Paraná

QUESTÕES URBANAS

Observatório das Metrópoles. Quais os maiores problemas de Curitiba?

A cidade é marcada por imensas desigualdades

Curitiba (PR) |
Ao contrário do que já foi vendido, a capital paranaense não é uma ilha de prosperidade no Brasil - Foto: Pedro Carrano

Quais os maiores problemas de Curitiba?

Em ano de eleição municipal ouviremos os eventuais candidatos elencarem as demandas mais urgentes, de acordo com sua capacidade de apresentar soluções (algumas mirabolantes e outras realmente viáveis).

Este artigo é o início de um projeto do Observatório das Metrópoles que discutirá, em colunas assinadas por seus pesquisadores, no Brasil de Fato Paraná, algumas das principais questões urbanas que compõe a agenda política das próximas eleições.

Numa cidade que já foi tida como modelo de planejamento urbano, não são apenas as questões urbanísticas que carecem da formulação de políticas públicas eficientes, a área social também deve receber atenção do poder público, pois, ao contrário do que já foi vendido, a capital paranaense não é uma ilha de prosperidade no Brasil paranaense não é uma ilha de prosperidade no Brasil, embora tenha mesmo indicadores mais positivos que outras metrópoles ainda assim é afligida por velhos problemas nacionais, como a desigualdade social.

A desigualdade permanece um dilema, seja considerando somente o município ou a Região Metropolitana de Curitiba (RMC). O conglomerado acompanhou a tendência nacional de aumento da desigualdade na última década, como mostra a nona edição do Boletim – Desigualdade nas Metrópoles1: nos 29 municípios que formam a RMC, o número de pessoas em situação de pobreza aumentou 55% em 10 anos, saltando de 308.873 em 2012 para 479.895 em 2021. Também se verificou um crescimento de pessoas em situação de extrema pobreza no mesmo período, passando de 52.957 para 91.941 pessoas. Como se não bastasse, a renda dos mais pobres caiu no período, de R$ 714 para R$581.

Uma das maiores expressões da desigualdade em nosso meio urbano é a segregação espacial. E na RMC não é diferente, como é possível ver no “Mapa das desigualdades na região de Curitiba: renda e riqueza”, elaborado pelo Grupo de Estudos em MacroEconomia Ecológica (Gemaeco) da UFPR, em parceria com o Núcleo de Estudos em Economia Social e Demografia Econômica (Nesde-UFPR) e a ONG Kurytyba Metropole, disponível para download2. Tomando os municípios do Núcleo Territorial Central da RMC (NTCC)3, e adotando o índice de Gini para medir a desigualdade, constatou-se que Curitiba é a cidade mais desigual, com 0,554.

A diferença entre a maior e menor renda média da população na NTCC alcança 7,5 vezes - Curitiba com R$ 342 mil e Campo Magro com R$ 45 mil respectivamente -, e quando se fala em riqueza essa diferença é ainda maior, chegando a 15,8 vezes entre o maior e menor patrimônio líquido médio da população.

Números que se refletem na comparação de rendimentos em relação a gênero e a cor dos habitantes, o rendimento médio real mensal das pessoas pretas equivale a 83,6% ao das pessoas brancas em 2021, enquanto o rendimento médio real mensal das mulheres equivale a 84,8% ao dos homens.

A baixa renda limita o acesso dos mais pobres a bens e serviços, algo que deveria ser compensado por políticas públicas sociais equitativas e redistributivas, mas ao invés disso temos um quadro em que a desigualdade impacta profundamente a vida destas pessoas, como podemos ver nos indicadores de desenvolvimento humano.

Em pesquisa que iniciamos em recentemente, procuramos relacionar a desigualdade com a qualidade de vida, ou para sermos mais precisos, a baixa qualidade de vida. Nosso primeiro exercício de análise foi tomar Curitiba a partir de seus setores censitários considerando alguns indicadores (longevidade, renda, educação), acompanhamos seu desempenho nos censos de 2000 e 2010, e comparamos somente os cinco melhores e os cinco piores resultados, verificamos um cenário que combina perigosamente desigualdade, segregação espacial, violência e degradação ambiental.

Apesar de possuir um alto Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), com 0,823 em 20105, Curitiba se revela uma cidade marcada pela desigualdade social, onde podemos destacar: a evidente divisão territorial entre ricos e pobres; concentração de pobres na região Sul; as áreas de ocupação, mesmo já regularizadas não modificam substancialmente sua condição social de origem; mulheres mais velhas e famílias menores nas áreas centrais; famílias extensas e/ou com maior número de crianças nas periferias geográficas e/ou áreas de regularização fundiária; ricos: renda alta, infraestrutura urbana completa, rede de bens e serviços, população com maior predominância de mulheres, população mais velha, famílias menores, altas taxas de ocupação entre os adultos em idade de trabalhar.

Quando comparamos os setores censitários de Curitiba vemos que as diferenças entre eles oscilam de 0,956 a 0,623, uma distância de mais de 0,300 pontos entre os mais ricos e os mais pobres, diferença que se manteve ao longo da década de 2000, apesar das políticas voltadas aos mais pobres implementadas no período. (tabela1)

Tabela 1: IDHM dos cinco melhores e cinco piores setores censitários de Curitiba, 2000 e 2010.

Setores censitários

Ano de 2000

Ano de 2010

Diferença 2010/2000

Água Verde

0,931

0,956

0,025

Batel / Bigorrilho

0,927

0,948

0,021

Alto da Glória / Juvevê / Centro Cívico /

Ahú

0,925

0,949

0,024

Cabral / Hugo Lange / Jardim Social

0,919

0,954

0,035

Campo Comprido: Eduardo Sprada

0,915

0,954

0,039

Augusta : Bela Vista do Passaúna

0,525

0,623

0,098

Tatuquara : Terra Santa

0,525

0,623

0,098

Tatuquara : Monteiro Lobato

0,525

0,623

0,098

Umbará : Hebron

0,525

0,623

0,098

Cajuru / Uberaba : APA do Iguaçu

0,504

0,665

0,161

Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano, 2014 FJP- IBGE

Nota: elaboração pelos autores

Quando localizamos estes setores censitários no mapa, conseguimos ter uma noção do que significa “bem localizado” em Curitiba, as áreas centrais são aquelas que apresentam os melhores índices em quase todos os indicadores, e ao sul e leste, nas áreas que surgiram a partir de ocupações irregulares, a situação de maior vulnerabilidade social.

 

As pesquisas que citamos aqui reforçam a importância da adoção de ações públicas para reduzir a desigualdade e a vulnerabilidade social de nossa população periférica, os dados apontam as regiões mais carentes de aparelhos e serviços públicos, ótimos indicativos para os candidatos pensarem suas futuras ações e programas de governo.

É certo que o enfrentamento da desigualdade necessita de políticas integradas nacionalmente e de uma retomada no crescimento econômico, mas os administradores municipais tem um importante papel para amenizar os impactos negativos da desigualdade, do qual esperamos que eles não se omitam em suas campanhas eleitorais.

** Luiz Belmiro é professor de Sociologia do IFPR, atua no Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano da UFPR, e no Mestrado Profissional de Sociologia em Rede (PROFSOCIO) da UFPR.

 

Referências:

1 O estudo é fruto de uma parceria entre a PUC do Rio Grande do Sul, o Observatório das Metrópoles e a RedODSAL (um grupo de universidades católicas da América Latina).

3 O Núcleo Territorial Central de Curitiba é formado pelos seguintes municípios: Almirante Tamandaré, Araucária, Balsa Nova, Campina Grande do Sul, Campo Largo, Campo Magro, Colombo, Curitiba, Fazenda Rio Grande, Pinhais, Piraquara, Quatro Barras e São José dos Pinhais.

4 O índice varia de 0 a 1, sendo 0 a condição perfeita, onde não há desigualdade social, e 1 o maior índice possível de desigualdade.

5 Da mesma forma que o Índice de Gini, o IDHM varia de 0 a 1, quanto mais perto de 1 maior o desenvolvimento humano do município, medido a partir de vários indicadores que indicam qualidade de vida, como rendimento, saúde e educação.

Edição: Pedro Carrano