Paraná

Coluna

Porque o povo Sem Terra também ocupa o carnaval

Imagem de perfil do Colunistaesd
Desfile do Carnaval 2024 em Curitiba - Foto: Leonardo Henrique
Viemos ao coração da cidade, para as ruas e barracões, defender a alegria e o direito de brincar

Enfim, finda mais um carnaval, festa popular, presente em todas as partes do Brasil, no litoral, interior e capitais. Um período que inquestionavelmente modifica as sociabilidades do Brasil, muda a rotina de quem gosta e até mesmo de quem não gosta da festa, questiona, alegra e incomoda!

Neste ano, o MST mais uma vez esteve presente em muitos estados em diferentes formatos de participação, seja em blocos carnavalescos, escolas de samba, em letras de samba enredo, desfiles no campo e na cidade...O que leva a alguns questionamentos: “Porque os Sem Terra reivindicam também a participação no carnaval?”

Bem, historicamente um incômodo à ordem das elites conservadoras e higienistas do Brasil, se forjou uma festa de subversão da ordem cotidiana, uma “cultura da fresta”, como caracterizou o pesquisador Luis Antônio Simas, ambiente com distintas raízes e formatos, da produção do som sincopado, de contratempos à ordem moralista da burguesia brasileira.

O carnaval, neste formato que conhecemos hoje, das escolas de samba, blocos e desfiles, se desenvolveu com mais intensidade neste espaço urbano a partir do início do século XX, desde um território da exclusão social e da privação da terra. Ou seja, um ambiente de fusão de culturas e costumes trazidos com os trabalhadores oriundos do interior, a maior parte descendentes de negros escravizados.


Alegoria da Mocidade Alegre, Samba rural de Pirapora, bicampeã do carnaval de São Paulo em 2024 / Foto: Divulgação

Contudo, o samba no Brasil também tem sua origem no campo, atribuída ao Jongo e ao samba de roda, manifestação típica dos trabalhadores das fazendas de cana e café do interior, manifestado na alegoria do desfile da Mocidade Alegre, campeã do Carnaval de São Paulo, onde homenagearam o samba rural de Bom Jesus de Pirapora, no interior paulista.

Ou seja, se hoje entendemos esta festa como algo essencialmente urbano, centrado nas grandes capitais, especialmente Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro, é em partes devido ao fato do trabalhador brasileiro, especialmente descendentes de negros escravizados, terem sido alienados de seus territórios, da terra e da cultura ali produzida, especialmente através da mercantilização das terras, oficializada através da Lei de Terras de 1850, lei que é a “mãe das favelas” no Brasil.

Ao passo da agressão violenta da indústria cultural que soube bem mercantilizar a festa em lucro e na lógica do espetáculo, relegou às populações do campo a cultura do agronegócio, centrada em festas de rodeio, grandes shows de uma única batida uniforme, do “sertanejo universitário”, ou ainda ao local bucólico, do “descanso e sossego”.


Cortejo de Carnaval no assentamento Zumbi dos Palmares, no município de São Mateus, no Espírito Santo / Foto: Arquivo MST

Assim, é na alienação e mercantilização da terra que localizamos este estranhamento em perceber a presença dos sujeitos do campo e da luta pela reforma agrária nos diversos ambientes carnavalescos. Há um legado artístico e cultural imenso acumulado pelas escolas de samba e blocos carnavalescos de toda natureza, que apesar das contradições, resistem cotidianamente para permanecerem vivas e ativas durante todo o ano, da qual nós nos inspiramos e a elas nos aliamos na defesa da cultura popular e de resistência.


Neste ano, mais de 25 militantes do MST participaram da construção e do desfile da Escola de Samba Leões da Mocidade, em Curitiba / Foto: Leonardo Henrique

Nesta sociedade de sociabilidade despedaçada, machucada pelas intolerâncias de todo tipo, viemos ao coração da cidade, para as ruas e barracões, defender a alegria e o direito de brincar, mas também de aprender com este imenso legado cultural das agremiações e sobretudo reatar este cordão umbilical entre campo e cidade, através da solidariedade, da defesa do direito à terra, da vida e da cultura popular.

Para nós, não se faz reforma agrária sem cultura popular, e não há cultura popular sem a presença de todos os sujeitos marginalizados, do campo e da cidade. Que o samba siga fazendo luta, e que a luta pela terra e cultura popular seja uma causa só.

Viva o carnaval e a cultura popular!

*Igor de Nadai é músico e integrante do Setor de Comunicação e Cultura e da direção do MST-PR

**Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Lia Bianchini