pedido de desagravo não existiu quando vivenciamos outras tragédias, como as mais de 700 mil mortes da Covid no Brasil?

Por que só defendemos a vida quando existe a possibilidade de uma exposição midiática? Aprendi lendo a Bíblia que a boca fala do que o coração está cheio, e enquanto só ouço reclamações sobre o PT, PT, PT … reitero: o Hamas não é o povo palestino. O ministro Benjamin Netanyahu não é o povo de Israel. A morte acontece dos dois lados.

E o problema é mesmo a fala do Presidente?


Nesse sentido, pergunto: quem realmente se importa com a questão de fato? Por quem estão lutando? Para quê tanta cena? / Shadi Tabatibi - Reuters

Edição: Pedro Carrano